Amparado por um habeas corpus concedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o tenente-coronel da reserva Helcio Bruno de Almeida optou por não responder perguntas na CPI da Covid que pudessem incriminá-lo, principalmente aquelas referentes à disseminação de fake news e às tratativas para a venda de vacinas contra a Covid-19.
Helcio, que também é presidente do Instituto Força Brasil, foi convocado a prestar depoimento à comissão por ser suspeito de propagar fake news, financiar sites negacionistas e também intermediar a compra de vacinas.
O militar da reserva leu uma declaração no início do seu depoimento e em seguida anunciou que permaneceria em silêncio frente a perguntas dos mais variados assuntos.
“Assim, antecipo que me reservarei ao silêncio quanto às perguntas relacionadas à empresa Davati ou seus supostos representantes, ao Ministério da Saúde e seus atuais e ex-servidores, ao Senah e seus membros, ao IFB [Instituto Força Brasil] e seus membros ou a fake news e matérias jornalísticas de terceiros e perguntas relacionadas à minha quebra de sigilo”, afirmou o tenente-coronel.
Em outros momentos, ao ser indagado, apenas releu trechos da sua manifestação inicial.
A postura do militar da reserva, optando pelo silêncio, irritou os membros da CPI. Isso porque o comando do colegiado questionou no início de julho o STF sobre os limites do silêncio dos depoentes.
Após essa manifestação, todos os depoentes seguintes responderam a praticamente todos os questionamentos dos membros da comissão. Mas o habeas corpus obtido pelo militar da reserva, ao contrário de anteriores, também o protege contra medidas privativas de liberdade.
Em sua manifestação inicial, Helcio disse que já tinha uma reunião previamente agendada no Ministério da Saúde, para o dia 12 de março. Esse encontro seria para tratar exclusivamente sobre comercialização de vacinas para a iniciativa privada, segundo argumentou. Então foi procurado pelo reverendo Ailton Gomes de Paula, que também já depôs na CPI, pedindo que a agenda no ministério fosse compartilhada com ele e representantes da empresa Davati, que afirmava ter acesso a vacinas.
Almeida se recusou a responder como conheceu o reverendo e que tipo de relação mantém com ele.
O militar da reserva disse que concordou, por ter pesquisado e não encontrado irregularidades, mas que só então conheceu os representantes da empresa, que eram o policial Luiz Paulo Dominghetti e Cristiano Carvalho.
O relator, Renan Calheiros (MDB-AL), então mostrou então uma fotografia na qual os presentes na reunião depois almoçam juntos, indicando proximidade.
Almeida também negou que praticasse tráfico de influência e mesmo que conhecesse o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo do Ministério da Saúde.
“Ressalto que nunca tive relação de amizade ou qualquer proximidade com o coronel Elcio Franco, apenas podendo eventualmente tê-lo encontrado em alguma solenidade militar de que não me recordo. Nunca frequentei a sua residência, não conheço a sua família, jamais almoçamos ou jantamos juntos, não fomos contemporâneos na Aman e tampouco servimos juntos”, disse.
Em depoimento à CPI da Covid, Dominghetti havia dito que teve acesso ao Ministério da Saúde por meio de Helcio, que teria uma relação de proximidade com Elcio Franco.
O militar da reserva também se recusou a revelar qual a sua relação com o ex-ministro Eduardo Pazuello.
Helcio acrescentou algumas informações, segundo membros da CPI, ao fornecer a lista de participantes dessa reunião no ministério do dia 12 de março e entregou à comissão uma ata do encontro. Os membros do colegiado afirmam que a Saúde se recusava a passar o documento.
Em uma das poucas perguntas que optou por responder, o militar afirmou conhecer o presidente Jair Bolsonaro, que se encontrou algumas vezes com ele e que se ofereceu para ajudar em sua última campanha eleitoral.
Segundo o depoente, eles se encontraram quando Bolsonaro manifestou que concorreria ao cargo de presidente da República, ainda em 2016. Ele disse ter feito uma visita e oferecido ajuda na campanha.
“Criei um grupo de trabalho, o JB18, e reunimos algumas pessoas para colaborar. Em 2017, sofri duas intervenções cirúrgicas no meu quadril para colocar prótese e me afastei completamente da sua trajetória.”
Já em 2018 ele voltou a ter contato com o presidente ao dar entrevista para o programa de um jornalista. Na ocasião, Bolsonaro também participaria do programa e estava no local.
Depois disso, ele afirmou que só voltou a encontrar com Bolsonaro quando ele já era presidente, em 8 de maio de 2019. Ele conseguiu ter esse contato através de um colega militar da turma de 1976 que iria fazer uma visita de cortesia e aceitou levá-lo.
Helcio também é suspeito de propagar fake news e financiar sites negacionistas. Algumas das postagens, contra medidas sanitárias, uso de máscaras e contra vacinas, foram mostradas pelos membros da CPI.
Nesse momento, Renan Calheiros ironizou o fato de um personagem negacionista ter tido reuniões no ministério para tratar de vacinas.
"Pelo que nós estamos vendo aqui, há uma outra conversão que precisamos registrar: o presidente de um instituto negacionista que vendia vacina. Isso é de uma contradição inacreditável", disse.
O militar também já escreveu em suas redes sociais mensagens contra a CPI da Covid. Em uma delas, escreveu: “Resumo da CPI circense: picareta denunciando picareta, todos julgados por picaretas, enquanto a narrativa dos picaretas da Imprensa mira no presidente".
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) rebateu afirmando que ele, ao se reunir com alguns personagens, como o reverendo Amilton de Paula e Dominghetti, tornou-se um dos picaretas.
“Interessante que vossa senhoria esteve com um picareta que denunciou outro picareta, e agora está diante de, entre aspas, "picaretas" que estão julgando todo o processo”, afirmou.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também ironizou uma postagem do depoente, na qual pede ações antidemocráticas, como a destituição de ministros do STF. A postagem traz a foto da ministra Carmen Lúcia, justamente quem concedeu o habeas corpus para que permanecesse em silêncio.
“Veja que paradoxal: uma daquelas que estão na foto, em que o coronel Helcio pede a destituição, a ministra Cármen Lúcia, é quem concede a ele o direito ao silêncio”, afirmou.
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