Organizadores de atos de junho de 2013 em Porto Alegre são absolvidos por falta de provas

Investigação se baseou em relatos de um policial civil infiltrado e de manifestante preso por ele

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São Paulo

A Justiça do Rio Grande do Sul absolveu por falta de provas sete manifestantes que lideraram protestos em junho de 2013 em Porto Alegre. A decisão é da juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre.

A Folha teve acesso à decisão, que mostra que os próprios policiais que atuaram nos protestos divergem sobre ter ou não havido participação dos manifestantes em depredações ou se eram adeptos da tática black bloc, que prevê vandalização de instituições públicas, por exemplo.

Das 27 pessoas citadas na sentença e que depuseram para o esclarecimento dos fatos, apenas quatro relataram ter visto algum dos manifestantes cometendo delitos durante os atos. Todos eram policiais, sendo um deles o delegado responsável pelo inquérito e pela denúncia que originou o processo.

Entre as pessoas que depuseram e relataram não ter visto nenhuma ilegalidade associada aos ativistas, há seis agentes de segurança —guardas civis, policiais civis e policiais militares.

O policial militar Leonardo Teixeira Vieira, que na ocasião foi designado para acompanhar os protestos de 2013 e que trabalhava na inteligência da Brigada Militar (PM gaúcha), relata, segundo o texto, que "em nenhum momento constatou que os réus teriam praticado atos contra o patrimônio público, apenas verificou que eles eram líderes políticos dos movimentos".

O próprio autor do inquérito policial, o delegado Marco Antônio Duarte de Souza, é impreciso. Segundo o texto, ele "apurou que os acusados participavam de movimentos de militância política e que atuavam em conjunto com 'black blocs'. No entanto, eles não participaram das ações de vandalismo
ocorridas durante os protestos".

Os manifestantes investigados eram membros do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, grupo amplamente citado no inquérito policial, ao qual a Folha também teve acesso.

Um dos membros do grupo, Matheus Gomes (PSOL), foi o quinto vereador mais votado de Porto Alegre em 2020 e hoje compõe a primeira bancada negra da Câmara Municipal. Ele está entre os ativistas absolvidos pela Justiça.

Homem negro e de dread de terno e máscara segurando diploma
O vereador Matheus Gomes (PSOL) na cerimônia de posse na Câmara Municipal de Porto Alegre em janeiro deste ano - Leonardo Contursi/Divulgação

Em 2013, quando tinha 22 anos e liderava o movimento ao lado de colegas, Gomes teve a casa revistada pela polícia e o computador apreendido. Para ele, a investigação nasceu com o objetivo de criminalizar movimentos sociais.

“Nos chamavam de black blocs e nos acusavam de formar uma organização criminosa, enquanto a nossa ação e as propostas concretas apontavam alternativas para a crise do transporte público e outras questões sociais que afligiam a população brasileira naquele contexto”, disse Gomes à reportagem.

O inquérito policial foi instaurado com base no interrogatório de um jovem negro preso em flagrante e no relato do policial civil Mário André Herbst Garcia, que o prendeu após se infiltrar no grupo de manifestantes para tentar obter informações sobre os líderes do movimento.

Além do policial, um repórter investigativo da Rádio Gaúcha, Voltaire Triboli dos Santos, também chegou a se infiltrar no grupo, segundo a investigação.

Ainda de acordo com o inquérito, Triboli afirmou em depoimento ter participado de encontros que organizavam futuros atos com depredação.

Segundo o repórter, os manifestantes falavam de maneira a não citar depredações, mas que “era evidente que o bando organizava tais atos” e que “no discurso oficial era mostrado um ‘romantismo’”.

Na sentença, porém, o jornalista mudou sua versão. “Esteve presente em reuniões desse grupo, nas quais se tratava da realização de protestos, a serem realizados de forma democrática”, diz o texto sobre o relato de Triboli.

Agora vereador, Gomes afirma que buscará na Justiça reparação pelo que classifica como perseguição política e racista. Ele afirma ter sido vítima de inúmeras abordagens policiais disfarçadas de rotina, mas que os agentes de segurança sempre sabiam quem ele era e que estava sendo processado por causa das manifestações.

Os agentes tabém perguntavam sobre seus ideais políticos e por que defendia causas como direito ao transporte de qualidade, por exemplo.

Historiador de formação, Gomes afirma ter sido ameaçado diversas vezes por policiais militares e guardas civis. “Em meio a manifestações já tive situações de agentes de segurança dizerem perto de nós que nossos dias estavam contados, que ‘de hoje não passa’ e que me pegariam e cortariam os meus dreads.”

“O processo foi feito numa lógica racista. Quando entraram na minha casa, perguntaram se eu tinha armas e drogas, um absurdo. Dos seis ativistas investigados, três são negros. Já o jovem preso em flagrante é negro e afirma ter sofrido agressões policiais para confirmar que nós éramos mandantes de crimes, depredações e agressões a policiais. Toda essa mecânica é racista. Tinha 22 anos e fui tratado como um jovem negro infrator, elemento suspeito, não como um jovem negro e líder de um movimento político”, acrescenta.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul informou que não comenta ações específicas dos seus agentes nem decisões do Poder Judiciário.

O jornalista Voltaire Triboli dos Santos não respondeu até a publicação deste texto.

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