Presidenciáveis da 3ª via mantêm pé no freio sobre impeachment de Bolsonaro, mesmo com apoio do eleitor

Políticos e partidos adotam cautela sobre deposição, defendida pela maioria da população, segundo pesquisa do Datafolha

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São Paulo

Apesar de o impeachment de Jair Bolsonaro ser, segundo pesquisa Datafolha, defendido pela maioria da população e pela maioria dos eleitores da terceira via, partidos à direita que compõem o chamado centro político evitam advogar abertamente pela remoção do presidente.

É o caso de PSDB, DEM, PSD, MDB e PSL —que muitas vezes adotam posicionamento de oposição e fazem duras críticas a Bolsonaro, mas se mantêm na defensiva quando o tema é declarar apoio à destituição neste momento.

Luiz Henrique Mandetta (DEM), João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB) não demonstram empenho em favor do impeachment, mas tampouco o descartam. As opiniões envolvem cálculo eleitoral, amarras institucionais, falta de provas e bancadas parcialmente governistas, segundo políticos ouvidos pela Folha.

A maior parte dos eleitores dos três presidenciáveis, porém, defende a deposição, de acordo com a pesquisa divulgada na semana passada.

Entre os que declaram intenção de voto em Mandetta, a proporção é de 62% favoráveis e 34% contrários. Apoiadores de Doria são 59% pelo impeachment e 35% contra, enquanto os de Leite se dividem entre 57% e 40%.

No caso de Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), presidenciáveis que aderiram ao "fora, Bolsonaro", o percentual de eleitores favoráveis à retirada do presidente alcança patamares maiores. Chega a 82% contra 15% entre quem votaria no petista, e 67% a 28% entre os apoiadores do pedetista.

Na população como um todo, 54% querem o impeachment e 42% consideram que Bolsonaro deve terminar o mandato.

Até agora, a bandeira do impeachment vem sendo levantada por partidos de esquerda, como PT, PSOL, PDT, PSB e PC do B. Houve adesões à direita de parlamentares de PSL, PSDB e DEM, além dos partidos Novo e Cidadania.

Caciques de partidos de centro têm evitado se posicionar com base na avaliação de que o impeachment hoje é inviável —não conta com maioria na Câmara e não há disposição do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), em pautá-lo.

Para esses líderes, é preciso haver pressão das ruas para que a conjuntura se altere. Na esquerda, o caminho adotado é o inverso: a adesão dos partidos mobiliza a militância e pressiona os parlamentares.

De qualquer forma, com a sequência de protestos pelo impeachment pelo país e a marca inédita de uma maioria populacional favorável, partidos e presidenciáveis entusiastas da terceira via se veem forçados a escolher um dos lados.

Enquanto o caminho da oposição a Bolsonaro já foi trilhado em algumas ocasiões por PSDB, MDB e PSD, sobretudo em resposta a arroubos autoritários do presidente, há resistência em dar um passo a mais e endossar o impeachment —embora líderes já admitam que isso possa ser inevitável mais adiante.

Além da avaliação de que o impeachment está travado por Lira, há o fato de que parte dos deputados dessas siglas, incluindo também DEM e PSL, forma a base do governo e conta com repasses de Bolsonaro para beneficiar suas bases eleitorais e pavimentar o caminho da reeleição ao Parlamento.

Existe ainda a visão de que falta surgir uma prova cabal que incrimine Bolsonaro e torne a abertura de processo incontornável. Tal cenário dependeria, sobretudo, do avanço da CPI da Covid no Senado. Além disso, o risco de o titular do Planalto se safar —e, com isso, sair fortalecido— é considerado.

Outra razão mais complexa para a cautela em relação ao impeachment é o cálculo eleitoral. Por um lado, eleitores da terceira via querem Bolsonaro fora, e sua ausência do pleito abre espaço para que o centro dispute o segundo turno contra Lula —que marcou 46% no Datafolha, ante 25% do presidente.

Articuladores envolvidos na fabricação da terceira via calculam que isso acontecerá de qualquer forma, com Bolsonaro derrotado no primeiro turno, mas até agora os nomes testados não o superam —Ciro, o mais bem posicionado, alcançou 8% no Datafolha.

Por outro lado, para esses presidenciáveis "nem Lula nem Bolsonaro", a defesa do impeachment pode custar o voto de bolsonaristas em um eventual embate com o petista no segundo turno.

No caso de Doria e Leite, há mais um agravante apontado por tucanos: o fato de serem governadores. A não defesa do impeachment por ambos, porém, contrasta com as críticas que eles disparam diariamente a Bolsonaro.

A Folha questionou por que os dois governadores não defendem o impeachment. Em notas à reportagem, Leite e Doria foram evasivos.

"Tenho um papel institucional como governador que requer cautela em relação a esse tipo de assunto. Governo tanto para os gaúchos que são favoráveis quanto para os contrários", respondeu Leite.

"O ideal é tirar Bolsonaro pelo voto popular. Mas, se houver maior deterioração do apoio popular, ao lado do material probatório de sua responsabilidade —que já vai se constituindo—, o impedimento pode vir a ser inevitável", completa.

O gaúcho diz que, se as denúncias contra Bolsonaro "forem suficientes para justificar um pedido de impeachment", ele confia que "a Câmara dos Deputados cumprirá o seu papel" e conduzirá um processo que aprofunde investigações e espaço à defesa do presidente.

Doria afirmou que cabe ao Legislativo avaliar se há condições para o impeachment. "Existem mais de 125 pedidos de impeachment contra o presidente Bolsonaro registrados no Congresso. É o maior número de solicitações dessa natureza na história do país", disse.

"Mas essa decisão cabe ao Congresso e ao clamor das ruas, algo que ainda não houve em virtude da pandemia e necessidade do distanciamento social. Agora, com a ampliação da vacinação, a população voltará às ruas. E o clamor do povo deverá pautar o Congresso. Se Bolsonaro resistir, será derrotado nas urnas em outubro de 2022", completou.

Parte dos tucanos vê o impeachment como traumático e defende cautela, embora constate que as condições estão se formando. Há também quem veja inexplicável omissão e contradição do partido em relação ao tema, o que fustiga a imagem da sigla.

Em nota, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, afirmou que Bolsonaro ainda mantém "trunfos", como base ativa, recuperação econômica e acordos no Parlamento.

"Além disso, as eleições presidenciais já estão relativamente próximas. Tirar um presidente em pleno período eleitoral não seria um trauma enorme, com danos ao país que busca se recuperar da pandemia? Agora, por outro lado, Bolsonaro parece forçar os limites institucionais a todo momento, o que pode fazer ruir a base de apoio político que lhe resta. A essa questão estamos atentos.”

O diretório municipal de São Paulo, liderado por Fernando Alfredo, aderiu a manifestações pelo impeachment e apresentará um pedido à Câmara. Alfredo diz que o objetivo é marcar posição contra Bolsonaro e defender a vida e a democracia.

À Folha Mandetta afirmou que o quadro atual difere bastante do período que precedeu a queda de Dilma Rousseff (PT) e que não vê consolidados os elementos fundamentais para um processo cuja natureza, conforme lembrou, é essencialmente política.

A avaliação é semelhante à do presidente do DEM, ACM Neto, para quem pedidos não vão prosperar neste momento. Pessoalmente, porém, Mandetta se declara favorável.

"Do ponto de vista da pasta que comandei, a da Saúde, ele [Bolsonaro] acumula vários crimes, sem dúvida, em relação às vacinas e à responsabilidade com a vida", ponderou o ex-ministro. Ele afirma também concordar com a discussão de que o "timing" para o processo talvez tenha ficado para trás.

Virtualmente beneficiado com a saída de Bolsonaro do páreo, Ciro é um dos que há tempos pregam o impeachment. Ele também tem seu partido majoritariamente coeso na pauta.

A possibilidade de contribuir para a derrubada foi um dos motivos que levaram o pedetista a mudar o tom sobre as manifestações de rua e, depois de apontar ressalvas às aglomerações na pandemia, ter passado a incentivar a participação nos atos deste mês puxados por setores da esquerda.

Ciro e seus aliados sustentam a tese de que, pela via do impedimento ou do enfraquecimento político, Bolsonaro desidratará até 2022, abrindo caminho para um segundo turno do ex-ministro contra Lula.

O PT tem rebatido a narrativa de que seu apoio ao impeachment seja algo simbólico, apenas para desgastar o rival, e omita a intenção de "sangrar" o atual presidente até o pleito. Para detratores, interessa aos dois protagonistas manterem o antagonismo e inibirem o surgimento de alternativas.

Lula reforçou em público nos últimos dias sua posição favorável à destituição do adversário. O PT é um dos autores do superpedido de impeachment protocolado na Câmara e acionou o STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar obrigar Lira a ao menos analisar uma das solicitações que engavetou.

Presidente do PSL em São Paulo, o deputado federal Junior Bozzella diz respeitar os colegas de centro que não aderiram ao impeachment, mas vê a remoção de Bolsonaro como "mais do que necessária". O partido avalia lançar o apresentador José Luiz Datena (PSL) no bloco da terceira via.

"Quem não se posicionar vai ficar ruim perante a sociedade, porque a insatisfação vem crescendo, a impopularidade vem crescendo. O plano de poder e o projeto político não podem se sobrepor aos interesses da República no momento em que precisamos salvar vidas", afirma Bozzella.

Também parte do bloco de centro, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, quer lançar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) ao Planalto e já admite que a crise pode levar ao impeachment, embora não veja condições agora.

"Não se pode banalizar o impeachment, é preciso ter cuidado. A base governista é grande e não pode ser menosprezada também. Mas quando é inevitável, é inevitável", afirmou em entrevista à Folha. Já Pacheco, como presidente do Senado, evita dar opinião sobre impeachment.

O MDB, que tem sido crítico a Bolsonaro nas redes, tampouco definiu apoio à remoção do mandatário. O presidente do partido, Baleia Rossi (SP), afirmou que cabe a Lira deliberar. "Após esse passo, o MDB se reunirá, discutirá e deverá defender a vontade da maioria da população", afirmou.

Considerada opção do partido para o Planalto, a senadora Simone Tebet (MS) afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que a CPI levantou indícios fortes de crime de responsabilidade, mas que Bolsonaro tem maioria na Câmara.

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