Vendedor de vacinas reafirma à CPI pedido de propina, divulga áudio de deputado e vira alvo de embate entre senadores

Em entrevista à Folha na terça (29), Dominguetti relatou pedido de propina de então diretor do Ministério da Saúde

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que representou a empresa Davati Medical Supply em uma negociação com o governo Jair Bolsonaro, reafirmou à CPI da Covid nesta quinta-feira (1º) que recebeu pedido de propina de um diretor do Ministério da Saúde para a compra de vacinas contra a Covid-19.

Dominguetti também buscou implicar em sua fala o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que se tornou um dos principais denunciantes de irregularidades na compra de vacinas pelo governo.

Disse que o parlamentar buscou a Davati para tentar intermediar a compra de vacinas e mostrou um áudio nesse sentido. Posteriormente, no entanto, foi rebatido pelo deputado Miranda e por Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da Davati no Brasil.

Após Dominguetti receber a informação de que o áudio tratava de uma negociação de luvas e tinha sido editado, ele disse que foi induzido ao erro. Afirmou ainda que o áudio teria sido enviado por Cristiano.

“A minha interpretação da mensagem que foi recebida é assim, ela não muda a contextualização do áudio, a prova, mas a perícia vai provar que eu recebi o áudio do Cristiano e a imagem. Agora…”

Por conta disso, alguns senadores sugeriram que fosse realizada a prisão de Dominguetti acusando-o de dar falso testemunho. No entanto, o pedido foi recusado pelo presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

"É uma prova fora do contexto e editada. Quando a gente não sabe das coisas, a gente não pode ser irresponsável de acusar", afirmou Aziz, que recusou a prisão, lembrando que o depoente tem família, que sofreria o impacto da medida.

Aziz afirmou que a comissão deve realizar uma acareação entre Carvalho e Dominguetti e também outra com os supostos participantes do jantar em que teria havido o pedido de propina.

Luiz Paulo Dominguetti Pereira, em depoimento a senadores da CPI da Covid
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, em depoimento a senadores da CPI da Covid - Pedro Ladeira/Folhapress

O depoimento de Dominguetti, que também é policial militar em Minas Gerais, acontece em um momento de grande pressão sobre o governo federal, por suspeitas de corrupção envolvendo a compra de vacinas.

Na última terça-feira (29), em entrevista à Folha, Dominguetti afirmou que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Disse que o diretor de Logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar em Brasília no dia 25 de fevereiro.

O policial militar disse que não gravou o encontro. A Folha chegou a Dominguetti por meio de Cristiano Alberto Carvalho, que se apresenta como procurador da Davati no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério. A Davati confirma que Dominguetti atuou como seu representante.

"O pedido de propina se concretizou. O pagamento e a evolução do processo, não”, afirmou Dominguetti à CPI da Covid nesta quinta-feira.

“[No jantar, Dias disse] que a vacina, naquele valor [US$ 3,50], não seria feita a aquisição pelo ministério. A conversa começou assim: ‘Olha, nós temos que melhorar esse valor’. Aí, eu disse: ‘Mas eu tenho que tentar um desconto, eu não tenho [como dar desconto]’”, disse o depoente aos senadores.

“[Ele respondeu] não, mas não é [para baixo]. É para cima, é para mais. E, aí, se pediu [a propina], porque se tinha que compor dentro do ministério, e se pediu o acréscimo de US$ 1 por dose. Eu, já, de imediato, já disse que não teria como fazer”, completou Dominguetti.

Dominguetti disse também que participaram do encontro o coronel da reserva do Exército Marcelo Blanco, que foi assessor no Departamento de Logística do Ministério da Saúde. O policial também foi apresentado a uma fotografia do coronel Alexandre Martinelli e em seguida questionado se seria essa a quarta pessoa no encontro. Respondeu afirmativamente, mas sem muita convicção.

"[Ele] Se identificou como empresário. É possível que seja. Eu teria que o ver pessoalmente...", disse.

Martinelli depois negou em entrevista à GloboNews que tenha participado.

Ao ser questionado sobre a possível participação de dois militares no jantar com o vendedor, o Exército afirmou apenas que o coronel Marcelo Blanco foi transferido para a reserva em janeiro de 2018 e o coronel Alexandre Martinelli em fevereiro deste ano.

Na CPI, Dominguetti disse que esteve no Ministério da Saúde três vezes para tratar da proposta da venda. A empresa Davati buscou a pasta para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,50 por cada (depois disso passou a US$ 15,50).

Ele ressaltou aos senadores que se surpreendeu ao saber que o então secretário-executivo Elcio Franco, braço direito do ex-ministro Eduardo Pazuello, não sabia de uma oferta grande como aquela, envolvendo 400 milhões de doses.

Franco ficou sabendo da oferta apenas quando os dois tiveram uma reunião no ministério. Então Dominguetti constatou que sua proposta não teria avançado no ministério após o jantar.

No depoimento desta quinta, Dominguetti acrescentou que três diretores do ministério no total sabiam ao final da proposta das vacinas da AstraZeneca: Dias, Franco e Laurício [não soube informar o sobrenome], que seria servidor da área de vigilância sanitária.

Também acrescentou que chegou a Franco e Laurício através de uma ONG do Distrito Federal, chamada Senah, que faz serviços humanitários.

O depoente foi questionado pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) como a Davati conseguiria fornecer 400 milhões de doses, e respondeu de maneira vaga. O parlamentar pediu a apreensão do celular de Dominguetti para que os fatos sejam esclarecidos.

O parlamentar pediu a apreensão do celular de Dominguetti. O aparelho foi recolhido para inspeção e para ser "espelhado", tendo suas informações copiadas pela Polícia Legislativa. Ele seria devolvido ainda na noite de quinta-feira.

“A informação que nós tínhamos era que o dono da Davati, senhor Herman [Cardenas], tinha acesso a locadores do mercado, que eram os proprietários dessa vacina”, afirmou o depoente.

Em um momento que provocou polêmica na sessão, Dominguetti afirmou que a Davati havia sido procurada pelo deputado federal Luis Miranda para intermediar negócios envolvendo vacinas. O contato teria sido feito com o representante da empresa no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho.

O deputado e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, apontaram recentemente suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin.

Os irmãos disseram à CPI que levaram as suspeitas ao presidente Bolsonaro e que ele teria mencionado que se tratava de um esquema envolvendo o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

A suspeita sobre a compra de vacinas veio à tona em torno da compra da Covaxin quando a Folha revelou no último dia 18 de junho o teor do depoimento sigiloso de Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público Federal, que relatou pressão "atípica" para liberar a importação da vacina indiana.

Desde então, o caso virou prioridade da CPI. A comissão suspeita do contrato para a aquisição da imunização, por ter sido fechado em tempo recorde, em um momento em que o imunizante ainda não tinha tido todos os dados divulgados, e prever o maior valor por dose, em torno de R$ 80 (ou US$ 15 a dose).

“[Miranda] procurou a Davati, se não me engano, o Cristiano, inclusive tentando negociar a aquisição de compra de vacinas”, afirmou Dominguetti aos senadores.

“Não fui eu, não [que ele procurou]. O Cristiano me relatava que, volta e meia, tinha parlamentares o procurando e que o que mais o incomodava era o deputado Luis Miranda, o mais insistente com a compra, intermediação de vacinas”, disse o vendedor.

Dominguetti então divulgou na sessão um áudio do deputado Miranda. A palavra “vacina”, no entanto, não é mencionada nesse áudio.

Os irmãos estão sentados atrás de uma mesa, com um vidro separando-os. Luis Ricardo usa óculos e camisa azul e Luis Miranda usa paletó. Os dois estão de máscara branca
Luis Ricardo Miranda e Luis Miranda durante a CPI da Covid - Adriano Machado - 25.jun.2021/Reuters

Ao saber da divulgação da gravação, Miranda foi ao Senado e pediu a prisão de Dominguetti. Explicou que se tratava de um áudio de 15 de outubro de 2020, no qual negociava a aquisição de luvas por meio de uma empresa que possui nos Estados Unidos.

O material seria vendido para empresas privadas que abastecem o mercado americano. O áudio, disse, seria destinado a uma pessoa que ele identificou como Rafael Alves e que seria ligada ao representante da Davati no Brasil, Cristiano Alberto Carvalho.

“Ele [Dominguetti Pereira] blefou e para o azar dele eu tenho toda a conversa aqui. Eu nunca tratei de vacina com eles”, disse o deputado ao deixar a sala da CPI.

“Agora precisamos saber quem plantou esse senhor aqui para mentir. Ele é um cavalo de troia. Se não prendermos ele, será uma vergonha. Confio nos senadores para que não passemos em branco”, completou Miranda.

Em seguida, o deputado deixou o Senado e disse que iria a um cartório para comprovar que o áudio é realmente de 2020. Acrescentou que ao retornar com a prova, pediria a prisão de Dominguetti.

Miranda falou que se trata de uma armação que parte das mesmas pessoas que o atacam nas redes sociais, insinuando que seria o governo federal.

O deputado pediu que seu novo depoimento à comissão, previsto para a próxima terça-feira (6), seja reagendado. Isso porque ele está reunindo provas, que vão provar que existe um "grande mensalão” dentro do Ministério da Saúde.

Após a informação de que o áudio tratava da negociação de luvas, Dominguetti recuou.

“O que acontece é: como houve a vinda do deputado aqui, por causa de vacina, e o print que ele enviou e embaixo o áudio sugestionava. Mas eu não posso fazer esse juízo de valor, se é ou não é [vacina ou luva]. Quem pode dizer de que era essa transação, como é feita essa transação, de que produto que era, é somente, só o Cristiano”, disse.

Representante da Davati, Cristiano Alberto Carvalho disse que não se tratava de negociação de vacinas o áudio de Miranda que ele enviou a Dominguetti. Disse que recebeu de terceiros o áudio e acrescentou que "com a questão Miranda não quero me envolver".

A iniciativa de Dominguetti de mostrar o áudio se deu após pergunta do senador Humberto Costa (PT-PE), que questionou se o deputado Miranda o havia procurado. Costa é integrante do grupo majoritário da comissão, formado por oposicionistas e independentes.

Nos bastidores, já se comentava que esse grupo tinha conhecimento do contato que já existiu no passado entre Miranda e a Davati e que esse fato poderia ser levantado durante a sessão. Na noite desta quarta-feira (30), Miranda se reuniu com Renan.

Por isso, há a avaliação de que o grupo teria decidido se antecipar para conseguir controlar a narrativa. A partir desse momento, os senadores de oposição e independentes passaram a afirmar que o depoente foi "plantado".

"Só para concluir, lá na nossa região, chapéu de otário é marreta e jabuti não sobe em árvore", disse Aziz, reforçando que não iria tolerar tentativas de tumultuar a sessão.

Dominguetti afirmou que decidiu fazer a denúncia após o contato da reportagem da Folha, que já apresentou suspeitas do pedido de propina.

"Fui surpreendido com uma ligação do Cristiano, da Davati, com uma repórter da Folha de S.Paulo. E o Cristiano relatando 'olha, pode falar tudo, está aqui, fala o que você sabe'", afirmou durante a oitiva.

Ele disse que a reportagem já tinha indícios e que ele apenas externou as informações que tinha ao ser contatado. Também acrescentou que já havia feito as denúncias internamente, em conversa com o representante da empresa no Brasil.

"Tanto que, quando eu fui chamado pela Veja, perdão, Folha de S.Paulo, foi o Cristiano [Carvalho, representante no Brasil da Davati]. E ele disse à jornalista: 'Se você quiser a verdade, ele vai te falar a verdade agora'", completou.

Entre os senadores da CPI, alguns acharam que o depoimento de Dominguetti foi esclarecedor e confiável. Outros avaliaram que ele foi plantado e questionaram até mesmo o motivo de não ter dado voz de prisão a Dias, tendo em vista que o vendedor também é policial militar.

Costa disse que é uma versão em que dá para acreditar. “Eu acho... Eu entendo que nós precisamos realmente aprofundar. Se tudo que Vossa Excelência disse for verdade e se nós tivermos como comprovar, pode ter a certeza de que o senhor pode ter dado uma enorme contribuição a este país.”

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, afirmou que o fundamental "é a confirmação por parte do depoente da existência de achacamento de propina no valor de US$ 1".

"A síntese de tudo isso é essa", afirmou Randolfe. O senador pediu acesso a imagens de um hotel de Brasília de onde o depoente teria saído para se reunir no restaurante de um shopping onde teria recebido o pedido de propina.

Numa síntese do depoimento enviada por Renan, ele conclui que o relato confirma a versão do vendedor dada à Folha.

A avaliação é que o depoimento estabelece indícios da existência de um esquema criminoso de cobrança de propinas e vantagens indevidas no Ministério da Saúde.

“Obviamente, é necessário aprofundar as investigações e confirmar o depoimento por meio de provas e oitivas de outras testemunhas”, disse o relator em sua análise.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES), entretanto, disse que o depoimento foi plantado. A avaliação foi feita após Dominguetti divulgar o áudio de Miranda.

“Senhor presidente, com todo respeito, essa testemunha foi plantada aqui. Ela foi plantada. Ela está em estado flagrancial do artigo 342.”

“E não deu voz de prisão exatamente quando soube de uma propina que foi imposta a vossa senhoria? Vossa senhoria podia ter dado voz de prisão em flagrante. Não o fez por quê?”, questionou a senadora Simone Tebet (MDB-MS).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.