Entenda em cinco pontos as suspeitas na compra de vacinas que pressionam Bolsonaro

Polícia Federal abriu inquérito para investigar se Bolsonaro prevaricou em caso de suspeitas da Covaxin

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São Paulo e Brasília

As suspeitas em torno de negociações para a compra de vacinas contra a Covid-19 colocaram o governo Jair Bolsonaro sob pressão nas últimas semanas.

No início deste mês, o presidente da CPI da Covid, o senador Omar Aziz (PSD-AM), determinou a prisão do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, exonerado do cargo na semana anterior após denúncia de pedido de propina revelada pela Folha.

O vendedor de uma empresa americana denunciou um pedido de propina de Dias de US$ 1 por dose em relação a negócio que envolveria a vacina da AstraZeneca.

Um contrato de R$ 1,6 bilhão assinado pelo Ministério da Saúde para comprar doses da vacina Covaxin, por meio da Precisa Medicamentos, também passou a ser investigado pela CPI. Integrantes da comissão querem ainda apurar uma negociação envolvendo a vacina chinesa Convidecia e o Ministério da Saúde.

Já nesta segunda-feira (12), a Polícia Federal instaurou inquérito para investigar suspeita de prevaricação de Jair Bolsonaro na negociação do governo para a compra da vacina Covaxin.

A apuração tem origem nas afirmações do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que diz ter avisado o presidente sobre irregularidades nas tratativas e as pressões que seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, teria sofrido.

1) Quais os três casos de suspeitas de corrupção e irregularidades em compras de vacinas?

  • Covaxin

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da vacina indiana Covaxin, quando a Folha revelou em 18 de junho o teor do depoimento sigiloso do servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da Covaxin.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI. A comissão suspeita do contrato para a aquisição do imunizante por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que a vacina ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e por prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

Meses antes, o ministério já tinha negado propostas de vacinas mais baratas do que a Covaxin e já aprovadas em outros países, como a Pfizer (que custava US$ 10).

A crise chegou ao Palácio do Planalto após o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidor da Saúde, relatar que o presidente havia sido alertado por eles em março sobre as irregularidades.

Bolsonaro teria respondido, segundo o parlamentar, que iria acionar a Polícia Federal para que abrisse uma investigação. A CPI, no entanto, averiguou e constatou que não houve solicitações nesse sentido para a PF. O Ministério da Saúde suspendeu o contrato.

  • Propina de US$ 1

O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.

O policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de Logística da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar em um restaurante de Brasília em dia 25 de fevereiro.

Na CPI, Dominghetti repetiu as acusações e disse que esteve no ministério três vezes para tratar da proposta da venda. A Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,50 por cada (depois disso passou a US$ 15,50).

Ele ressaltou aos senadores que se surpreendeu ao saber que o então secretário-executivo Elcio Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, não sabia de uma oferta grande como aquela, envolvendo 400 milhões de doses.

Nesta quarta-feira (7), Dias confirmou à CPI o jantar no dia 25 de fevereiro com Dominghetti, mas negou ter cobrado propina de US$ 1 por dose para negociar vacinas ao governo federal.

O diretor exonerado logo após a denúncia de propina disse aos senadores que não tratava da compra dos imunizantes, apesar de reconhecer que conversou por mensagens de celular e por email com representantes da Davati Medical Supply.

O ex-diretor afirmou à CPI que se encontrou por acaso com o policial no restaurante Vasto, em um shopping na região central de Brasília (DF). “Não era um jantar com fornecedor, era um jantar com um amigo”, disse.

Dias ainda jogou sobre a Secretaria-Executiva da Saúde, área dominada por militares durante a gestão de Eduardo Pazuello, responsabilidades por definir preços, volumes e as empresas contratadas nas negociações por vacinas.

  • CanSino

A terceira suspeita, que também está no alvo da CPI, envolve a negociação da vacina Convidecia, do laboratório chinês CanSino, com o Ministério da Saúde, que foi intermediada por uma empresa de Maringá (PR). A carta de intenção de compra assinada pelo ministério em junho apontava um custo de US$ 17 por dose.

No dia 28 de junho, a Folha revelou que o advogado do deputado Ricardo Barros (PP-PR) atuou como representante legal da Convidecia no Brasil. Líder do governo na Câmara, Barros é citado nos outros dois casos de suspeitas.

2) Quais os próximos passos da CPI e as perguntas sem resposta?

Na próxima semana, a agenda da CPI vai contemplar um pouco de cada flanco de investigação da comissão. A sessão de quarta (7), por exemplo, será destinada a ouvir Ferreira Dias, que pediu propina de US$ 1 por dose, segundo denúncia de Dominghetti, vendedor de vacinas.

A CPI também deve votar na próxima semana as acareações envolvendo os participantes do jantar no qual teria sido feito o pedido de propina.

A comissão também pretende ter relatórios prontos a respeito das quebras de sigilo, para tentar apurar ligações entre membros do governo, a família Bolsonaro e representantes da Precisa Medicamentos.

  • Algumas perguntas sem respostas
  • Bolsonaro tomou alguma iniciativa ao saber das suspeitas na Covaxin?
  • Se tomou, por que só agora pediu a abertura de inquérito à Polícia Federal?
  • Bolsonaro sabia das suspeitas sobre o diretor da Saúde e o manteve por pressão do centrão?
  • O Ministério da Saúde tratava com intermediadores de vacina para facilitar a propina?
  • O Ministério da Saúde recusou diferentes vacinas para buscar acordos por corrupção?
  • Por que na CPI Dominghetti tentou envolver o deputado Miranda na compra de vacinas?

3) O que Bolsonaro já disse sobre os casos?

Desde a revelação de que Bolsonaro foi informado sobre as suspeitas em torno da Covaxin, o governo mudou sua versão mais de uma vez.

A última versão é que Bolsonaro teria comunicado as suspeitas ao então ministro Pazuello e que ele teria repassado ao então secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco, que não teria encontrado irregularidades.

A estratégia do Palácio do Planalto de apresentar esse novo nome é fortalecer a tese de que o chefe do Executivo não ignorou as denúncias sobre a Covaxin e pediu que o Ministério da Saúde esclarecesse as supostas irregularidades na negociação.

Até agora, porém, Bolsonaro nada disse sobre a reunião com os irmãos Miranda na qual teria sido alertado sobre o caso.

Já ao comentar o depoimento de Dominguetti à CPI, Bolsonaro atacou os oposicionistas que compõem a comissão e disse, em tom irônico, que o então representante da empresa Davati relatou uma "propininha de R$ 2 bilhões".

Mas Bolsonaro nada disse sobre a demissão de Dias do Ministério da Saúde e as suspeitas de pedido de propina em torno dele.

Esse diretor exonerado, aliás, foi motivo de embate entre Bolsonaro e Pazuello em outubro de 2020. À época, Pazuello pediu a demissão de Dias da diretoria de logística do ministério, mas, por pressão política, o presidente barrou a exoneração.

4) Quais são os recentes efeitos das revelações?

  • Covaxin

Praticamente três meses depois da data em que os irmãos Miranda teriam alertado o presidente sobre possíveis irregularidades, o Ministério da Saúde decidiu suspender o contrato com a Precisa para obter 20 milhões de doses da Covaxin.

No dia 30 de junho, a PF instaurou inquérito para investigar a compra da vacina. No mesmo dia, também o Ministério Público Federal abriu procedimento investigatório criminal para apurar as suspeitas de crime no contrato.

Já nesta sexta-feira (2), após pressão da ministra Rosa Weber, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) a abertura de inquérito para apurar o suposto crime de Bolsonaro por prevaricação no caso da Covaxin.

Com a abertura do inquérito, autorizada por Rosa nesta sexta, Bolsonaro passa a ser investigado oficialmente perante a corte. Geralmente, nesse tipo de procedimento, a Polícia Federal e a PGR têm de pedir autorização do STF para realizar medidas investigativas.

Depois de finalizar a investigação, a PF produz um relatório, e a Procuradoria decide se denuncia os envolvidos ou se pede o arquivamento do inquérito.

Quando é caso de denúncia, a Câmara precisa autorizar, com o voto de dois terços dos deputados, o STF a julgar a acusação. Se a Casa der o aval, o Supremo precisa definir se aceita a denúncia e torna o investigado réu. Caso siga essa linha, é aberta uma ação penal que, ao final, pode resultar ou não em condenação.

  • Propina de US$ 1

Na mesma noite em que a denúncia de propina foi revelada pela Folha, o Ministério da Saúde comunicou a exoneração de Roberto Ferreira Dias da Direção de Logística da pasta, que foi publicada no Diário Oficial de 30 de junho.

As revelações também provocaram as convocações pela CPI de Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da empresa Davati Medical Supply, que já depôs e confirmou as denúncias.

Também devem depor Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da Davati no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério, e do coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, que foi assessor na diretoria de logística da Saúde na gestão de Dias e também participou do jantar no qual a propina teria sido solicitada.

5) Como os casos afetam o discurso de Bolsonaro

A série de revelações expôs uma série de contradições no discurso bolsonarista sobre vacinas e combate à corrupção.

Combate à corrupção: Apesar do discurso contra a corrupção, que rendeu a Bolsonaro o voto, em 2018, de apoiadores da Lava Jato e atraiu para seu governo o ex-juiz Sergio Moro, não há indícios de que o presidente tenha acionado órgãos de controle diante das suspeitas na compra da Covaxin que o deputado Luis Miranda (DEM-DF) diz ter levado ao mandatário, em março.

Não sabia de nada: Depois de uma série de declarações em que reforça sua autoridade e diz fazer o que quer no governo, Bolsonaro agora afirma não ter conhecimento e controle sobre seus ministérios.

Toma lá, dá cá: Os casos levantaram suspeitas a respeito do controle do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, sobre o Ministério da Saúde. Por meio de Barros, integrante do centrão, o fisiologismo e a troca de favores, que Bolsonaro dizia combater, foram parar no centro do escândalo da compra de vacinas. Governar sem “toma lá, dá cá” e sem a “velha política” era uma promessa de campanha de Bolsonaro, como ele afirmou em 2017.

Controle de qualidade: Em seus discursos que alimentavam suspeitas em relação às vacinas contra a Covid e defendiam o tratamento ineficaz com cloroquina, Bolsonaro usou como argumento a falta do aval da Anvisa para desacreditar os imunizantes. O Ministério da Saúde, porém, anunciou a compra da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech, em fevereiro e, no mês seguinte, a Anvisa não deu aval à importação da vacina indiana.

Preço das vacinas: Em novembro de 2020, em meio a embate com o governador paulista, João Doria (PSDB), sobre a compra da Coronavac, Bolsonaro afirmou que iria adquirir as vacinas, mas não no preço “que um caboclo aí quer”. A dose da Coronavac custa US$ 10,80, enquanto a da Covaxin custa US$ 15. A Precisa Medicamentos afirmou que o preço oferecido ao governo brasileiro segue tabela mundial e é o mesmo praticado com outros 13 países.

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