Servidor que apontou pressão atípica por vacina relatou pagamentos indevidos por remédios na Saúde em 2018

Um mesmo sócio está ligado à empresa responsável pelo imunizante e à companhia que recebeu por medicamentos não entregues; ele será ouvido pela CPI nesta quarta

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Brasília

O mesmo servidor do Ministério da Saúde que apontou pressão atípica para importação da vacina indiana Covaxin disse em depoimento em 2018 que a pasta fez pagamentos antecipados e indevidos por medicamentos para doenças raras.

As duas empresas beneficiadas, responsáveis pelo imunizante e pelas drogas, têm um mesmo sócio. Na sexta-feira (18), a Folha revelou o teor do depoimento dado por um servidor que atua em processos de viabilização das vacinas contra a Covid-19.

O técnico foi ouvido pelo MPF (Ministério Público Federal) em Brasília em 31 de março, num inquérito que investiga favorecimento e quebra de cláusulas contratuais para o fornecimento da Covaxin. A oitiva, enviada juntamente com o inquérito à CPI da Covid no Senado, é mantida em sigilo pelo MPF.

Frasco da vacina indiana Covaxin
Frasco da vacina indiana Covaxin - Indranil Mukherjee/AFP

O servidor afirmou ter sofrido uma pressão atípica para que buscasse a importação do imunizante e disse que houve ingerência de superiores junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). As pendências existentes eram uma responsabilidade da empresa, na verdade, conforme o depoimento dado.

Segundo o funcionário, cuja identidade é mantida em sigilo pelo MPF, um dos responsáveis pela pressão foi o tenente-coronel do Exército Alex Lial Marinho.

O militar chegou em junho de 2020 ao cargo de coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde pelas mãos do general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro da Saúde. Pazuello foi demitido em março deste ano. Marinho perdeu o cargo no último dia 8, já na gestão de Marcelo Queiroga.

Ouvido pelo MPF, o servidor do ministério afirmou existir pressão fora do comum e possibilidade de favorecimento à Precisa Medicamentos, que assinou contrato para o fornecimento de 20 milhões de doses da Covaxin, fabricada pela indiana Bharat Biotech.

O valor do contrato é de R$ 1,61 bilhão. O custo de cada dose, US$ 15, é o mais alto dentre todas as vacinas adquiridas pelo ministério.

Os prazos previstos em contrato já estão estourados. Somente no último dia 4 a Anvisa aprovou a importação de doses, e com restrições.

Sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano foi convocado pela CPI da Covid para prestar depoimento nesta quarta (23). A comissão também pediu a quebra dos sigilos do empresário.

Maximiano é presidente da Global Gestão em Saúde, segundo registros da Receita Federal. E a Global figura como sócia da própria Precisa, segundo os dados da Receita.

Os pagamentos antecipados mencionados pelo servidor em 2018, dentro de um inquérito anterior do MPF, foram feitos à Global.

Os repasses foram “absolutamente fora do comum”, segundo conclusão da Procuradoria a partir da oitiva de cinco servidores de áreas técnicas, entre eles o funcionário que voltou a ser ouvido pelo MPF, desta vez para falar da Precisa.

A Procuradoria moveu uma ação de improbidade administrativa na Justiça contra a Global e contra o ministro da Saúde na época, Ricardo Barros (PP-PR), atual líder do governo Bolsonaro na Câmara. A ação foi protocolada em dezembro de 2018.

Segundo o MPF, houve favorecimento à Global, que atrasou a entrega de medicamentos e que, mesmo assim, recebeu antecipadamente pelos produtos. A consequência disso foram 14 mortes de pacientes com doenças raras, conforme descrito na ação.

O fluxo de pagamento à empresa foi indevido, segundo depoimento do servidor que, mais de dois anos e meio depois, fez um novo relato sobre uma outra empresa ligada a Maximiano.

O funcionário disse que o fluxo normal seria o pagamento posterior ao recebimento do produto em depósito. Quando o produto não é entregue, o ministério deve tomar providências para o ressarcimento do valor pago, acrescido de atualização monetária, afirmou ele.

A determinação para que a Global fosse paga de forma antecipada causou constrangimento dentro do ministério, segundo o depoimento ao MPF. Conforme a Procuradoria, houve pelo menos três pagamentos antecipados, no valor de quase R$ 20 milhões.

Na ação, o MPF pediu o ressarcimento dos R$ 20 milhões, mais um ressarcimento por dano moral coletivo no valor de R$ 100 milhões, em razão da morte de 14 pacientes. Outros pedidos na ação foram o bloqueio de bens e a suspensão de direitos políticos dos réus.

O Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos foram procurados no meio da tarde desta segunda-feira (21). A pasta não se manifestou até a publicação da reportagem.

A assessoria da Precisa disse, no começo da noite, que a Global deve ser procurada diretamente. A reportagem fez contato e aguarda uma resposta.

Em nota, o deputado e ex-ministro Ricardo Barros disse que houve “inexecução contratual” em relação à Global. ”Foram adotadas todas as providências pelo Ministério da Saúde para penalização da empresa e para o ressarcimento ao erário. Não houve favorecimento ou qualquer ato de improbidade”, afirmou.

O parlamentar disse ter enfrentado “monopólios do setor farmacêutico” na compra de medicamentos para doenças raras em cumprimento a decisões judiciais. Segundo ele, suas ações como ministro resultaram em economia de R$ 5 bilhões.

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