Descrição de chapéu A máquina de Doria

Doria dribla transparência de repasse de verba política, e Folha organiza dados a partir de caixas de papelão

Reportagem faz 5.284 fotografias de folhas de papel e transforma os dados em planilhas

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São Paulo

Enquanto deputados falam abertamente sobre o pagamento do que chamam de "emendas voluntárias" pela gestão João Doria (PSDB), o vínculo desses repasses de verba pública a cada parlamentar não é divulgado pelo Governo de São Paulo e, portanto, os valores são desconhecidos da população.

As emendas são valores indicados por deputados para irrigar as cidades onde atuam politicamente com obras de infraestrutura, custeio de saúde e outros benefícios. As emendas impositivas devem ser pagas obrigatoriamente pelo governo, já as voluntárias são extras.

Em março, a Folha fez um pedido à Secretaria da Casa Civil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), no qual solicitou a lista de emendas impositivas e voluntárias. A resposta incluiu apenas a lista de emendas impositivas, que está publicada no site da pasta.

O site deveria informar também se as emendas foram empenhadas ou pagas, mas esse detalhamento não foi publicado em relação ao ano de 2021 e está desatualizado em relação ao ano de 2020.

Caixas com registros de liberação de verba pelo governo Doria para deputados estaduais e federais, em 2020 e 2021, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI)
Caixas com registros de liberação de verba pelo governo Doria para deputados estaduais e federais, em 2020 e 2021, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI) - Carolina Linhares/Folhapress

Em maio, após novos indícios do pagamento dessas verbas extras a deputados, que oficialmente são chamadas de "demandas parlamentares", a reportagem fez três novos pedidos via LAI, solicitando uma planilha digital e editável dos repasses, com indicação de data, cidade, parlamentar e objeto.

O governo não enviou os dados e tratou a pergunta como relativa a toda e qualquer demanda feita à gestão estadual.

A Casa Civil respondeu que todas as demandas executadas estão no Diário Oficial e que demandas ao governo são feitas por parlamentares “ou por qualquer cidadão [...] das mais diversas formas: em reuniões, audiências, ofícios, telefonemas, e-mails ou até diretamente para as secretarias de interesse”.

Em junho, a Folha fez três novos pedidos, e o governo mais uma vez não enviou os dados sistematizados. Desta vez, porém, autorizou a consulta de documentos armazenados fisicamente em caixas de papelão e disponibilizados aos repórteres em uma sala de reunião do Palácio dos Bandeirantes por dois dias.

Os documentos não poderiam sair do local, então a dupla de repórteres fez 5.284 fotografias das folhas de papel. Depois disso, foram duas semanas transformando os dados captados em planilhas. Como havia repetições e erros, o resultado foi de 4.566 emendas voluntárias catalogadas.

"Embora na letra fria da lei o pedido tenha sido cumprido, o que chama atenção é que tudo indica que houve a adoção de um procedimento para dificultar o acesso à informação, o que é lamentável", diz Marina Atoji, da ONG Transparência Brasil.

A Casa Civil não informou se mantém os dados digitalizados e por que essas informações não estão acessíveis à população.

“As solicitações têm tratamento transparente para garantir a lisura do processo, com cada andamento da requisição sendo informado ao solicitante. A Folha teve acesso total e irrestrito aos documentos solicitados. As suposições apontadas nos questionamentos realizados não encontram qualquer amparo na realidade”, respondeu o governo em nota.

A reportagem ainda checou os dados obtidos com dezenas de deputados, secretários e ex-integrantes do governo. Parte deles afirmou que o governo de fato ofereceu valores fechados para que eles direcionassem os repasses a suas bases políticas.

Devido à forma precária como o governo apresentou as informações à reportagem, os dados podem não estar completamente precisos.

Por exemplo, os registros de liberações de verba a ao menos um parlamentar, o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania), não estavam nas caixas disponíveis à Folha, apesar de serem de conhecimento da reportagem.

Cury, que foi suspenso da Assembleia por seis meses por ter apalpado a deputada Isa Penna (PSOL), afirmou estar afastado e não ter informações sobre o assunto.

Já o governo disse em nota que, "enquanto estiver com mandato suspenso, as demandas apresentadas pelo deputado estadual Fernando Cury não tramitam no Governo de São Paulo".

As caixas, porém, tinham demandas de outros parlamentares que não exercem mandato no momento, como Cauê Macris e Miguel Haddad (ambos do PSDB).

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