Chamado 'ministro de fato', ex-assessor de Pazuello diminui sua importância na Saúde e diz à CPI que era apenas um 'facilitador'

Airton Cascavel também minimiza período de dois meses em que atuou sem nomeação e culpa a pandemia

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Brasília

Em depoimento à CPI da Covid, o empresário e ex-assessor do Ministério da Saúde Airton Soligo buscou diminuir a sua importância nas decisões da pasta durante o enfrentamento da pandemia e disse que era apenas um “facilitador”. A definição contrasta com a imagem que tinham secretários estaduais e municipais, que chegavam a chamá-lo de “ministro de fato” na gestão Eduardo Pazuello.

O empresário minimizou o fato de ter atuado por quase dois meses no ministério sem ser oficialmente nomeado. Por essa situação, ele é alvo de investigação do Ministério Público do Distrito Federal.

"Eu quero diminuir essa importância que as pessoas me atribuem nessa relação com estados, com municípios [...]. Eu nunca vi um secretário municipal ou estadual me condenar por qualquer atitude. Pelo contrário, diziam que eu ajudava a facilitar, ajudava a facilitar a burocracia pública, para que as coisas acontecessem. Foi esta a minha função, a de fazer acontecer."

Airton Cascavel, como é conhecido, prestou depoimento nesta quinta-feira (5) para explicar sua atuação no enfrentamento da pandemia. Ele participou da sessão na condição de testemunha amparado por um habeas corpus, que lhe garantia o direito ao silêncio ou mesmo a mentir, para evitar produzir provas contra si próprio.

No entanto, disse em seu texto de abertura que o pedido de habeas corpus foi impetrado por seus advogados contra a sua vontade e se comprometeu a dizer a verdade.

Um homem de cabelos brancos e máscara, com uma das mãos levantada enquanto fala ao microfone de mesa
O ex-assessor especial do ministério da saúde Airton Soligo, conhecido como Airton Cascavel, durante depoimento à CPI da Covid - Pedro Ladeira - 05.Ago.2021/Folhapress

O empresário era apontado como braço direito de Pazuello na pasta e era responsável por articular com estados e municípios o envio de insumos.

Além disso, como citou a senadora Simone Tebet (MDB-MS), o ex-assessor assumia muitas das funções do ministro, como se reunir com parlamentares e discutir assuntos normalmente afeitos aos gestores mais graduados. Por isso ganhou a fama de “ministro de fato”. No entanto, ele afirmou que nunca executou funções que não fossem de sua alçada.

“Nunca houve um processo de terceirização de competência [de Pazuello]”, disse.

O requerimento para sua convocação ainda cita seu papel no colapso do sistema de saúde de Manaus no início deste ano. Ao rebater os rumores sobre seus superpoderes, o empresário chegou a falar que não poderia, por exemplo, negociar vacinas. "Quando falam da vacina, eu chego a dizer o seguinte: se eu tivesse esse poder de decisão das pessoas [que me atribuem], fica a imprensa dizendo da importância [que eu tinha], eu teria comprado [as vacinas]."

"Mesmo não podendo comprar, como nenhuma lei permitia, eu teria comprado a Pfizer, eu teria comprado a Janssen. Se dependesse de mim, se eu tivesse esse poder, eu estaria aqui hoje respondendo por que tinha comprado", completou.

Cascavel negou, por exemplo, que tivesse participado da negociação de vacinas. Ele afirma que seu papel, em alguns momentos, foi de pacificador. Lembra que atuou para diminuir a tensão existente entre o governo federal e o estado de São Paulo, o que possibilitou o anúncio do contrato para a aquisição da Coronavac. O acordo depois foi suspenso, por ordem do presidente Jair Bolsonaro. O então ministro Pazuello disse na ocasião a célebre frase "manda quem pode, obedece quem tem juízo".

O ex-assessor do Ministério da Saúde foi questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre quando havia começado a negociação das vacinas. Ele respondeu que não poderia afirmar, mas acredita que foi entre junho e julho do ano passado com a Fiocruz e ressaltou que não atuou em nenhuma negociação.

Cascavel minimizou o fato de atuar quase dois meses no ministério de maneira informal, antes de sua nomeação oficial. Ele é investigado pelo Ministério Público do Distrito Federal por essa atuação, que pode ser configurada como usurpação de poder.

“Nos meus documentos, quando eu entreguei [para ser nomeado], faltava a desvinculação do cargo de administrador da pequena empresa que tenho. E aí eu fui solicitar essa mudança, os cartórios estavam fechados para fazer a mudança. Isso levou mais uma semana e só vem aí um atraso."

Sua oficialização no cargo aconteceu apenas no fim de julho de 2020. Com a nomeação, ele continuou a interlocução na pasta e só deixou o cargo em março deste ano, após a saída de Pazuello do ministério.

Cascavel afirmou à CPI que foi chamado para atuar na articulação política, uma vez que os militares nomeados não tinham "traquejo político do trato".

Em uma forma de tentar se desvincular politicamente do governo, disse que o melhor ministro da Saúde, em sua opinião, foi o atual senador José Serra (PSDB-SP), que chefiou a pasta no governo FHC.

O relator questionou o fato de a Casa Civil ter inicialmente apresentado resistência ao seu nome, por conta de processos a que ele responderia. Cascavel respondeu afirmando que eram apenas processos eleitorais e que ele não tem condenações.

O ex-assessor foi questionado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) se conhecia o policial militar e vendedor de vacinas Luiz Paulo Dominghetti. A senadora afirmou que havia registro de ligação no celular de Dominghetti para Cascavel, que disse não conhecer o policial.

Reportagem da Folha mostrou denúncia de Dominghetti, que alega ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina, para avançar a negociação de compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca.

“Havia alguém ofertando vacina no meu telefone, eu nunca respondi essas mensagens porque eu achava que era picaretagem, achava que era uma armação. Se tem essa mensagem você vai ver que não tem resposta nenhuma."

Cascavel chegou a ser nomeado como secretário de Saúde de Roraima pelo governador Antonio Denarium (sem partido), aliado de Bolsonaro. No entanto, foi exonerado do cargo em junho.

O empresário foi deputado federal por Roraima (1999-2002), onde é um empresário conhecido, e tentou voltar ao posto em 2018, pelo Republicanos, mas não foi eleito.

Também nesta quinta, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), impôs mais um revés ao governo e rejeitou o pedido de Pazuello para que a decisão da CPI de quebrar seus sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático fosse suspensa.

O magistrado afirmou que não cabe ao Judiciário se intrometer nos trabalhos do Legislativo neste caso e que não há exagero na medida. Lewandowski citou que Pazuello foi ministro por aproximadamente dez meses e que "o acesso aos dados selecionados pelos senadores poderá, como parece evidente, contribuir para a elucidação dos fatos investigados pela comissão".

Também na sessão desta quinta-feira, a cúpula da CPI novamente protestou contra a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para apurar vazamento de documentos sigilosos no âmbito da comissão. O vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), então mencionou uma postagem em redes sociais do presidente Bolsonaro, no dia anterior, no qual o chefe do Executivo divulgou um documento apontado como sigiloso.

Bolsonaro havia participado de um programa de rádio e mencionou um inquérito que apontaria provas de que o sistema eleitoral brasileiro foi invadido e portanto seria violável. Então apresenta o inquérito 1.468 da Polícia Federal, cujas páginas tinham um carimbo de "sigiloso".

"Ontem, esta Comissão Parlamentar de Inquérito recebeu a notícia de que a Polícia Federal vai instaurar um inquérito contra esta comissão por eventuais supostos vazamentos de notícias sigilosas. Inquérito contra a Comissão Parlamentar de Inquérito, deveriam saber as autoridades, o senhor ministro da Justiça e também a Direção-Geral da Polícia Federal, é inconstitucional e ilegítimo", disse o senador.

"Só que ocorre que ainda ontem à noite, às 21h26, o senhor presidente da República, em suas redes sociais, divulgou abertamente um inquérito sigiloso, no qual, inclusive está a advertência de sigilo", completou o vice-presidente.

Randolfe em seguida afirmou, de forma irônica, que esperava do ministro Anderson Torres (Justiça) a mesma posição, abrindo um inquérito para investigar esse vazamento.

"Então, espero, assim como o vigia espera pela aurora, que a Polícia Federal, que o diretor-geral da Polícia Federal, que o senhor ministro da Justiça informem, ainda no dia de hoje, a que horas será aberto o inquérito contra o senhor presidente da República pela divulgação, aí, sim, com todas as digitais, nas suas redes sociais, de um inquérito sigiloso."

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