Descrição de chapéu Folhajus STF

Moraes dribla PGR, arquiva inquérito dos atos antidemocráticos e abre nova investigação no STF sobre ataques à democracia

Ministro mantém apuração contra bolsonaristas, apesar de pedido de encerramento da Procuradoria

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Brasília

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e determinou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos e a abertura de outra investigação para apurar a existência de uma organização criminosa digital voltada a atacar as instituições a fim de abalar a democracia, driblando pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).

O magistrado faz referência ao deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) 12 vezes na decisão publicada nesta quinta-feira (1°) e afirma que é necessário aprofundar as investigações para verificar se aliados do presidente Jair Bolsonaro usaram estrutura pública do Palácio do Planalto, da Câmara e do Senado para propagar ataques às instituições nas redes sociais.

No dia 4 de junho, a PGR havia pedido o encerramento da apuração sobre os atos antidemocráticos no Supremo sob o argumento de que os investigadores não encontraram provas contra autoridades com foro especial. Além disso, solicitou o prosseguimento da investigação de seis casos em primeira instância.

Moraes mencionou também o chefe do Executivo e outros dois filhos dele, o senador Flávio (Patriota-RJ) e o vereador Carlos (Republicanos-RJ), ao abordar a análise que a Polícia Federal fez sobre contas inautênticas derrubadas pelo Facebook.

Agora, Moraes atendeu o pedido de arquivamento, mas determinou a instauração de outro inquérito que terá duração inicial de 90 dias.

Na contramão do que havia pedido a PGR, Moraes afirmou que os eventos identificados pela Polícia Federal que deveriam ter a investigação aprofundada têm de ficar no STF em vez de serem remetidos à primeira instância.

“Nessas hipóteses, conforme entendimento pacífico dessa Corte Suprema, compete ao próprio STF definir os termos de eventual desmembramento da investigação e a eventual remessa às demais instâncias judiciais”, afirmou.

Com a decisão, Moraes encontrou uma forma de manter a investigação contra expoentes do movimento bolsonarista que costumam atacar as instituições, apesar de a PGR, que é a responsável pelas apurações, ter solicitado o encerramento do caso perante o Supremo.

O ministro seguiu o pedido da Procuradoria para arquivar a parte do inquérito relativa a parlamentares ligados ao governo, mas, ao determinar o prosseguimento da investigação no STF sobre pessoas com foro especial, citou a relação desses atores com autoridades próximas de Bolsonaro.

O pedido de arquivamento feito pela PGR ocorreu no início de junho, a menos de dois meses da abertura de uma vaga no STF, da qual o chefe da Procuradoria, Augusto Aras, está em campanha para ser indicado.

Desde que assumiu o cargo atual, Aras tem feito diversos gestos em direção a Bolsonaro. A solicitação para encerrar o inquérito dos atos antidemocráticos, que tem aliados do presidente na mira, foi interpretado dentro da PGR como mais um sinal nesse sentido.

Moraes, porém, barrou a tentativa da Procuradoria. A jurisprudência do Supremo afirma que a corte deve seguir pedidos de arquivamento feitos pelos investigadores.

O ministro, porém, afirmou que pode determinar a continuidade da investigação no STF porque seria do tribunal a responsabilidade por analisar pedidos de remessa de investigações a instâncias inferiores.

O ministro disse que os elementos levantados pela PF apontam para a “existência de uma verdadeira organização criminosa” que é “absolutamente semelhante” àquela identificada no inquérito das fake news, que mira parlamentares, blogueiros e empresários aliados de Bolsonaro.

Por isso, Moraes determinou o compartilhamento das provas coletadas no inquérito dos atos antidemocráticos com as apurações voltadas à rede de fake news.

Segundo o magistrado, o objetivo do novo inquérito é apurar "a presença de fortes indícios e significativas provas apontando a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político absolutamente semelhante àqueles identificados no inquérito 4.781 [das fake news], com a nítida finalidade de atentar contra a democracia e o Estado de Direito".

Na decisão, Moraes citou as hipóteses criminais levantadas no curso do inquérito dos atos antidemocráticos. Uma delas diz respeito a um possível movimento online para “promover a difusão de ideias com potencial de causar instabilidade na ordem política e social”.

Essa hipótese da PF se baseia em relatório da Atlantic Council, empresa que monitora a atuação de grupos que disseminam fake news nas redes sociais e que produziu um levantamento para o Facebook.

A partir desse relatório, a PF buscou mais elementos e afirmou que as pessoas mencionadas pela Atlantic e outras "ainda não identificadas se uniram em unidade de desígnios com o objetivo de obter vantagens político-partidárias por meio da produção e da difusão de propaganda de processos ilegais”.

Segundo a corporação, foram identificadas pessoas que acessavam as páginas que disseminavam fake news de dentro de órgãos do governo federal.

A polícia afirma que “o cenário apresentado é provisório”, mas frisou que a empresa vinculada ao Facebook citou o presidente Bolsonaro e seus três filhos políticos (Flávio, Eduardo e Carlos), além de pessoas próximas a eles como o assessor especial da Presidência Tércio Arnaud.

O nome do chefe do Executivo aparece outras três vezes na decisão de Moraes. Em duas delas, Bolsonaro é mencionado devido ao fato de a PF ter afirmado ser necessário apurar indícios de que o empresário Otávio Fakhoury mandou imprimir panfletos eleitorais em 2018 que não foram declarados à Justiça.

Fakhoury disse à Folha que as notas fiscais "referem-se a pagamento de despesas de amigos que fazem parte de movimentos sociais".

"Por não se tratarem de doação à campanha do candidato, não comuniquei a ele, à coordenação da campanha ou a pessoas próximas a ele sobre esses pagamentos", disse o apoiador do presidente.

Bolsonaro é citado também porque Arnaud afirmou que o administrador de uma das páginas responsáveis por disseminar fake news o procurou na tentativa de falar com o presidente.

O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril de 2020 para investigar bolsonaristas envolvidos com as manifestações que defendiam o fechamento do STF e do Congresso, além da volta da ditadura militar.

O pedido de abertura da investigação foi feito pela PGR um dia depois de Bolsonaro participar de uma manifestação em frente ao QG do Exército em Brasília.

Em oito meses de apuração, a partir de buscas e quebra de sigilos bancário e telemático, a PF coletou informações sobre influentes nomes do bolsonarismo, como o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, o blogueiro Allan dos Santos e Fakhoury.

A PF defendeu o aprofundamento das investigações em dezembro. A PGR, por sua vez, levou cinco meses para se pronunciar e seguiu linha contrária à da polícia. O órgão pediu ao Supremo o arquivamento do caso perante o tribunal. A manifestação ocorreu às vésperas da abertura de uma vaga no STF, para a qual o procurador-geral da República, Augusto Aras, quer ser indicado.

Moraes determinou que as investigações no inquérito a ser instaurado deverão ser presididas pela equipe chefiada pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro, encarregada do inquérito dos atos antidemocráticos, em virtude da conexão probatória existente com a apuração das fake news.

Na decisão publicada nesta quinta, Moraes cita que, entre outros pontos, a PF apurou a atuação de Allan dos Santos, do canal bolsonarista Terça Livre, “como ponto de referência para a construção do discurso” pelo fechamento das instituições e pelo fim da democracia.

O ministro disse que Allan detém “uma efetiva estrutura empresarial extremamente lucrativa, a partir da monetização de conteúdo divulgado pela rede mundial de computadores”.

Moraes ainda mencionou a “atuação satélite de seus sócios aparentes e ocultos, além de agentes políticos e servidores aderentes às suas ações”.

O ministro aponta também a criação de dois grupos de WhatsApp como prova que o youtuber “coordenou diversas pessoas com aparente potencial para a propagação de suas ideias contra a Constituição Federal, a democracia e ao Estado de Direito”.

Arnaud confirmou à PF que foi incluído nos grupos por Allan. Já o deputado Eduardo Bolsonaro afirmou à PF que não se recorda de ter sido incluído no grupo, mas confirmou que participou de reuniões na residência do blogueiro, assim como a deputada Bia Kicis (PSL-DF).

O filho do chefe do Executivo é mencionado 12 vezes na decisão.

Moraes cita conversas no aplicativo entre o parlamentar e o youtuber em que articulam uma campanha contra o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ).

“Tais elementos indicam motivação política em atacar determinado deputado federal, presidente da Câmara dos Deputados, com a construção artificial de compartilhamentos, instigados pela transmissão no canal Terça Livre”, disse Moraes.

Segundo o ministro, a “atuação ativa” de Allan “em conjunto com uma série de parlamentares, atores do universo das redes sociais e outros defensores do rompimento institucional” constitui um dos objetos necessários de futura investigação.

Moraes afirma que o youtuber “tentou influenciar e provocar um rompimento institucional” em protestos públicos em abril e maio do ano passado e que fez isso “a partir da posição privilegiada junto ao presidente da República e ao seu grupo político, especialmente os deputados federais Bia Kicis, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Carolina de Toni (PSL-SC) e Eduardo Bolsonaro".

O ministro cita, ainda, a influência que Allan tinha na Secretaria de Comunicação do governo federal e um pedido que teria feito a Eduardo para que Julia Zanatta, que concorreu à Prefeitura de Criciúma (SC) pelo PL, assumisse a Secretaria de Radiodifusão da pasta.

O objetivo da nomeação, de acordo com Moraes, possivelmente seria para “facilitar o atendimento de interesses exclusivos do grupo”.

O ministro ainda citou a atuação de diversas páginas nas redes sociais de apoio a Bolsonaro que propagam notícias fraudulentas e disse que parte delas era administrada por assessores do governo e também de Eduardo.

Segundo Moraes, o uso de estrutura pública para administrar páginas que divulgam ataques às instituições “pode significar a adoção de prática de forma coordenada por ordem dos políticos que mantêm tais pessoas como seus assessores, gerando, inclusive, a necessidade de apuração de eventual uso de dinheiro público para a prática de atividades ilícitas”.

Na sequência, ele afirma que o perfil Bolsonaronews, de responsabilidade de Arnaud, foi acessado mais de 50 vezes do Palácio do Planalto entre novembro de 2018 e maio de 2019.

O mesmo teria ocorrido em relação a Eduardo Guimarães, assessor de Eduardo que teria acessado a página Bolsofeios mais de 50 vezes na rede da Câmara.

“Ou seja, há sérios indícios de uso da rede de computadores interna do Palácio do Planalto, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por meio de assessores de parlamentares reconhecidamente ligados ao objeto de investigação nestes autos, para divulgar ataques às instituições democráticas”, conclui Moraes.

Assim, diz o ministro do STF, a continuidade da apuração é necessária para verificar “se, de fato, houve uso de meios públicos para tal mister, o que agrava a imputação da conduta de quem pretende, por meios ilícitos, atacar as instituições democráticas do Brasil”.

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