Líder do centrão, Ciro Nogueira pede a Bolsonaro autonomia na Casa Civil para lidar com Senado, foco de tensão

Novo ministro terá missão de melhorar articulação política no palco da CPI da Covid e pavimentar alianças para reeleição do presidente em 2022

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Brasília

​O presidente do PP e líder do centrão, senador Ciro Nogueira (PI), pediu ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) autonomia nas articulações políticas com o Congresso, em especial o Senado, como condição para chefiar a poderosa pasta da Casa Civil.

Na manhã desta terça-feira (27), o senador se reuniu com Bolsonaro no Palácio do Planalto por cerca de duas horas. Em seguida, anunciou ter aceitado o convite. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União desta quarta (28).

Segundo aliados de Ciro Nogueira e do mandatário, Bolsonaro concordou com a demanda e afirmou que o novo ministro terá liberdade para trabalhar.

O presidente Jair Bolsonaro com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) em evento nesta terça-feira (27); Ciro será o novo ministro da Casa Civil, pasta mais importante do Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro com o senador Ciro Nogueira (PP-PI) em evento nesta terça-feira (27); Ciro será o novo ministro da Casa Civil, pasta mais importante do Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters

Uma das preocupações era que o presidente buscasse controlar Ciro e não lhe desse independência à frente da pasta. O temor se justifica porque o presidente já desmentiu ou divergiu de ministros publicamente mais de uma vez.

No ano passado, depois de o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmar que o governo havia assinado carta de intenção de compra da vacina Coronavac, o presidente o desautorizou e recuou no acordo com o Instituto Butantan, ligado ao governo do rival João Doria (PSDB) em São Paulo.

Além disso, o ex-chefe da Justiça Sergio Moro reclamava de falta de autonomia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já teve negociações com congressistas por aprovação de projetos barradas por ordem do presidente.

Daí a preocupação de Ciro de poder assumir compromissos pela liberação de emendas, cargos e articulações no Congresso que garantam a aprovação de projetos de interesse do Executivo sem ser desautorizado posteriormente.

O ministro assumirá a Casa Civil com a principal função de melhorar a articulação com o Legislativo, em particular com o Senado. A Casa se tornou um problema para o governo e é onde há uma série de projetos parados.

É no Senado que está a CPI da Covid, que tem provocado abalos na popularidade de Bolsonaro ao levantar suspeitas de corrupção e irregularidades em contratos para a compra de vacinas.

Como mostrou a Folha, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), tem privilegiado colocar em votação projetos de autoria de colegas e propostas polêmicas, que já passaram pela Câmara, estão paradas.

Tramitam em regime lento, sob duro escrutínio, projetos como o do licenciamento ambiental, que afrouxa a lei de improbidade administrativa, e o da educação como serviço essencial, proibindo paralisação em pandemia.

Ciro Nogueira entra com a missão de desbloquear pautas. Ainda nesta terça, o futuro ministro disparou ligação a dirigentes e líderes partidários para pedir apoio e afirmar que precisará de suporte.

Além disso, o futuro ministro terá outro objetivo, não menos importante: tentar ampliar o arco de alianças para a reeleição de Bolsonaro em 2022. Para isso, o líder do PP quer focar na reformulação do Bolsa Família e em projetos que impulsionem a economia e possam alavancar a popularidade do presidente.

A aproximação do chefe do Executivo com o centrão ocorre em um momento de extrema fragilidade, quando Bolsonaro se vê ameaçado por mais de cem pedidos de impeachment na Câmara e pelo avanço da CPI no Senado.

Hoje, pesquisas indicam aumento na reprovação do governo e favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o pleito do próximo ano.

Por aceitar chefiar o ministério, o senador deverá abrir mão do plano de disputar o Governo do Piauí. Além disso, ele irá se licenciar da presidência do PP, e o deputado André Fufuca (MA) assumirá interinamente a legenda.

O movimento de Bolsonaro de convidar Ciro para o Planalto consolida a influência do centrão na cúpula do governo, após muitas críticas. O senador comanda um exército de congressistas que dá base de sustentação ao governo. No PP, são 7 senadores e 41 deputados federais.

Comandado na Câmara pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o centrão reúne siglas de grande, médio e pequeno porte, como PP, PL, PTB e Republicanos, que hoje somam cerca de 150 deputados.

O anúncio sobre o aceite de Ciro foi feito pelo próprio congressista em uma rede social.

"Acabo de aceitar o honroso convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente Jair Bolsonaro", escreveu Ciro. "Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de que nosso país necessita."​

Além da articulação política, a Casa Civil funciona como uma espécie de coordenadora da Esplanada. E a chegada de Ciro ao Planalto não deve ser a única mudança no primeiro escalão.​

Luiz Eduardo Ramos deixará a Casa Civil e vai para a Secretaria-Geral da Presidência, ocupada hoje por Onyx Lorenzoni, que, por sua vez será o titular do Ministério do Emprego e Previdência, a ser recriado com o desmembramento do Ministério da Economia.

Após o encontro no Planalto, Ciro compartilhou uma foto em que, além de Bolsonaro, também aparecem Lira, e os ministros Ramos, Fábio Faria (Comunicações) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo).

Ramos confirmou a transferência para a Secretaria-Geral. "Seja bem-vindo Ciro Nogueira ao time Jair Bolsonaro. Desejo muito sucesso na Casa Civil", escreveu em rede social. "Tenham certeza de que mais uma vez darei o meu melhor em defesa do Brasil."

Em evento no Planalto, Bolsonaro não citou o nome de Ciro Nogueira, mas disse que o governo teve de se moldar.

"Compusemos um time de ministros nunca visto em outros governos. Abandonamos um pouco a questão política, mas vimos que era necessário cada vez mais buscarmos o apoio e o entendimento do Parlamento brasileiro. Fomos nos moldando", afirmou o presidente.

Em seguida, em entrevista à Rede Nordeste de Rádio, o presidente disse que a turbina do avião que traria Ciro ao Brasil, antes de assumir o ministério —o senador estava de férias no México—, explodiu em voo. Para Bolsonaro, isso foi um "sinal de Deus". A assessoria de Ciro havia dito apenas que a aeronave teve problemas no domingo (25), o que adiou a reunião com Bolsonaro na segunda (26) para selar a ida ao ministério.

Bolsonaro ainda disse à rádio que a chefia da Casa Civil é a "alma do governo". "E realmente nossa interlocução aumentando com o Parlamento brasileiro de forma salutar. Não de forma comprada, como aconteceu no passado", afirmou.

O presidente minimizou o passado de apoio de Ciro Nogueira a Lula. "No Nordeste era quase impossível fazer campanha sem o PT, reconheço isso. As pessoas mudam. O Ciro está feliz, disse que o sonho da vida dele era ocupar um ministério como este."

Ciro Nogueira é um exemplo de político acostumado a figurar ao lado do poder, seja ele ocupado pela direita seja pela esquerda. Assim como apoiou e elogiou Lula, já chamou Bolsonaro de fascista.

O senador responde a inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal). São, por exemplo, suspeitas de recebimento de propina e tentativa de atrapalhar a Operação Lava Jato.

O advogado de Ciro, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirma que ele foi colocado em foco de investigações quando havia uma "tendência de criminalização da política".

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