Suspeita de prevaricação turbinará superpedido de impeachment contra Bolsonaro e chegará à PGR

Oposição antecipa protestos, e parlamentares falam em travar votações após citação ao líder do governo na CPI da Covid

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília e São Paulo

O depoimento do deputado Luis Miranda (DEM-DF) à CPI da Covid sobre a atuação do presidente Jair Bolsonaro ao ser alertado de supostas irregularidades na compra da vacina Covaxin deu um novo impulso ao superpedido de impeachment articulado por partidos da oposição e desafetos de Bolsonaro.

De acordo com os relatos de Miranda, o presidente, ao ser informado sobre o caso, disse que pediria investigação da Polícia Federal. Porém a corporação não encontrou registro de nenhum inquérito aberto.

Para opositores de Bolsonaro, essa postura enquadraria o presidente em suposto crime de prevaricação. Ou seja, ele teria deixado de praticar algum ato para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.

A área jurídica que elabora o superpedido de impeachment, a ser apresentado à Câmara na quarta-feira (30), encontrou um dispositivo na lei dos crimes de responsabilidade que dará sustentação à estratégia de tentar afastar Bolsonaro da Presidência.

À CPI, na noite de sexta-feira (25), Miranda também relatou que Bolsonaro ligou o líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), às supostas irregularidades nas negociações para a compra da vacina indiana.

O relator da CPI da Covid no Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou neste sábado (26) que o colegiado começou pelo vírus, em alusão ao novo coronavírus, e chegou "ao câncer da corrupção".

"CPI se sabe como começa, não como termina. Esta começou investigando o vírus e acabou chegando ao câncer, ao câncer da corrupção", afirmou o senador.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, disse que acionará a PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão investigue Bolsonaro por crime de prevaricação. Ele pretende protocolar o pedido nesta segunda (28).

A suspeita de irregularidade na compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro foi revelada pela Folha no dia 18 de junho, com a divulgação do teor do depoimento de Luís Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde e irmão do deputado Luis Miranda.

O servidor disse em oitiva no MPF (Ministério Público Federal) que recebeu uma pressão "atípica" para agilizar a liberação da vacina indiana contra a Covid-19, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.​

O deputado contou que foi pessoalmente alertar o presidente sobre as supostas irregularidades. O encontro teria sido em março. O congressita foi com seu irmão. Apesar da conversa, Miranda disse que a denúncia não foi investigada.

O depoimento, na avaliação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mostrou que Bolsonaro não mandou apurar o caso por interesses políticos. "Isso é prevaricação. Estamos defendendo que esse caso integre o superpedido de impeachment", disse.

A prevaricação está prevista no artigo 319 do Código Penal. Além disso, para o advogado Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, a postura de Bolsonaro também configura crime de responsabilidade.

Menezes, que faz parte do grupo que prepara o documento citado por Gleisi, citou que "não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados" em caso de delitos pode ser enquadrado como base para impeachment. Isso está previsto no artigo 9º da Lei do Impeachment (Lei 1.079, de 1950).

Depois do depoimento do deputado Luis Miranda na CPI, a campanha Fora Bolsonaro, fórum que reúne as organizações que encabeçaram os atos pelo impeachment em 29 de maio e 19 de junho, decidiu convocar para 3 de julho nova mobilização nacional contra o presidente.

Antes do caso Covaxin, a data escolhida havia sido o 24 de julho. Diante do que entenderam com uma mudança de conjuntura, líderes da campanha escolheram fazer atos em ambas as datas.

"Optamos por adicionar o dia 3 de Junho no calendário porque os novos fatos demonstrados pela denúncia do caso Covaxin deixam ainda mais evidentes o descaso desse governo com o povo, e incendiaram ainda mais a vontade das pessoas de ir às ruas", disse Iago Montalvão, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE).

A campanha é capitaneada pelas frentes Povo Sem Medo, a Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos, que reúnem centenas de entidades do chamado campo progressista. Também participam PT, PC do B e PSOL.

"Agora se criou de fato um clima para o impeachment", diz Guilherme Boulos (PSOL), do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo Sem Medo.

No Congresso, a oposição quer aproveitar o momento para intensificar o plano de ataque ao governo.

A estratégia é articular com partidos independentes uma coalizão para travar votações até que a denúncia envolvendo Barros seja apurada.

O presidente do PDT, Carlos Lupi, quer aderir ao movimento de tentar barrar as votações no Congresso. "Vamos propor a todos os partidos. Esta decisão não pode ser solitária, pois não teria eficácia."

Líderes de partidos aliados ao governo, como PP e PL, avaliam que, apesar de a denúncia ainda precisar de apuração e desdobramentos, o depoimento dos irmãos Miranda à CPI gerou um fato político e amplia o atual ciclo de desgaste de Bolsonaro. No entanto, eles não vêem clima neste momento para parar os trabalhos do Congresso.

Sem o apoio de partidos de centro, como MDB e PSDB, a oposição tem pouca margem de manobra para suspender as atividades do Legislativo.

O Congresso discute projetos de interesse do governo, como as reformas administrativa, tributária e eleitoral, além do voto impresso, uma bandeira de campanha de Bolsonaro.

Bolsonaro detém maioria na Câmara, onde se inicia um eventual processo de impeachment. Para uma investigação contra ele ser aberta, é necessária a autorização do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Ele é líder do centrão, grupo de partidos que se alinhou ao governo após a liberação de cargos de indicação política e emendas.

O PSOL afirmou neste sábado que irá apresentar ao Conselho de Ética da Câmara um pedido de cassação do mandato de Barros. Procurado, o deputado não havia se manifestado até a conclusão deste texto.

Para o PSOL, Barros cometeu ato de corrupção ao agir em favor da Precisa Medicamentos. Nesta sexta, após ser citado na CPI, o deputado afirmou, em nota, que não participou de nenhuma negociação em relação à Covaxin.

O dono da empresa responsável por representar no Brasil a fabricante da vacina indiana Covaxin disse que uma emenda de Barros destravaria o processo de importação do imunizante.

O relato de Francisco Maximiano feito ao embaixador do Brasil em Nova Déli, André Aranha Corrêa do Lago, consta de documento sigiloso entregue pelo Itamaraty à CPI da Covid.

O nome de Barros apareceu no depoimento à CPI após Miranda narrar uma sequência de fatos que complicam a situação de Bolsonaro.

O presidente não se manifestou diretamente sobre as suspeitas que atingem Barros, mas voltou a atacar a CPI da Covid durante ao participar neste sábado da terceira motociata em apoio ao governo, desta vez em Chapecó (SC). "Querem apurar o quê? No tapetão não vão levar", afirmou.

Senadores governistas da CPI minimizam as declarações do servidor e do deputado e dizem que não havia má-fé da Precisa Medicamentos, que negociou a vacina com o Ministério da Saúde, ao apresentar documento com dados errados. Os papéis foram parcialmente retificados.

O governo fechou contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin em 25 de fevereiro, por R$ 1,6 bilhão, no momento em que tentava aumentar o portfólio de imunizantes e reduzir a dependência da Coronavac, que chegou a ser chamada por Bolsonaro de "vacina chinesa do João Doria".

Fabricada pela Bharat Biotech, a vacina é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos, empresa que tem no quadro societário a Global Gestão em Saúde S. A.

A Global responde a uma ação de improbidade por contrato de R$ 20 milhões assinado em 2017 com o Ministério da Saúde, para importação de medicamentos para doenças raras. À época, Barros era o chefe da pasta, e produtos não foram entregues.

Enquanto a oposição tenta usar a denúncia para deixar o governo mais acuado, o centrão tem visto o episódio com mais cautela —só deve adotar movimentos mais bruscos se novos fatos derem sustentação à acusação, que ganharia potencial ainda mais danoso ao presidente.

Para o líder do PL no Senado, Wellington Fagundes (MT), o caso tem de ser apurado. "Não deixa de ter um conteúdo político muito forte. Mas acho que, de cara, não tem motivo para paralisar o Congresso."

"É uma acusação grave e agora o deputado Luis Miranda vai ter de comprovar o que ele está falando", disse o líder do PP na Câmara, Cacá Leão (BA).

Neste sábado, o deputado Luis Miranda, disse que, ao denunciar supostas irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, teve o objetivo de evitar prejuízo dos cofres públicos do país.

"Não sou inimigo do governo. Eu fui o melhor amigo do governo", afirmou, em vídeo publicado por ele em uma rede social.

Em entrevista ao site O Antagonista, Miranda afirmou que Bolsonaro terá uma "surpresa mágica" e insinuou ter gravação para provar a conversa com o presidente.

Para um membro da comissão que falou reservadamente com a Folha, o colegiado deverá ter maior apoio da opinião pública, mas precisará entregar mais elementos sobre as suspeitas de irregularidades na compra da vacina.

A cúpula da CPI discute a prorrogação das atividades. Os trabalhos valem por 90 dias e devem terminar no dia 7 de agosto. Se prorrogada, irá até novembro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.