Área técnica da CGU vai na contramão de ministro e decide abrir processo contra suspeita em caso da Covaxin

Wagner Rosário minimiza irregularidades em contrato de R$ 1,6 bilhão, mas investigação avança; Precisa não comenta

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Brasília

Na contramão do discurso do ministro Wagner Rosário, bolsonarista que minimiza a existência de irregularidades no contrato da vacina Covaxin, a área técnica da CGU (Controladoria-Geral da União) decidiu pela abertura de um procedimento para eventual punição da Precisa Medicamentos, a empresa que fez a intermediação do negócio.

A informação foi confirmada pela Folha junto a fontes da CGU. A abertura do processo administrativo de responsabilização (PAR) está prevista para os próximos dias.

Entre as punições estudadas estão a declaração de inidoneidade da Precisa, com proibição de novos contratos com o poder público, e a aplicação de multa, que pode chegar a 20% do faturamento bruto, conforme previsto na Lei Anticorrupção. A Precisa é alvo da CPI da Covid do Senado.

O ministro-chefe da CGU, Wagner Rosário, durante cerimônia no Palácio do Planalto
O ministro-chefe da CGU, Wagner Rosário, durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/Folhapress

A CGU conduziu dois processos em paralelo depois das revelações sobre irregularidades, fraudes e suspeitas de corrupção no contrato de R$ 1,61 bilhão para compra de 20 milhões de doses da Covaxin, fabricada pela indiana Bharat Biotech.

A Precisa foi a intermediária responsável por quase todas as tratativas com o Ministério da Saúde.

Uma auditoria rápida, capitaneada pelo ministro da CGU, analisou aspectos específicos do contrato. Já as Diretorias de Responsabilização de Agentes Públicos e de Entes Privados, com a Corregedoria-Geral da União, conduzem um procedimento chamado IPS (investigação preliminar sumária), que apura indícios de fraude e corrupção.

Rosário, bolsonarista e alinhado às demandas do Palácio do Planalto, sempre minimizou as irregularidades na compra da Covaxin.

Primeiro, quando o governo Jair Bolsonaro anunciou a suspensão do contrato, em 29 de junho, o ministro da CGU afirmou que “existem denúncias de uma possível irregularidade que não conseguiu ainda ser bem explicada pelo denunciante”.

“Vamos fazer essa apuração para que a gente tenha certeza de que não existe nenhuma mácula no contrato.”

O ministro omitiu que a suspensão do contrato foi uma determinação da Corregedoria-Geral da União e que a medida vale até a conclusão da investigação preliminar.

Um mês depois, no último dia 29, Rosário participou de entrevista coletiva para apresentar os resultados da auditoria que capitaneou. Ele apontou apenas montagens em documentos apresentados pela Precisa ao Ministério da Saúde, com encaminhamento à Polícia Federal para perícia.

O ministro negou existirem outras irregularidades no processo, como no tempo célere de análise da contratação, no preço da vacina —US$ 15, o mais alto dentre os imunizantes comprados pelo governo— e nos documentos para importação.

Esses documentos também têm indícios de adulteração e foram usados pela Precisa para tentar pagamentos antecipados de US$ 45 milhões.

A investigação mais ampla, que apreendeu computadores, analisou documentos e colheu diversos depoimentos, está na fase final e terminará com a abertura de um processo administrativo de responsabilização para buscar a responsabilização da Precisa, segundo decisão dos técnicos.

A empresa deve ser ouvida no procedimento antes de uma decisão sobre punição. Também é analisada a possibilidade de abertura de processos administrativos disciplinares (PAD) para responsabilizar agentes públicos.

O contrato foi assinado por Roberto Ferreira Dias, que foi diretor do Departamento de Logística em Saúde até ser demitido por suspeita de cobrança de propina, e negociado pelo coronel do Exército Élcio Franco Filho, ex-secretário-executivo do ministério.

Um PAR (processo administrativo de responsabilização) é aberto quando há fortes evidências de corrupção ou fraude num contrato com o governo federal.

Como é precedido por uma investigação sumária, a tramitação do processo é mais rápida, ficando restrito basicamente à defesa da empresa investigada.

O relatório da auditoria conduzida em paralelo à investigação preliminar sumária foi encaminhado à Corregedoria-Geral da União, com a sugestão de que avalie a “pertinência de abertura de PAR em desfavor dos envolvidos”, com base na Lei Anticorrupção. O documento foi anexado à investigação.

Sobre o preço da vacina, de US$ 15 por dose, o relatório capitaneado pelo ministro da CGU afirma: “O preço contratado pelo Ministério da Saúde encontra-se no nível inferior de preços praticados pela empresa a nível mundial, descaracterizando as suspeitas de possível sobrepreço".

O mesmo documento afirma, porém, que a pasta “não instruiu devidamente o processo com a justificativa acerca da opção da contratação e da justificativa/estimativa do preço”.

Também não houve planejamento sobre quantitativos necessários e fragilidades nesse sentido, embora isso não constitua uma irregularidade, como concluiu essa auditoria.

A celeridade do processo se justificou pela gravidade da pandemia, concluiu o relatório. Já as “inconsistências” nas “invoices” (faturas) apresentadas pela Precisa para recebimento antecipado de US$ 45 milhões foram “corrigidas”, conforme a CGU, a partir de pedidos de técnicos do ministério.

O relatório detalhou a montagem de documentos apresentados ao ministério para viabilizar a compra da vacina e afirmou: “A atuação da Precisa como representante da Bharat Biotech se reveste de alta criticidade. Tal contexto deve ser considerado para se avaliar a conveniência e a oportunidade de dar continuidade ao referido contrato".

Antes de a CGU divulgar o relatório, a Bharat Biotech já havia rompido a parceria com a Precisa. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), diante do fim da parceria, cancelou estudos clínicos da Covaxin e suspendeu a autorização de importação.

O Ministério da Saúde já divulgou que cancelará de vez o contrato. Nem a Precisa nem o ministro responderam aos questionamentos da reportagem.

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