Organizadores falam em ampliar atos contra Bolsonaro para fora da esquerda, mas veem resistências

Grupos que lançaram manifestos suprapartidários pela democracia em 2020 deixam participação a critério de cada membro; MBL e Vem Pra Rua não aderem

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São Paulo

Grupos de esquerda que capitanearam os atos contra Jair Bolsonaro no último sábado (29) confirmaram nesta quarta-feira (2) a data de novos protestos pelo impeachment do presidente sem conseguir ampliar o escopo ideológico da mobilização, apesar de demonstrarem disposição para isso.

Em reunião pela manhã, os responsáveis agendaram para 19 de junho, novamente um sábado, mais uma rodada de atos de rua pelo país.

Movimentos sociais, estudantis e sindicais, além de partidos de esquerda (agrupados em um fórum batizado de campanha nacional Fora, Bolsonaro), estiveram por trás das manifestações que levaram milhares de pessoas às ruas em 210 cidades do Brasil e em 14 países.

Em uma tentativa de dissociar a iniciativa de entidades ou legendas específicas, a convocação ficou a cargo de frentes como a Povo sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades do chamado campo progressista.

Siglas como PT, PSOL e PC do B deram apoio e também chamaram seus filiados, mas enfatizaram o discurso de que a organização ficou a cargo dos movimentos sociais. A CUT (Central Única dos Trabalhadores), contrária a atos de rua agora, não fez convocação institucionalmente.

O rol de pautas foi variado e incluiu defesa da vacina, apoio à CPI da Covid (vista como o caminho mais curto para a responsabilização do presidente pelas mortes na crise sanitária), pedido de auxílio emergencial de R$ 600, fim da violência policial e ataque às privatizações.

Ao reagir à pressão, Bolsonaro e seus apoiadores buscaram pintar a iniciativa como evento de campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que deve disputar o Planalto em 2022 e lidera as pesquisas de intenção de voto. O petista não compareceu nem insuflou apoiadores para se juntarem às marchas.

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, esteve na avenida Paulista e discursou em um caminhão de som.

Hoje uma pauta que une setores da esquerda, do centro e da própria direita, o impeachment estará novamente no centro das reivindicações do próximo protesto, no dia 19. Articuladores buscam um consenso sobre data e formato em meio ao temor relacionado à Covid.

"Vejo a possiblidade de ampliar [a participação] e acho que temos que trabalhar para isso", diz o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Iago Montalvão. Filiado ao PC do B, ele defende esforço para atrair mais pessoas independentemente de ideologia, ligadas a movimentos ou não.

"Muita gente aderiu individualmente. É importante que os atos sejam conduzidos pelos movimentos sociais, mas têm que trazer pessoas para além da esquerda. A UNE entende que quem está contra o governo Bolsonaro e contra os cortes nas universidades públicas pode e deve chegar."

Organizações mais à direita, o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua) mantêm a decisão de não provocarem aglomerações, sob a justificativa de obediência às autoridades de saúde.

"Achamos que fica quase impossível manter regras sanitárias em manifestações. A situação ainda está muito grave", diz Adelaide Oliveira, que é do MBL e já foi porta-voz do VPR, dois dos grupos que puxaram multidões pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2015 e 2016.

Segundo ela, tentativas anteriores de unir as pontas ideológicas nas ruas fracassaram. Em janeiro deste ano, MBL e VPR promoveram carreatas pelo afastamento do presidente um dia após carreatas realizadas por entidades que estão envolvidas nos atos de agora, como a frente Povo sem Medo.

Além do vírus, outra razão expressa nos núcleos da direita é a resistência a se misturar aos esquerdistas. A avaliação é a de que grupos que foram capazes de aglutinar milhares de pessoas contra o PT e em apoio à Operação Lava Jato têm capacidade, caso queiram, de galvanizar as próprias bases.

Autores dos manifestos suprapartidários que fizeram barulho, há cerca de um ano, em defesa da democracia e em contraposição aos arroubos de Bolsonaro, também optaram por manter uma distância das mobilizações de agora.

Lançado em maio de 2020 por intelectuais e artistas, o Estamos Juntos —que obteve a assinatura de políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o ex-prefeito Fernando Haddad (PT)— anunciou o ato do último dia 29 em seus perfis, mas sem recomendar a participação.

A iniciativa também reforçou medidas sugeridas para a ocasião, como o uso de máscara do tipo PFF2 e a determinação de guardar distanciamento durante os protestos, que não foi seguida em todas as aglomerações país afora, servindo de combustível para críticas de bolsonaristas.

O Estamos Juntos ainda está aberto a adesões, mas sua mobilização hoje em dia se restringe às páginas em redes sociais e aos grupos de WhatsApp. Quando criado, a estratégia virtual foi adotada exatamente pela impossibilidade de fazer atividades presenciais.

Outra iniciativa surgida na mesma época, a campanha virtual Somos 70% (assim denominada em referência ao apoio de cerca de 30% dos brasileiros a Bolsonaro registrado em pesquisas do período) também reverberou nas redes as convocações para o sábado passado.

Seu idealizador, o economista e ativista Eduardo Moreira, diz que optou por não ir depois que uma pessoa próxima teve diagnóstico positivo para Covid, mas considerou válida a mobilização e aconselhou seguidores a evitarem polemizar a "decisão difícil" embutida no dilema de sair ou não às ruas.

"Acho importante a gente compreender, não julgar, tanto aqueles que vão quanto aqueles que não vão. Os dois têm razões legítimas. E não cair na armadilha de um elemento para dividir a oposição, em vez de fortalecê-la. Isso é o sonho da turma de Bolsonaro", afirma.

Segundo Raimundo Bonfim, que coordena a CMP (Central de Movimentos Populares) e integra a frente Brasil Popular, a presença de manifestantes desvinculados de organizações de esquerda teve peso no sucesso das passeatas do dia 29 e precisa ser estimulada.

"Foram muitas pessoas com esse perfil, que estavam lá porque pertencem à parcela da população que está indignada com Bolsonaro. Aderiram espontaneamente", diz Bonfim, que é filiado ao PT.

Na visão dele, movimentos que concordam com a bandeira do impeachment podem se sentir inibidos a marchar lado a lado com a esquerda por divergirem de pautas que desagradam ao campo liberal. Além disso, faixas e bandeiras de apoio a Lula, por exemplo, são frequentes.

"Todos que são pelo 'fora, Bolsonaro' são bem-vindos, mas nós também temos outras lutas da classe trabalhadora, como a revogação da emenda constitucional 95 [PEC do teto de gastos] e a crítica à privatização da Eletrobras e dos Correios."

Organizadores têm afirmado que a mobilização pela saída de Bolsonaro não se mistura a interesses eleitorais para 2022.​ Entre os partidos, mesmo siglas de centro-esquerda e de direita que fazem oposição ao presidente evitaram engrossar as passeatas e minimizaram seus impactos.

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