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Artigo de Lewandowski sobre intervenção armada é alerta tardio e recado contra impunidade

Tão relevante quanto o argumento do ministro do STF é quem escreve, a quem se dirige e quando

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Eloísa Machado de Almeida

Professora da FGV Direito SP e advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos CADHu

No artigo “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível”, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), esclarece que o ordenamento jurídico rechaça qualquer tipo de sublevação de armas, seja nas mãos de polícias, milícias, soldados ou generais.

Tão relevante quanto o argumento é quem escreve, a quem se dirige e quando.

De fato, a própria Constituição —pluralista, garantista e democrática— imputa ser crime a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático (artigo 5º, XLIV), sem que o criminoso tenha direito à fiança e sem possibilidade de extinção da sua punibilidade pelo decurso do tempo.

O crime contra a ordem constitucional foi especificado e desdobrado em outros vários tipos em projeto de lei (PL 2.108/2021) aprovado pelo Congresso e que aguarda sanção presidencial.

O mesmo projeto de lei revogou a Lei de Segurança Nacional, usada por André Mendonça, ex-ministro da Justiça e candidato a vaga no Supremo, para perseguir críticos de Jair Bolsonaro.

Agora, as novas disposições legais parecem estar dedicadas a proteger a Constituição e as instituições democráticas em vez de servir de instrumento de perseguição política.

O ministro Lewandowski, além de mencionar a Constituição e o projeto de lei de crimes contra o Estado democrático de Direito, menciona o Estatuto de Roma e a jurisprudência do Tribunal Penal Internacional como outros elementos a refutar qualquer hipótese de sublevação de armas.

Não é pouco. O Estatuto de Roma tipifica os mais graves crimes que podem ser cometidos contra a humanidade, como genocídio, extermínio, escravidão, tortura.

A perseguição política, promovida por meio de ataques generalizados contra a população civil, é uma das condutas tipificadas como crime contra a humanidade que seria aplicável a uma sublevação armada.

Bolsonaro já foi alvo de denúncias pela prática de crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos indígenas, em análise pela Procuradoria do Tribunal Penal Internacional.

O argumento reafirma o óbvio: não há nenhum espaço para intervenção armada na atual ordem constitucional. Reafirmar o óbvio é importante porque não faltam vozes a propagar interpretações mais afinadas aos Atos Institucionais da ditadura do que com a Constituição.

É, sobretudo, importante porque escrito por um ministro do Supremo Tribunal Federal, que, ao expor sua posição, parece expor também que nem todos do tribunal estão dispostos a compor saídas, negociar privilégios ou chamar golpe de movimento.

O artigo é relevante também se analisado a quem se dirige: àqueles que, incitados por superiores, pratiquem crimes contra o Estado de Direito.

Não poderão se esconder das responsabilidades com a desculpa de seguir ordens superiores: subordinados do presidente da República, sejam civis ou militares, têm o dever de negar cumprir ordens inconstitucionais.

Da mesma forma, subordinados que cometem crimes contra a humanidade são punidos no Tribunal Penal Internacional, e o são severamente; afinal, sem subordinados leais a criminosos e desleais às normas, tais crimes não seriam cometidos.

Se o presidente da República e seus ministros usufruem de imunidade, outros podem não ter a mesma sorte e serem eficaz e prontamente responsabilizados. É o que tem ocorrido no âmbito do inquérito sobre atos antidemocráticos, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.

E há o momento em que o artigo foi publicado, dias antes de ato com pauta golpista e acenos às armas, convocado pelo presidente da República que já avisou que não irá respeitar o resultado das eleições de 2022.

Se o artigo é um alerta para o agora, de que a militarização da política não pode ocorrer, vem tardiamente. Eles já cruzaram o Rubicão. O governo Bolsonaro pode ser qualificado de militar-civil, seja pela extensão de militares em cargos-chave, de ministérios a empresas públicas, seja pelo ideal de combate —no caso, contra o próprio povo.

Com a militarização da política veio a degradação democrática: perseguição a opositores usando a Lei de Segurança Nacional, crimes contra povos indígenas denunciados à jurisdição penal internacional, seguidos atos antidemocráticos perpetrados contra as instituições e desrespeito mais que pressentido às eleições.

Porém, se o artigo se dirige a um horizonte um pouco mais amplo, a um futuro próximo, que pode estar logo ali em 2023, o recado àqueles que querem acabar com a ordem constitucional e democrática parece ser outro: não poderão contar com a certeza de impunidade, elemento que forjou as Forças Armadas no Brasil.

Quando o Supremo Tribunal Federal julgou a compatibilidade da anistia (lei 6.683/79) com a ordem constitucional de 1988, o ministro Lewandowski foi categórico em dizer que o acordo de anistia era inválido, que as normas internacionais sempre rechaçaram crimes sem a devida responsabilização e que, no mínimo, a tortura, os estupros, os desparecimentos e os assassinatos deveriam ser investigados e punidos.

Naquela oportunidade, foi voto vencido, em um dos julgamentos que, hoje, diante da militarização da política e das armas em riste contra a Constituição, pode ser considerado um dos grandes erros do tribunal.

E agora, haverá anistia?

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