Suspeita sobre Covaxin trinca discurso anticorrupção de Bolsonaro, e Planalto tenta se desvencilhar de crise

Governo federal alega que não fez pagamento, além de desqualificar irmãos Miranda, que depõem na CPI da Covid nesta sexta (25)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília, Salvador e Jucurutu (RN)

A suspeita de irregularidade na negociação para a compra da vacina Covaxin trincou o discurso anticorrupção que o presidente Jair Bolsonaro ostenta apesar de investigações que têm seus filhos e ministros como alvo.

Além de tentar desqualificar os denunciantes, o Palácio do Planalto discute agora o cancelamento do contrato assinado com a Precisa Medicamentos em fevereiro para obter 20 milhões de doses da vacina indiana produzida pela Bharat Biotech.

Nesta quinta-feira (24), em evento no interior do Rio Grande do Norte, Bolsonaro adotou a estratégia de negar corrupção por não ter havido qualquer pagamento à fabricante da vacina, mas não explicou o que fez em março deste ano, depois de ser alertado sobre supostas irregularidades no contrato de compra da Covaxin.

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, que levantaram as suspeitas, serão ouvidos nesta sexta-feira (25) na CPI da Covid no Senado.

Como mostrou a coluna Painel, a Polícia Federal não encontrou registro de nenhum inquérito aberto sobre a compra da vacina, apesar das acusações repassadas pelos irmãos Miranda a Bolsonaro.

A existência de denúncias de irregularidades foi revelada pela Folha na sexta-feira passada (18), com a divulgação do depoimento sigiloso de Luís Ricardo Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, e irmão do deputado.

Ele disse ao Ministério Público Federal em Brasília que recebeu uma "pressão atípica" para agilizar a liberação da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.

No início, a apuração ocorria no curso de um inquérito civil público aberto pela Procuradoria da República no Distrito Federal. Depois, o caso foi desmembrado, diante dos indícios de crimes na contratação.

O governo emitiu uma nota de empenho –uma autorização para os gastos– no valor de R$ 1,61 bilhão, que corresponde ao total contratado para o fornecimento de 20 milhões de doses da Covaxin (a US$ 15 cada dose). O valor seria suficiente para a compra, por exemplo, de 28 milhões de doses da Pfizer ou da Janssen (ambas a US$ 10 a dose).

A nota foi emitida em 22 de fevereiro. O contrato foi assinado no dia 25. Quatro meses depois, o dinheiro segue reservado, e o país não recebeu uma única dose do imunizante.

Diante da crise, porém, o contrato deve ser inicialmente suspenso e, em seguida, cancelado.

​Uma das possibilidades é rescindir o acordo em razão do atraso na entrega das unidades contratadas e também da falta de previsão da chegada do imunizante ao Brasil.

Outra hipótese é que não haja assinatura do termo de compromisso exigido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) com condições para importação de parte das doses.

As alternativas são debatidas com a consultoria jurídica, departamento de integridade e área técnica do Ministério da Saúde.

Senadores governistas da CPI da Covid afirmaram que Bolsonaro pediu que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da vacina indiana assim que teve contato com os indícios.

Os senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Marcos Rogério (DEM-RO) participaram de uma reunião no Palácio do Planalto com Lorenzoni para tratar das denúncias apresentadas pelos irmãos Miranda.

"O presidente da República determinou, quando soube, entre diversos assuntos que esse deputado [Luís Miranda] foi tratar, o presidente falou com o ministro Pazuello para verificar. Como não tinha nada de errado, a coisa continuou", afirmou Jorginho Mello.

O senador disse ainda que o governo está reunindo documentação para provar que as denúncias são falsas.

"Todos os procedimentos serão encaminhados conforme ele [Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência] anunciou ontem [quarta-feira]: perícia, documentos que não são verdadeiros apresentados por esse deputado, pelo irmão dele que é servidor público, que deveria zelar pelo serviço público, informações, enfim. Então todas as perícias e encaminhamentos o próprio governo já encaminhou para todas as esferas de poder", afirmou.

Na quarta, em pronunciamento à imprensa, o ministro não falou sobre que medida Bolsonaro havia tomado após receber a denúncia. Questionado pela Folha, ignorou a pergunta.

A CPI desconfia de favorecimento para a Precisa Medicamentos, que intermediou o contrato de R$ 1,6 bilhão. A vacina Covaxin é a mais cara, com valor de R$ 80 por dose, além de que seu contrato foi fechado em apenas três meses, muito mais rápido que as negociações com a Pfizer e o Instituto Butantan.

O fato de o governo Bolsonaro ter reservado R$ 1,61 bilhão para uma vacina sem perspectiva de entrega, com quebras de cláusulas contratuais, já se configura um prejuízo à saúde pública, disse à Folha a procuradora da República Luciana Loureiro, responsável pelo inquérito civil público que investigou o contrato entre Ministério da Saúde e Precisa Medicamentos.

Desde o agravamento da crise, auxiliares de Bolsonaro se empenham em apurar o passado do deputado e do servidor para desqualificá-los.

Ao fazer a defesa do chefe na quarta-feira, Onyx anunciou que Bolsonaro mandou a Polícia Federal investigar os denunciantes.

O ministro afirmou que o governo pedirá também um processo disciplinar contra o servidor, além de apurações sobre denunciação caluniosa, fraude processual e prevaricação.

A Secom (Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República) divulgou uma sequência de tuítes elogiosos ao governo e com acusações aos denunciantes.

"Ao contrário do alardeado, não houve superfaturamento nem favorecimento", diz uma das mensagens publicadas nas redes sociais.

"Toda a narrativa divulgada pelo deputado, acolhida e propagada exaustivamente pela imprensa tem como base um documento com ERROS, e que apresenta fortes indícios de ADULTERAÇÃO (será periciado)", afirma outra mensagem da assessoria de comunicação da Presidência.

A sequência de tuítes continua afirmando que "por algum motivo escuso, aparentemente, um servidor ou adulterou documento ou identificou um erro que logo foi corrigido e, mesmo assim, utilizou o documento errado para criar uma narrativa mentirosa contra o presidente da República e o governo federal".

Assessores de Bolsonaro também têm procurado minimizar o impacto da denúncia na imagem anticorrupção que Bolsonaro tenta manter, apesar de a crise da Covaxin ter dividido os holofotes com o pedido de demissão de Ricardo Salles, então ministro do Meio Ambiente.

Salles é alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por operação da Polícia Federal que mira suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras por meio da modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior.

Filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas entre 2007 e 2018.

O vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), o 02, é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob a suspeita de ter empregado funcionários fantasmas em seu gabinete durante seu primeiro mandato (iniciado em 2001) na Câmara Municipal da capital fluminense.

Também foi interrogado pela Polícia Federal no inquérito dos atos antidemocráticos, do STF (Supremo Tribunal Federal), do qual são alvos assessores do Palácio do Planalto ligados ao vereador

O 03, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é alvo de uma apuração preliminar da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre pagamentos em dinheiro vivo na aquisição de dois imóveis na zona sul do Rio de Janeiro entre 2011 e 2016.

Já o 04, o empresário Jair Renan, é investigado pela Polícia Federal por suposto tráfico de influência de Renan por meio de sua empresa Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, aberta em novembro.

O que aconteceu após a revelação do caso pela Folha

Reportagem aponta pressão atípica (18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina indiana Covaxin

'É bem mais grave' (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha que o caso é "bem mais grave" do que a pressão para fechar o contrato

Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele"

CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho

Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão

Bolsonaro manda PF investigar servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14 investigados pela CPI

Empresa diz que preço para Brasil segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países

Governistas dizem que Bolsonaro repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios

'Acusação é arma que sobra' (24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio Grande do Norte

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.