Desgastada com Doria, PM deve acelerar revisão de regras internas para conter tropa

Após crise com coronel que atacou tucano e defendeu Bolsonaro, corporação busca tirar do papel normas para atuação em redes sociais

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São Paulo

A crise provocada pelas postagens do coronel Aleksander Toaldo Lacerda, com críticas ao governador João Doria (PSDB) e defesa do presidente Jair Bolsonaro, deve acelerar a discussão de mudanças internas na Polícia Militar de São Paulo para a criação de regras sobre a interação da tropa em redes sociais.

A normatização visa prioritariamente a manutenção da disciplina da tropa para preservar sua imagem como instituição de estado —e não como agrado a Doria, que tem relação desgastada com PMs.

A discussão sobre as novas regras para uso de redes sociais já vem ocorrendo há meses na corporação, mas não apenas sobre conteúdos políticos.

O principal foco, na verdade, envolvia a promoção pessoal –casos de policiais que usam estrutura e a imagem da instituição para aumentar seguidores na internet e lucrar com isso, inclusive politicamente.

A Polícia Civil de São Paulo já tem uma regulamentação sobre isso.

O coronel Aleksander Lacerda, afastado de cargo de comando da PM - Agnaldo Pereira/Câmara Municipal de Sorocaba

Para integrantes da gestão Doria, a questão passou a ser considerada prioritária.

Além do caso de Lacerda, também houve no final de semana a manifestação de oficiais da reserva —entre eles, do ex-comadante da Rota Ricardo Nascimento de Mello Araújo, que publicou um vídeo convocando policiais “veteranos” e que usava camiseta com símbolo do batalhão.

Para a normatização, a PM discute, por exemplo, a possibilidade de permitir a utilização desse tipo de imagem apenas com autorização do comando.

Apesar de PMs terem relação desgastada com Doria e gestões tucanas anteriores em São Paulo, a avaliação de oficiais é a de que Lacerda errou e que ele não poderia ligar a imagem da instituição a questões políticas, além do risco de estimular outros policiais da ativa.

Oficiais dizem que a PM, mesmo sem gostar do governador, não permitirá rebeliões de integrantes, como em 1988 —quando cerca de 200 policiais militares participaram de um motim na praça da Sé e a instituição pediu a expulsão dos envolvidos.

Isso não quer dizer, porém, que Lacerda deva sofrer reprimenda muito mais séria além do que seu afastamento. O coronel tem seu trabalho respeitado internamente —à frente do batalhão da região de Paraisópolis, por exemplo, foi promovido e teve seu nome cotado para ser comandante-geral.

Além disso, colegas dizem ver suas publicações menos como golpistas e mais como a de um “tiozão do Facebook” que compartilha tudo que recebe.

Uma demonstração desse apreço pelo militar foi a investida do comando nesta segunda para evitar um pedido de aposentadoria por parte de Lacerda.

Colegas tentariam convencê-lo a aceitar uma outra função na PM, como uma diretoria, mas continuar na ativa. Com mais de 30 anos de corporação, ele tem o direito de solicitar seu ingresso na reserva.

Nas eleições de 2018, muitos policiais militares manifestaram apoio explícito a Mário França (PSB) na disputa direta com Doria.

Mais do que uma aversão ao nome do então candidato, eles diziam querer colocar fim a décadas do PSDB à frente do Governo de São Paulo, com quem manteve relação turbulenta em meio às reivindicações de reajuste salarial.

Para tentar se comunicar com esses descontentes, Doria chegou a prometer durante a campanha que elevaria os salários da polícia paulista. No entanto, anunciou em 2019 apenas 5% de aumento, contra uma reivindicação da categoria de ao menos 20%.

A queixa se repete na Polícia Civil. Levantamento do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia de SP) na época dizia que a categoria tinha um dos menores salários do Brasil: em início de carreira, ganhavam R$ 9.888, à frente apenas de Pernambuco (R$ 9.069), enquanto em Mato Grosso chegava a R$ 24.451.

Além da questão salarial, alguns episódios também marcaram negativamente a relação do tucano com a corporação. Um deles foi o afastamento de todos os 31 policiais envolvidos na operação de Paraisópolis, em dezembro de 2019, que deixou 9 mortos e 12 pessoas feridas.

Essa decisão, tomada depois de conversar com as famílias de vítimas, desagradou toda a cúpula da PM. A saída do então comandante-geral, Marcelo Vieira Salles, também foi atribuída a esse episódio. O policial ficou descontente com o governador e entregou o comando.

Também em 2019, Doria deixou descontentes os oficiais paulistas ao chamar a atenção em público do então chefe da inteligência da PM, coronel João Silva Soares Castilho, que fazia anotações no celular. O constrangimento público teve grande repercussão.

Dias depois, porém, Doria gravou um vídeo com Castilho dizendo que estava tudo bem entre eles. O PM está hoje na reserva.

Um dos últimos episódios que desagradaram os policiais militares, embora sem repercussão na imprensa, foi a premiação do policial Nota 10, em julho deste ano.

Segundo policiais militares, Doria cumprimentou com aperto de mão todos os policiais civis do evento, mas não fez a mesma coisa com os PMs –incluindo o comandante-geral Fernando Alencar Medeiros.

Jair Bolsonaro, por outro lado, tem um histórico de acenos à categoria, ainda do período em que era deputado federal. Como presidente a República, esteve em São Vicente, no litoral paulista, em 2020, no velório de um PM que se afogou tentando salvar quatro crianças que se afogavam.

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