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'Prevaricação se aplica a servidor público, não a mim', diz Bolsonaro sobre caso Covaxin

Declaração ocorre após PF instaurar inquérito para investigar suspeita de cometimento do crime pelo presidente

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta segunda-feira (12) que o crime de prevaricação "não se aplicaria" a ele, apenas a servidores públicos.

A declaração do mandatário ocorre depois de a Polícia Federal ter instaurado inquérito para investigar suspeita de prevaricação de Bolsonaro na negociação do governo para a compra da vacina indiana Covaxin.

A apuração tem origem nas afirmações do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que diz ter avisado o presidente sobre irregularidades nas tratativas e pressões que seu irmão, servidor do Ministério da Saúde, teria sofrido.

"Primeiro, eu entendo que a prevaricação se aplica a servidor público, não se aplicaria a mim. Mas qualquer denúncia de corrupção eu tomo providência", afirmou o presidente.

Na entrevista, Bolsonaro apresentou dificuldades na fala; ele tem se queixado de uma crise de soluços que, segundo ele, dura já mais de 10 dias.

"Até o do Luis Lima [Bolsonaro errou o nome de Miranda], mesmo conhecendo toda a vida pregressa dele, a vida atual dele, eu conversei com [ex-ministro da Saúde, Eduardo] Pazuello. Pazuello, tá uma denúncia aqui do deputado Luis Lima [Miranda] de que estaria algo errado acontecendo, dá para dar uma olhada? Ele viu e não tem nada de errado, já estamos tomando providência. Vamos corrigir o que está sendo feito", disse Bolsonaro.

A fala ocorreu após reunião do chefe do Executivo com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux.

Bolsonaro abordou as denúncias feitas por Miranda em outros trechos da entrevista coletiva.

​"Ele [Miranda] falou comigo na véspera do meu aniversário, 20 de março se não me engano foi lá. Deixou uns papéis lá, não entrei com profundidade se era invox [invoice] ou não era, os papéis que deixou lá eu passei pra frente isso daí. Quatro meses depois ele vem com essa denúncia? Se [o governo] tivesse comprado vacina, aí tudo bem, procede. Ó comprou, pagou, superfaturada etc", disse Bolsonaro.

"Ou seja, não é nem prevaricou. Presidente tá incurso em crime de responsabilidade, mais grave ainda. Tudo bem, mas por que ele trouxe esse negócio pra frente se nada foi comprado? Nada foi pra frente no tocante à Covaxin, nada compramos naquele momento", afirmou.

Ele foi questionado se teme que Miranda tenha gravado a conversa que eles tiveram em março. O deputado diz ter apresentado a Bolsonaro na ocasião os indícios de irregularidade nas negociações da Covaxin. O mandatário, ainda segundo o relato do deputado, teria implicado o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), nas suspeitas.

Para Bolsonaro, a eventual existência de uma gravação configuraria crime por parte de Miranda.

"Se houve gravação, isso é crime. Pelo amor de Deus. É a mesma coisa, pega cinco colegas, vamos bater um papo, a gente começa a falar um monte de abobrinha", disse. "Nada que eu me lembre foi tratado com ele com a ênfase que ele vem dizendo", acrescentou.

Em outro momento, Bolsonaro disse não ter como ver tudo o que "acontece nos 22 ministérios". "No meu entender não aconteceu nada de errado lá", disse, referindo-se à pasta da Saúde.

Sobre Barros, o presidente disse que vai esperar o depoimento do deputado à CPI da Covid para tomar qualquer decisão sobre a liderança do governo.

"Eu tenho que dar um crédito para ele [Barros] até que provem que ele tem alguma culpa em algum lugar", disse.

A prevaricação é um crime contra a administração pública que acontece quando o agente público deixa de agir da maneira que se espera dele e no qual é obtida alguma espécie de favorecimento. Exemplos são casos de policiais ou fiscais que não tomam providência diante de uma irregularidade, para proteger determinada pessoa.

No início deste mês, Rosa Weber, ministra do STF, determinou a abertura de inquérito contra Bolsonaro para apurar se ele cometeu o crime de prevaricação ao ignorar denúncias de irregularidades acerca das negociações para compra da Covaxin.

A magistrada também autorizou que a Polícia Federal colha depoimento do chefe do Executivo. Weber atendeu ainda pedido da PGR para investigar o caso. A solicitação da Procuradoria, porém, só foi feita após pressão de Rosa Weber.

Isso porque, inicialmente a PGR havia pedido para aguardar o fim da CPI da Covid para se manifestar sobre a necessidade ou não de investigar a atuação do chefe do Executivo neste caso. A ministra, que é relatora do caso, porém, rejeitou a solicitação e mandou a PGR se manifestar novamente sobre o caso.

Em uma decisão com duras críticas à PGR, a magistrada afirmou que a Constituição não prevê que o Ministério Público deve esperar os trabalhos de comissão parlamentar de inquérito para apurar eventuais delitos.

Senadores que atuam na CPI da Covid reagiram à fala de Bolsonaro.

Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, afirmou que Bolsonaro deveria saber que é "o principal 'servidor público' do Brasil, e não CEO de empresa".

"Deveria servir ao povo brasileiro e, mesmo que não o faça como deveria ser, ocupa uma função que o responsabiliza. Prevaricou, sim!", escreveu o parlamentar no Twitter.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) também comentou as declarações de Bolsonaro. "'Prevaricação se aplica a servidor público, não a mim'” disse o presidente em relação ao caso Covaxin. O presidente é o quê? Servidor privado?".

Já Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse acreditar que Bolsonaro provavelmente cometeu os crimes de prevaricação e de responsabilidade.

O advogado Mauro Menezes, um dos autores do superpedido de impeachment contra Bolsonaro, disse que a declaração do presidente foi uma bravata. Para Menezes, Bolsonaro acabou admitindo que prevaricou.

"Ele [o presidente] é o servidor nº 1 do país. Ele não pode jamais considerar que ele está alheio à obediência do Código Penal no que diz respeito aos crimes contra a administração pública", disse o advogado, que é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Além disso, Menezes reforça que, de acordo com a lei dos crimes de responsabilidade, "não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados" em caso de delitos enquadraria o presidente em ato sujeito ao impeachment.

"Com esse argumento [declaração de Bolsonaro nesta segunda], ele confessa a prática e tenta sair da boca do leão para entrar na boca do lobo", afirmou Menezes.

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