Jogue um tubarão num lago com peixes menores e o resultado será previsível. Faça o mesmo com adoráveis peixes-palhaço numa piscina com vorazes cações e o cenário será igual, com sinal trocado.
Desta forma, o embate antecipado entre o líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e a CPI da Covid permitiria um caso raro de incerteza do placar.
Seguindo a analogia píscea, era tubarão contra tubarão, ainda que tanto oposição quanto governo tenham em suas fileiras notórios seres aquáticos de menor calibre.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), admoestou Barros a não ser um tucunaré e morrer pela boca, na enésima tirada amazônica que usou para sair bem na foto das redes sociais, mas não conseguiu dobrar o homem de Maringá.
Com uma exibição exuberante de cinismo e despudor político, Barros venceu. Ciente dos limites da CPI e se aproveitando da mudança de sua condição para a de convidado, não convocado, o deputado manobrou com habilidade.
Mostrou disposição de colaborar e de responder ao colegiado, exibindo conhecimento de quem já foi ministro da Saúde e viu seu nome envolvido em suspeitas diversas nos meandros da máquina. Só não manteve o compromisso com a verdade.
Para ficar em dois momentos exemplares, disse que o presidente nunca confirmou ter dito ao deputado Luis Miranda (DEM-DF) que o rolo da compra da Covaxin era assunto de Barros. Pois é, mas também nunca negou.
O caso, ao lado de outras traficâncias suspeitas apuradas posteriormente, ajudou a colar em Bolsonaro a pecha de corrupto, erodindo uma das pernas de seu apoio desde a campanha de 2018.
Em outro ponto, o deputado disse de forma desassombrada que a CPI atrapalhou a chegada de novas vacinas para o Brasil. Ora, tudo o que está sendo apurado sobre o tema imunizantes ocorreu antes da instalação da comissão, com a evidente culpa de Bolsonaro em atrapalhar o processo em 2020.
Barros ainda citou o caso da vacina chinesa da CanSino, mas ela foi vetada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em junho, e não desistiu do Brasil porque a comissão do Senado estava ativa
Barros apelou, apoiado pela tropa de choque governista na CPI. No grito, conseguiu ver a sessão suspensa, protagonizando a seguir uma cena inusitada.
Toda comissão do gênero é dividida entre os que acusam e os que protegem, mas pareceu excessivo mesmo para o padrão frouxo de Brasília ver o depoente concedendo uma entrevista coletiva ao lado de seus integrantes.
Em outros episódios, Barros encarnou ainda melhor o tubarão e apontou fragilidades evidentes da CPI. Mostrou falhas técnicas e criticou o caráter de inquisição visando responsabilizar o governo Bolsonaro.
Isso tem ressonância em parte do público, mesmo não entusiasta do governo. Na prática, contudo, Barros sabe que é um jogo perdido: a CPI conseguiu organizar diversas linhas discursivas e trouxe novidades inauditas ao longo de sua primeira temporada, antes do recesso parlamentar.
Por isso mesmo resolveu tentar jogar na confusão, talvez estabelecendo um padrão para o segundo tempo da partida.
Como Aziz e Renan Calheiros (MDB-AL) estão longe de serem peixes-palhaços, haverá certamente uma dosimetria para tentar evitar isso, e ela pôde ser vista com a retomada da sessão. Aziz encerrou os trabalhos e disse que Barros teria de voltar como convocado.
Logo, sujeito a prisão e afins se mentir. Mas também com a chance de ele ir ao Supremo Tribunal Federal e sair um um direito de sair calado, gerando impasse, apesar de sua atitude de confronto.
Ainda assim, o alerta para a CPI está dado, e o tempo corre para que a comissão monte seu caso antes que o fastio natural com esse tipo de apuração seja engolido pela cacofonia que parece ser a ênfase dos governistas a partir de agora.
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