Sob a vigília de Bolsonaro, desfile militar em dia do voto impresso dura 10 minutos e tem gritos por intervenção

Desfile dos veículos provocou reação por ocorrer em momento de tensão institucional entre os Poderes

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Brasília

Um desfile militar patrocinado pelo presidente Jair Bolsonaro reuniu na manhã desta terça-feira (10) cerca de 40 veículos, todos da Marinha, entre blindados, caminhões e jipes.

A parada militar passou ao lado da praça dos Três Poderes, onde estão o Palácio do Planalto (sede do Executivo), o Congresso Nacional (Legislativo) e o Supremo Tribunal Federal (Judiciário).

Interpretado como uma tentativa de demonstração de força do presidente no momento em que aparece acuado e em baixa nas pesquisas, o desfile foi alvo de uma série de críticas do meio político, sendo visto como mais uma tentativa do Planalto de pressionar outros Poderes e de buscar a politização das Forças Armadas.

A apresentação foi marcada para a mesma data da votação no plenário da Câmara da PEC do voto impresso, bandeira bolsonarista para discursos golpistas.

Apesar de o discurso oficial ter sido o de coincidência de datas, o evento não trouxe nenhum saldo positivo para o governo, na avaliação de auxiliares do Planalto.

Para eles, o desfile não serviu para mobilizar a base bolsonarista nem para eventualmente pressionar o Congresso na análise do voto impresso. Até mesmo quem participou ao lado do presidente da cerimônia concordou que o timing foi inoportuno.

O episódio também gerou constrangimento em alas das Forças Armadas. Reservadamente, oficiais disseram se tratar de uma "alegoria desnecessária", que expôs as Forças.

A presença de blindados em frente à praça dos Três Poderes ocorre também em meio ao agravamento de uma crise institucional entre Bolsonaro e o Judiciário.

O presidente tem feito uma série de ameaças contra a organização das eleições do ano que vem. Na sua defesa do voto impresso, ele acumula declarações golpistas ao colocar em dúvida a realização do pleito. Na semana passada, o Judiciário voltou do recesso disposto a dar uma resposta dura a Bolsonaro.

Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) frauda as eleições. Depois, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.

Além disso, o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro. No mesmo dia, o ministro Alexandre de Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.

O desfile desta terça-feira começou às 8h30. Nesse horário, o presidente Bolsonaro já estava em vigília na rampa do Planalto, acompanhado dos comandantes das três Forças: Paulo Sérgio (Exército), Almir Garnier (Marinha) e Carlos de Almeida Baptista (Aeronáutica).

Também estavam alguns ministros, entre eles Walter Braga Netto (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Anderson Torres (Justiça). Entre outros, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e o ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Ives Gandra da Silva Martins Filho.

Convidados, os presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, e do Supremo, Luiz Fux, não compareceram ao desfile. O vice-presidente Hamilton Mourão também não participou. A assessoria da Vice-Presidência disse que ele não foi convidado.

Ao comentar o desfile no início da sessão desta terça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que "nada e ninguém haverá de intimidar as prerrogativas do Parlamento". Embora tenha afirmado que não vê o ato como uma intimidação, Pacheco defendeu a necessidade de "reafirmar sempre essa nossa responsabilidade cívica com a obediência à Constituição Federal".

"Sem supervalorizar aquilo que não deve ser valorizado, mas absolutamente atento a todas manifestações que possam constituir, repito, algum tipo de constrangimento ou de intimidação ao Congresso Nacional, estaremos sempre prontos a reagir a roubos, a bravatas, a ações que definitivamente não calham no Estado democrático de Direito", afirmou.

Um dia antes, em meio à polêmica causada pelo anúncio do desfile, Bolsonaro postou em suas redes sociais um convite para que autoridades recebessem os blindados.

Mesmo aliados do presidente reagiram ao evento militar. Lira, por exemplo, afirmou que se tratava de uma "coincidência trágica" que o desfile dos blindados ocorresse no mesmo dia previsto para a votação da PEC do voto impresso.

No início do desfile, que durou cerca de 10 minutos, um militar em traje de combate desceu de um dos jipes, subiu a rampa e entregou a Bolsonaro um convite para comparecer ao exercício militar da Marinha programado para este mês.

A chamada Operação Formosa ocorre anualmente desde 1988, mas, de acordo com o Ministério da Defesa, é a primeira vez que o convite ao presidente da República ocorre durante uma parada militar.

Durante a passagem dos veículos, um grupo de dezenas de apoiadores de Bolsonaro se reuniu na praça dos Três Poderes e entoou gritos em defesa da intervenção militar. Eles gritaram "Eu Autorizo" e "142", em referência a dispositivo constitucional que bolsonaristas dizem justificar eventual intervenção fardada.

​Pré-candidatos à Presidência criticaram o uso dos militares por Bolsonaro. "Isso que aconteceu hoje [desfile] foi uma coisa patética. Se o Bolsonaro queria uma foto com militar era só ter visitado um quartel", afirmou o ex-presidente Lula (PT).

Para o governador João Doria (PSDB), o "inédito e desnecessário desfile de tanques de guerra na praça dos Três Poderes é uma clara ameaça à democracia". "E tem o repúdio dos brasileiros de bem. A iniciativa é mais um flerte com o autoritarismo. O Brasil quer democracia, respeito à constituição e liberdade."

Já o ex-governador Ciro Gomes (PDT) afirmou em entrevista a Pedro Bial, da TV Globo, que Bolsonaro subornou a cúpula militar, que estaria "perigosamente sendo transformada em um partido político miliciano". "Esse problema é o que temos que enfrentar agora", disse.

Durante o desfile, uma pessoa chegou a ser presa por se colocar em frente ao comboio para impedir a passagem dos veículos. Fabiano Leitão, conhecido por tocar músicas do PT em um trompete, disse que foi levado à delegacia e enquadrado em resistência à prisão. Ele foi liberado pouco depois.

Líder do governo manifesta preocupação e exalta democracia

No dia em que blindados militares desfilaram na Esplanada dos Ministérios, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou que "aposta na democracia" e quer "compartilhar as preocupações que todos aqui [senadores] reverberaram".

A fala de Bezerra, na sessão da CPI da Covid, aconteceu após vários senadores condenarem o desfile de blindados da Marinha, associando como uma ameaça à democracia.

Bezerra abriu sua fala abordando avanços do governo Bolsonaro na vacinação contra a Covid-19. Em seguida, disse que essas informações "positivas" colocam parlamentares em lados opostos. Mas reforçou que ele é um membro do Congresso e que compartilha as preocupações, embora ressalte que há excessos nas análises dos senadores que condenam o evento militar.

"Essas são as opções [ações do governo] que aqui a gente diverge, estamos em trincheiras distintas. Mas nós somos do parlamento brasileiro. Eu tenho uma história nesse Congresso Nacional, eu sou subscritor da Constituinte Cidadã", disse.

"Eu aposto na democracia, eu aposto no estado de direito democrático. Por isso é evidente que eu quero compartilhar as preocupações que todos aqui reverberaram, apenas, digamos assim, querendo retirar os excessos das falas que foram feitas".

O presidente da CPI, Omar Aziz, abriu a sessão criticando Bolsonaro e o desfile de blindados. Segundo ele, a democracia precisa ser respeitada e é inegociável.

Segundo Aziz, Bolsonaro não tem o direito de usar a máquina pública para ameaçar a própria democracia que o elegeu. Ele avalia que em dois anos e meio, o presidente colocou o país numa situação vexatória, degradou as instituições e rebaixou as Forças Armadas.

"O papel das Forças Armadas é defender a democracia, não ameaçá-la. Desfiles como esse serviriam para mostrar força para conter inimigos externos que ameaçassem nossa soberania, o que não é o caso."

"As Forças Armadas jamais podem ser usadas para intimidar sua população, sem adversários, atacar a oposição legitimamente constituída. Não há nenhuma previsão constitucional para isso."

Aziz também disse que o desfile é uma cena "patética" e que não representa uma demonstração de força e sim uma "ameaça de um fraco que sabe que perdeu", afirmou, em referência à perspectiva de derrota da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados.

Outros membros da comissão, como Humberto Costa (PT-PE), Eduardo Braga (MDB-AM) e Otto Alencar (PSD-BA), também se manifestaram contra o desfile dos blindados.

Colaboraram Raquel Lopes, Renato Machado e Marianna Holanda

ENTENDA A PEC DO VOTO IMPRESSO

O que é
Estabelece a impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica. O projeto obriga a expedição de cédulas físicas conferíveis pelo eleitor, que seriam depositadas em uma urna, de forma automática e sem contato manual

Tramitação
Na Câmara, depende da aprovação de ao menos 308 dos 513 deputados, em votação em dois turnos. Depois, segue para o Senado, onde precisa do aval de pelo menos 49 dos 81 parlamentares, também em dois turnos. Se aprovada nas duas Casas, a PEC é promulgada, sem necessidade de sanção presidencial

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que afirmou versão anterior deste texto, a cerimônia da próxima segunda-feira (16) será a de encerramento da Operação Formosa, e não a de abertura. O texto já foi corrigido.

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