Lira diz que levará a plenário da Câmara proposta de voto impresso defendida por Bolsonaro e derrotada em comissão

Segundo aliados do presidente da Casa, objetivo é derrotar PEC com a maioria dos deputados e esvaziar o discurso do mandatário

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Brasília

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou nesta sexta-feira (6) que vai levar a PEC (proposta de emenda à constituição) do voto impresso ao plenário da Casa, mesmo após o texto ter sido derrotado em comissão especial na noite de quinta-feira (5).

O texto deve ser votado na próxima terça-feira (10) no plenário, segundo aliados do presidente da Casa. A tendência, segundo caciques do centrão, é que a matéria seja derrotada.

Pessoas próximas de Lira dizem que a estratégia do presidente da Câmara é enterrar o assunto com a rejeição do tema pela maioria dos deputados. Assim, avaliam parlamentares, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que defende a PEC, ficaria com o discurso esvaziado, pois não haveria mais proposta a ser discutida.

Apesar da dificuldade, aliados de Bolsonaro ainda insistem em um meio-termo, como antecipou o Painel. Uma ideia é que 2% das urnas tenham impressoras.

A interlocutores, no bastidor, o deputado, porém, disse que cobrou de Bolsonaro respeito ao resultado do plenário e espera que ele encerre as ameaças com o voto impresso. O presidente teria dito que respeitará a decisão dos deputados.

​Lira convocou a imprensa para um pronunciamento no fim da tarde desta sexta. Segundo ele, o objetivo de levar o texto ao plenário é para que os "parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica" se manifestem sobre o assunto, que, afirmou ele, divide o país.

“O plenário será o juiz desta disputa, que, infelizmente, já foi longe demais”, declarou o presidente da Câmara.

"O voto impresso está pautando o Brasil. Não é justo com o país e com o que a Câmara dos Deputados tem feito para enfrentar os grandes problemas do Brasil desde que assumi a presidência desta Casa", disse.

"Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar a questão do voto impresso para o plenário, onde todos os parlamentares eleitos legitimamente pela urna eletrônica vão decidir", ressaltou.

O presidente da Câmara afirmou que, para quem fala que a democracia está em risco, não há nada mais livre, amplo e representativo do que deixar o plenário se manifestar.

"Repito, não contem comigo com qualquer movimento que rompa ou macule a independência e a harmonia entre os Poderes, ainda mais como chefe do Poder que mais representa a vontade do povo brasileiro."

Lira disse ainda que seguirá pregando a harmonia entre os Poderes e fez uma referência velada à sua prerrogativa de avaliar pedidos de impeachment contra o presidente da República. "O botão amarelo continua apertado. Segue com a pressão do meu dedo. Estou atento. 24 horas atento. Todo tempo é tempo."

Pouco após a fala de Lira, o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, que participava de um evento em São Paulo, foi questionado por jornalistas sobre a decisão de Lira. O magistrado disse que cabe ao Legislativo deliberar sobre o tema. "Está no lugar certo, no Congresso", afirmou.

Já a oposição na Câmara criticou a medida do presidente da Casa.

"Regimentalmente, ele até pode levar para o plenário, mas, politicamente, não deveria. Com isso, Lira prorrogará a tensão política que o país vive, permitindo o avanço da escalada golpista de Bolsonaro", afirmou o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ).

"É um erro gravíssimo diante da derrota acachapante da proposta na comissão especial. O que se espera do presidente da Câmara é a demonstração de que o Parlamento não aceita ameaças, não se submete a chantagens e tem compromisso inquebrável com a democracia. Essa resposta da Câmara virá da votação no plenário, que derrotará o golpe do voto impresso.”​

Para aprovar uma PEC são necessários ao menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em votação em dois turnos. Para valer nas eleições de 2022, a proposta teria que ser promulgada até o início de outubro deste ano.

O anúncio de Lira ocorreu horas depois de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmar que há uma tendência do Congresso Nacional rechaçar a mudança do voto eletrônico para o impresso, como defende Bolsonaro.

"O que se avizinha é uma solução com a votação de ontem [quinta] na comissão da Câmara dos Deputados, um reconhecimento, de que a tese do presidente, de seus apoiadores e parlamentares, é uma tese que a princípio será vencida”, disse Pacheco. “Sendo vencida, todos aqueles que foram vitoriosos na tese, e derrotados na tese, haverão de respeitar, porque isso é democrático, o resultado das eleições de 2022."

"O que não podemos é questionar a pretexto disso a lisura e legitimidade das eleições de 2022. Há uma tendência muito forte a partir dessa votação na Câmara que este assunto se encerre na Câmara. Caso não se encerre, o Senado, no seu momento oportuno, prevalecendo a maioria, decidirá a respeito desse tema", continuou o presidente do Senado.

Na quinta-feira, a comissão especial da Câmara rejeitou o parecer favorável à PEC por 23 votos a 11. O deputado Júnior Mano (PL-CE), relator inicial escolhido para fazer o novo parecer refletindo a posição majoritária da comissão, contrária à mudança, desistiu da tarefa.

Ele foi substituído pelo deputado Raul Henry (MDB-PE), que, em reunião do colegiado realizada na noite desta sexta, recomendou o arquivamento da PEC. Esse parecer foi aprovado por 22 a 11.

A impressão do voto é uma das bandeiras de Bolsonaro, que usa o tema para escalar ameaças golpistas contra as eleições de 2022.

Em 29 de julho, o presidente da República realizou uma live para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações, mas trouxe apenas teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente. Ao longo de sua fala, o presidente mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.

O modelo atual de votação já tem várias camadas de proteção e auditoria, em suas diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao TSE. Até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.

O anúncio desta sexta ocorre dois dias após Lira defender uma auditagem “mais transparente” para evitar que a eleição seja contestada.

“Eu não tenho nenhum fato relevante que eu possa falar que houve fraude nas urnas eletrônicas. Eu não posso desconfiar do sistema em que eu fui eleito”, disse na quarta-feira (4).

“Mas a discussão é: se não há falhas, se não há problema, por que nós ficarmos discutindo essa versão? Por que essa versão cresce? O Brasil é feito com problemas de versões, é isso que a gente tenta combater”, ressaltou Lira.

“Então, na minha visão, também se não há problemas não há por que nós não chegarmos numa situação de termos uma auditagem, seja lá de que maneira for, de forma mais transparente, para que não se tenha uma eleição, independente de quem seja eleito, contestada”, complementou na ocasião.

Nas últimas semanas, Bolsonaro provocou uma crise institucional ao afirmar que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não seja adotada uma modalidade de voto confiável —na visão dele, o impresso.

Além disso, disse cogitar não participar das eleições do ano que vem se mantido o sistema atual de urnas eletrônicas.

A bandeira levantada pelo chefe do Executivo é rechaçada pelo TSE e por diversos líderes partidários. De acordo com críticos, o discurso bolsonarista de que as urnas não seriam seguras pode abrir brecha para que Bolsonaro conteste o resultado das eleições, caso não seja reeleito.

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