Entenda a atual regra das coligações eleitorais, alvo da Câmara mas com apoio do Senado

Deputados aprovam volta das coligações após Lira pautar reforma a jato; alianças tendem a estimular proliferação de partidos

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São Paulo e Brasília

Após meses de debates, a Câmara dos Deputados concluiu nesta terça-feira (17) a votação da reforma eleitoral que retoma a possibilidade de coligações nas eleições para deputados e vereadores, além de colocar na Constituição amarras ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O segundo turno da PEC (proposta de emenda à Constituição) foi aprovado por 347 votos a 135. Por se tratar de mudança na Constituição, era preciso haver ao menos 308 dos 513 votos. Agora, o texto segue para o Senado.

Para valer para as eleições de 2022, as mudanças têm que ser promulgadas até o início de outubro deste ano.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já afirmou não ver apoio substancial entre os senadores para alterações no sistema eleitoral. Deputados reconhecem que haverá dificuldade para aprovar de fato, por lá, a volta das coligações.

O fim das coligações para a eleição ao Legislativo foi uma das medidas mais elogiadas dos últimos anos, já que tende a sufocar agremiações de aluguel e reduzir a sopa de letras partidária do país, que tem hoje 33 legendas.

Partidos nanicos tendem a obter vagas no Legislativo apenas em coligações com siglas maiores. A proibição dessas alianças começou a valer na eleição municipal de 2020.

Juntamente com a cláusula de barreira —que tira recursos das siglas com baixo desempenho nas urnas—, essa medida visava reduzir o número de partidos no Brasil.

Apesar de a medida ser considerada uma ação de racionalização do sistema político nacional, houve uma expressiva mobilização na Câmara ou para a volta das coligações ou para a criação do distritão. Ambas as propostas são criticadas pela ciência política.

A volta das coligações

O que são
Desde 2020 os partidos estão proibidos de se coligar para a eleição de deputados e vereadores. A coligação para as eleições majoritárias permanece

Por que as coligações foram proibidas
Objetivo foi sufocar agremiações de aluguel e reduzir o número de partidos hoje no país (33)

Por que podem voltar
Partidos nanicos e médios tendem a obter vagas no Legislativo apenas em coligações com siglas maiores. Com isso, pressionam pela retomada do modelo

Por que teria que se optar entre coligações e distritão
O atual sistema distribui as cadeiras com base em todos os votos dados na legenda e aos candidatos dos partidos. Quanto maior e mais forte a coligação, mais chances há de partidos menores elegerem representantes. No distritão, são eleitos os mais votados, ou seja, coligações são inócuas.

O cientista político Claudio Gonçalves Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, acredita que houve uma estratégia política de lançar a ideia de distritão como artifício para facilitar a volta das coligações.

“O distritão era um bode que colocaram na sala para poder depois para falar: ‘Dos males, o menor. Vamos com a volta das coligações proporcionais’. Tanto que o acordo foi tão rápido que é difícil não imaginar que não era disso que se tratava.”

Perguntas e respostas sobre o sistema

Quando a nova regra passou a valer? A principal mudança no formato das eleições municipais de 2020 foi no veto de coligações para o cargo de vereador. As coligações consistem na união de diferentes partidos para a disputar do pleito.

A novidade veio com a Emenda Constitucional nº 97, de 2017, que passou a proibir a celebração de coligações nas eleições para vereadores, deputado estadual, federal e distrital. A união de partidos em chapas ainda vale para os cargos majoritários —prefeito, senador, governador e presidente da República.

Com a determinação, os candidatos aos cargos de vereador somente puderam participar em chapa única dentro do partido. Deputados e representantes partidários dizem que o novo sistema deve enfraquecer partidos menores, que pegavam carona na estrutura de campanha dos partidos maiores.

Como os votos são distribuídos nas eleições proporcionais? Nas eleições majoritárias (para prefeito, governador, senador e presidente) considera-se o voto em cada candidato, e o mais votado se elege.

Na proporcional, para deputados e vereadores, é considerada a soma de votos obtidos por todos os candidatos de um partido mais os votos obtidos pela legenda (o eleitor pode dar seu voto a um partido, sem escolher um nome específico lançado por ele).

O total será usado em uma conta que vai determinar o número de vagas ocupadas por cada partido. O modelo permite que um candidato mal votado consiga se eleger quando está em uma chapa forte ou quando concorre ao lado dos chamados puxadores de votos.

Como é feita a equação? Finalizada a eleição, os votos válidos (excluídos nulos e brancos) são somados e divididos pelo número de assentos na Casa. No caso da Câmara dos Deputados, a divisão leva em conta o número de cadeiras a que o estado tem direito. O resultado obtido é chamado de quociente eleitoral.

Depois, cada partido tem calculado um outro quociente, o partidário. Os votos que todos os membros do grupo receberam são somados e depois divididos pelo quociente eleitoral. No cálculo do quociente partidário, se o resultado da divisão for 5,8, o quociente partidário é 5, pois despreza-se a fração. Esse é o número de vagas a que o partido terá direito, e então são considerados os votos individuais.

O que mudou na prática? A equação permanece igual, porém, não são mais permitidas as chamadas coligações. Antes, vários partidos podiam concorrer em uma mesma chapa, fazendo crescer o quociente partidário e, portanto, a chance de conseguir mais vagas.

Agora os partidos têm de concorrer sozinhos. Segundo avaliação de deputados ouvidos pela reportagem, essa mudança tende a enfraquecer partidos menores, que antes podiam se coligar a partidos maiores ou apresentarem blocos maiores de candidaturas. A longo prazo, por exemplo, existe a tendência de fusão entre pequenos partidos.

Por que se dizia que as coligações "enganavam" o eleitor? Quando um candidato tem uma votação muito expressiva, infla o quociente partidário. Como nem sempre as coligações eram formadas por simples alinhamento ideológico, uma pessoa podia votar em um candidato progressista e acabava elegendo um outro de um partido conservador, e vice-versa. Com a reforma de 2017, esse fenômeno não existe mais.

Um candidato com muitos votos ainda pode ajudar a eleger outros com votação inexpressiva? Hoje, um candidato bem votado ainda pode puxar outros sem tantos votos, mas todos eles serão da mesma legenda.

Uma regra em vigor desde 2018 define que só podem ser eleitos aqueles que tiverem votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (divisão do total de votos válidos da eleição pelo número de vagas). A ideia é evitar que sejam eleitos candidatos sem nenhuma expressão nas urnas.

Um estudo das pesquisadoras da FGV Lara Mesquita e Gabriela Campos, entretanto, mostrou que, de 1998 a 2014, só nove deputados federais foram eleitos sem votação de no mínimo 10% do QE de seu estado —todos eles em São Paulo. Dos nove, cinco foram puxados por Enéas Carneiro (Prona), em 2002, e quatro por Celso Russomanno (PRB), em 2014.

Quem perde com a volta das coligações? Em tese, são os partidos maiores, que poderiam até mesmo incorporar os menores que obtivessem fraco resultado nas urnas. Mas, mesmo entre as siglas à frente no número de congressistas, também houve apoio à proposta.

O professor Claudio Couto vê um cálculo político também dos partidos maiores com essa reviravolta.

“Eles estão pensando um pouco nas suas alianças. Os partidos maiores trabalham com esses partidos. Para alguns, votar contra isso seria jogar ao mar seus aliados. O caso típico é o do PT com o do PC do B. Quando o PT faz essa concessão, está tentando manter as boas relações.”

Para o advogado e cientista político Marcelo Issa, da ONG Transparência Partidária, com eventual mudança, a compreensão da legislação pelos atores envolvidos e pelo Judiciário também ficará prejudicada.

“Até a avaliação das regras é difícil de se fazer, como não fazem mais de duas eleições seguidas com as mesmas regras. Fica bastante nítido que essas alterações ocorrem com um espírito imediatista de autopreservação de quem já tem mandato.”

Como funciona em outros países? Pesquisadores afirmam que o nível de fragmentação do sistema partidário no Brasil representa um recorde. Também dizem desconhecer paralelo com o de coligação em eleições proporcionais.

No Brasil, no modelo de coligação partidária, não há nenhuma obrigação para que as legendas mantenham as alianças no momento seguinte ao pleito.

O que o Judiciário já decidiu sobre cláusula de barreira? Uma tentativa de impor travas a partidos menores nos anos 2000 acabou derrubada no Supremo Tribunal Federal.

A corte decidiu em 2006 que a cláusula de barreira, prevista na Lei dos Partidos Políticos, era inconstitucional por cercear o pluralismo político.

Essa regra estabelecia percentuais mínimos de votação para que as legendas tivessem direito a fundo partidário e espaço no horário de TV e rádio. Com outro formato, o mecanismo voltou a existir a partir das mudanças aprovadas em 2017.

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