Pré-candidato no Rio Grande do Sul, Heinze ganha notoriedade na CPI ao defender a cloroquina

Senador milita por remédios sem eficácia contra Covid, diz se atualizar com médicos por WhatsApp e se alinha a Bolsonaro

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Brasília

Seja pela defesa intransigente da hidroxicloroquina, seja pelos memes ligados a uma atriz pornô, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), 70, deixou para trás um mandato marcado pela discrição no Senado para se tornar uma das figuras mais conhecidas da CPI da Covid.

O senador grandalhão, de 1,90 m, passava despercebido nas primeiras sessões da comissão. Mas aos poucos foi ganhando espaço, com suas declarações polêmicas, as discussões com colegas, as citações que viraram assunto mais comentado nas redes sociais e a defesa ferrenha do governo Jair Bolsonaro.

Embora garanta não haver relação com a atuação na CPI, Heinze é pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul e, sempre que pode, vem informando isso ao presidente da República.

Senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) participa de depoimento da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro
Senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) participa de depoimento na CPI da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro - Leopoldo Silva - 25.mai.2021/Agência Senado

Engenheiro agrônomo de formação, Heinze foi prefeito de São Borja (RS) e depois, deputado federal por duas décadas, período em que dividiu bancada partidária com Bolsonaro.

Assim como a atuação na CPI, a carreira política de Heinze é marcada por polêmicas, sendo a principal delas o inquérito a que respondeu sob a racismo e homofobia no STF (Supremo Tribunal Federal).

Em 2014, em um vídeo posteriormente vazado, o então deputado federal discursava para produtores de Vicente Dutra (RS), incentivando a violência para conter invasões de propriedades por indígenas.

"No mesmo governo, [tem] seu Gilberto Carvalho, que também é ministro da presidente Dilma [Rousseff], e ali estão aninhados quilombolas, gays, lésbicas, tudo o que não presta", afirmou.

"Por isso, pessoal, só tem um jeito: se defendam. Façam a defesa, como no Pará estão fazendo. Façam a defesa como Mato Grosso do Sul está fazendo. Os índios invadiram uma propriedade e foram corridos", afirmou, segundo consta do inquérito, que acabou arquivado.

À Folha Heinze disse que sempre advogou em defesa dos pequenos produtores rurais, contra a invasão das terras por indígenas. Segundo ele, sua fala era uma crítica exclusiva ao ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência.

"A crítica é ao Gilberto Carvalho. No gabinete do Gilberto Carvalho, tudo o que não prestava se aninhava ali. A crítica não era ao negro, ao índio, ao gay, à lésbica, nada disso. Cada um é livre, faça o que bem entender. A minha família, tenho netos, que se dão com preto, com branco, com gay, com todo o mundo."

Heinze foi eleito senador em 2018, em grande parte surfando na onda conservadora que levou à vitória de Bolsonaro. O atual presidente apoiava uma candidata de seu então partido, o PSL, mas também fez questão de gravar vídeos pedindo votos ao "amigo".

Adversários políticos no Rio Grande do Sul ressaltam que o movimento conservador se somou a uma sólida base eleitoral entre os produtores rurais, que proporcionou que ele fosse eleito para cinco mandatos na Câmara dos Deputados.

Heinze também atrai eleitores com um discurso baseado na moralidade. Um golpe nessa narrativa se deu em 2015, quando se tornou alvo de inquérito que apurava desvios na Petrobras, no âmbito da Operação Lava Jato, com grande parte de seus correligionários do PP.

O inquérito foi arquivado mais de dois anos depois. O senador gaúcho afirma que sofreu "935 dias", até o arquivamento.

Ele diz que colocou à disposição seus sigilos para provar inocência e que a fala do doleiro Alberto Youssef, que embasou a investigação, não era assertiva em relação à sua participação em esquemas de corrupção.

Heinze afirma que o delegado apresentou uma lista do PP e perguntou ao doleiro quem recebia repasses. "Quando chegou no Luis Carlos Heinze, o que ele disse? ‘Para mim recebia, mas não posso dar certeza'", conta.

Ao trocar de Casa Legislativa, Heinze se manteve discreto inicialmente, mas sempre defendendo a pauta agro. Por isso muitos senadores se surpreenderam quando, na segunda oitiva da CPI, do ex-ministro Nelson Teich (Saúde), o congressista usou sua fala para confrontar os depoentes e demais senadores em defesa da hidroxicloroquina, medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid.

"Agora, o que não dá, senador Luis Carlos Heinze, é pessoas que nunca passaram na porta de uma faculdade de medicina quererem saber mais do que um médico", disse o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), tentando dessa forma cortar o ímpeto do colega gaúcho.

Em outra discussão, em que Heinze defendeu que a culpa pelo colapso do sistema de saúde de Manaus não era do governo federal, que havia repassado R$ 2,6 bilhões ao estado, Aziz respondeu chamando o senador gaúcho de mentiroso e completou com um "não enche meu saco".

Heinze, no entanto, continuou, e a defesa da hidroxicloroquina e outros medicamentos passou a ser um momento presente em todas as sessões.

O senador cita frequentemente os mesmos cientistas —particularmente o francês Didier Raoult—, repete a retratação da revista acadêmica Lancet, para descreditar estudos contra a cloroquina, e cita como exemplos de sucesso do tratamento precoce o estado do Amapá e o município catarinense de Rancho Queimado, que virou tema mais falado no Twitter.

"Ele é um retrato do bolsonarismo clássico: aposta na negação da ciência, propaga informações que não são verdadeira", afirma o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que entrou numa discussão com Heinze, chamando-o de "mentiroso" no debate sobre dados de mortes no Amapá, seu estado.

Outro momento que viralizou nas redes foi quando internautas acharam que ele repetiu inadvertidamente um meme na internet, que mostra a ex-atriz pornô Mia Khalifa. Esse meme circulou nas redes no ano passado, para tentar enganar e assim ironizar bolsonaristas, mostrando que essa ex-atriz, vestida de enfermeira, seria autora de estudo sobre a eficácia da hidroxicloroquina.

O senador, no entanto, estava relativamente certo em sua colocação. Ele se referia a uma investigação do jornal britânico Guardian, que mostrou que uma empresa de fachada fornecia dados médicos para estudos acadêmicos.

A reportagem cita que a empresa seria —não há confirmação— dirigida por uma ex-atriz pornô, que não era Mia Khalifa. Randolfe chegou a ironizar Heinze em suas redes sociais, afirmando que convocaria Mia Khalifa para depor na CPI.

Heinze afirma que a "guerra" contra hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos tem uma origem ideológica —para enfraquecer governos conservadores, como o de Jair Bolsonaro— e também econômica, de interesse dos principais laboratórios mundiais.

À Folha ele afirma que teve contato com o assunto por meio de acadêmicos que procuraram ajuda para registrar seus estudos envolvendo esses medicamentos.

O senador reconhece que não tem tempo para buscar novos estudos e referências, mas que é abastecido de material pelos grupos de WhatsApp de médicos brasileiros e latino-americanos.

A confrontação mais técnica a Heinze se deu no depoimento da médica Luana Araújo, que afirmou que o senador não deveria se basear em estudos isolados, sendo que as análises mais amplas, com base em vários trabalhos, indicam a falta de eficácia e perigo desses medicamentos.

"Essa é uma discussão delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente", afirmou a médica. "É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular", disse.

Com certa ironia, a médica disse que Raoult, sempre citado por Heinze, havia ganhado o prêmio Rusty Razor —dado, de maneira satírica, ao maior promotor de desinformação.

"Não pode criticar um cara como ele [Raoult]. Ele republicou o trabalho dele, corrigiu e continua fazendo isso. Ele tem experiência com mais de 10 mil pacientes. Tudo o que colocaram dele é fakenews", afirmou Heinze à Folha, questionando em seguida a qualificação de Araújo e prometendo defender os remédios.

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