Morre aos 77 anos o publicitário Duda Mendonça, que comandou a campanha de Lula em 2002

Baiano, símbolo de época de protagonismo dos marqueteiros políticos, viveu auge nos anos 1990 e 2000 e saiu de cena com envolvimento em casos de corrupção

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São Paulo

Remanescente da era de apogeu dos marqueteiros políticos, o publicitário Duda Mendonça morreu aos 77 anos, nesta segunda-feira (16), em São Paulo. Ele ficou conhecido por comandar campanhas eleitorais como a que levou o petista Luiz Inácio Lula da Silva a seu primeiro mandato presidencial, em 2002.

A causa da morte não foi informada. Duda estava internado desde junho no Hospital Sírio-Libanês. De acordo com a GloboNews, ele tratava um câncer no cérebro e foi diagnosticado com Covid.

Essa foi a segunda vez neste ano que o publicitário passou pelo Sírio, segundo o UOL. A Folha procurou o hospital, mas a família não autorizou a divulgação de informações e de boletins médicos. Duda teve cinco filhos e era casado com Aline Mendonça.

O publicitário Duda Mendonça durante entrevista para a Folha e o UOL, em 2013 - Victor Moriyama - 12.jun.2013/Folhapress

Baiano de Salvador, José Eduardo Cavalcanti de Mendonça fez parte de uma geração de publicitários que, sob contratos milionários, coordenaram campanhas eleitorais misturando os papéis de marqueteiro e estrategista político, nas décadas de 1990 e 2000.

Tinha a ousadia e o bom humor como traços marcantes, segundo amigos. Na publicidade, valorizava o uso de linguagem popular e jingles. Emprestou características como irreverência, emoção e criatividade também a campanhas de produtos e empresas.

Ao longo de sua trajetória, Duda foi implicado em investigações de corrupção como mensalão e Operação Lava Jato. Também protagonizou escândalos como a prisão em flagrante por participação em uma rinha de galos em um sítio no Rio de Janeiro, em 2004.

A morte foi lamentada por políticos —sobretudo do PT, partido com o qual teve intensa colaboração— e colegas de profissão.

"Duda Mendonça foi um gênio da comunicação política. O seu trabalho na campanha de 2002 já está na história como uma das campanhas mais bonitas e sensíveis da nossa história", disse em nota Lula, que é pré-candidato à Presidência em 2022 e lidera as pesquisas.

Além de ter levado o petista ao Planalto, ancorado no mote “Lulinha paz e amor”, Duda já havia ajudado a eleger para a Prefeitura de São Paulo, nos anos 1990, Paulo Maluf e seu sucessor e aliado, Celso Pitta. Com Maluf, o marqueteiro usou como logomarca um coração para humanizar o candidato.

A contratação do ex-malufista foi bancada por Lula, que entregou a ele a missão de traduzir em imagens uma versão light do então candidato do PT. Para afastar temores de setores do eleitorado e do mercado com a eventual vitória, o estilo agressivo e radical saiu do mapa.

A repaginação foi crucial na jornada rumo ao poder de Lula, que estava em sua quarta tentativa de chegar à Presidência. Com o discurso suavizado, o projeto palatável à elite econômica e a aura emotiva das propagandas criadas por Duda, o petista finalmente se elegeu.

Agora disposto a voltar ao Planalto, o ex-presidente tem reeditado o tom ameno em discursos e entrevistas, evitando remoer mágoas do período de 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba e buscando falar do futuro do país, em vez de martelar suas condenações na Lava Jato, já anuladas.

Lula entre seu assessor José Graziano (à esq.) e seu marqueteiro, Duda Mendonça (à dir.), durante o primeiro debate dos candidatos à Presidência em 2002, promovido pela TV Bandeirantes - Jorge Araújo - 4.ago.2002/Folhapress

Trabalhou ainda em campanhas ao Senado de Marta Suplicy (então no PT) e Lindbergh Farias (PT). Em 2014, coordenou as campanhas fracassadas de Delcídio do Amaral (à época no PT) ao Governo de Mato Grosso Sul e de Paulo Skaf (MDB) ao Governo de São Paulo.

Sua participação na campanha de Skaf o levou mais uma vez a ser alvo de investigações do Ministério Público e da Polícia Federal. O marqueteiro foi delatado na Lava Jato por executivos da empreiteira Odebrecht, acusado de receber pagamentos do trabalho ao emedebista por meio de caixa dois.

Meses depois, Duda também se tornou delator, tendo sua colaboração homologada pelo Supremo Tribunal Federal em junho de 2018. Skaf sempre negou as suspeitas de desvios.

O marqueteiro virou um dos personagens principais do mensalão, em 2005, quando apareceu sem avisar em uma CPI em andamento e admitiu ter recebido ilegalmente do PT dinheiro da campanha de 2002, como parte do esquema de caixa dois da legenda.

O marqueteiro chegou a chorar durante o depoimento, de quase dez horas. Sete anos depois, ele foi absolvido pelo Supremo.

Em entrevista à Folha em 2018, indagado sobre a possibilidade de fazer campanha sem caixa dois, Duda disse achar "que sim, sobretudo para os que trabalham de forma correta". "Acrescentamos os impostos nos custos e dormimos em paz”, afirmou.

Apesar dos envolvimentos nos escândalos, o maior arrependimento de Duda na carreira não tem a ver com isso, conforme revelou na ocasião.

“O maior arrependimento é quando ajudamos a eleger alguém e depois ficamos desencantados com ele. Chegamos a uma conclusão frustrante: Deus nos deu um dom e verificamos que ajudamos a eleger a pessoa errada”, disse, sem citar nomes. “Não é correto dar os nomes das pessoas. Não há quem nunca erre.”

Além do Brasil, Duda foi marqueteiro eleitoral em países como Argentina e Portugal. No Brasil, estava afastado das grandes campanhas políticas, mas na entrevista de 2018 disse que havia recusado convites de candidatos naquele ano e não descartava voltar à área no futuro.

Na virada de 2012 para 2013, quando a reportagem da Folha acompanhou o Réveillon do publicitário em sua luxuosa casa em Taipus de Fora, no sul da Bahia, ele afirmou defender a redução dos custos de campanha, como forma de coibir caixa dois e doações ilícitas.

"Fazer TV é muito caro. É preciso acabar com esse horrível formato do horário eleitoral. Deveria haver um debate semanal no horário nobre. A interferência do marketing diminuiria", disse.

Na ocasião, Duda se definiu como alguém "mais de esquerda" (ressalvando que o eleitor é pragmático e escolhe quem pode melhorar sua vida, independentemente de ideologia). E refletiu sobre o trabalho do marqueteiro, afirmando que ele "aumenta o potencial do candidato, mas não faz nenhum milagre".

"Você pode passar detalhes técnicos a ele, mas não ensina o cara a debater. Isso depende do repertório de cada pessoa. E o marqueteiro só conhece as coisas de forma superficial —a gente vende leite, cerveja, sabão em pó."​

Filho de artista plástico, o baiano abandonou a Faculdade de Administração para ser corretor imobiliário. Em 1972, fundou sua própria imobiliária. Três anos depois, criou a agência de publicidade DM9, com as iniciais de seu nome.

Em 1977, alcançou projeção nacional com a campanha da pomada Gelol. Com o sucesso, recebeu o prêmio de agência do ano. Duda Mendonça também ganhou três vezes o Leão de Cannes, maior reconhecimento da publicidade mundial.

Na década de 1980, entrou no marketing político. A estreia foi com a vitoriosa campanha de Mário Kertész à Prefeitura de Salvador em 1985. Ajudou a forjar um estilo nacional de publicidade eleitoral, que molda as disputas até os dias de hoje, e formou gerações de profissionais para a área.

No livro "Casos & Coisas", que lançou em 2001, o baiano narrou bastidores de campanhas, abordou a paixão politicamente incorreta por brigas de galo, que dizia ser um de seus hobbies, e relembrou a carreira de corretor de imóveis, que lhe deu o capital inicial para montar sua primeira agência.

Duda trabalhou, entre outros, com o publicitário João Santana, que foi seu funcionário e chegou a ser seu sócio. Os dois desfizeram a parceria em 2001, e o ex-pupilo ascendeu para encabeçar as outras três campanhas seguintes do PT à Presidência, todas vitoriosas.

Hoje também um supermarqueteiro, Santana atua na pré-campanha de Ciro Gomes (PDT) à Presidência em 2022. Em nota, o publicitário disse que o ex-sócio "foi um divisor de águas no marketing político brasileiro". Duda também trabalhou em campanhas dos irmãos Ciro e Cid Gomes.

REPERCUSSÃO

"Duda Mendonça foi um gênio da comunicação política. O seu trabalho na campanha de 2002 já está na história como uma das campanhas mais bonitas e sensíveis da nossa história. Em um momento em que o Brasil sofria com uma crise aguda, racionamento de energia e miséria, Duda Mendonça produziu filmes e mensagens de muita sensibilidade, de que a esperança venceria o medo. Aos seus familiares e amigos, meus sentimentos."
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-presidente

"Eu comecei a minha carreira como estagiário do Duda Mendonça. E ele me ensinou a falar com o povão, o que sabia fazer como ninguém. Cunhou frases que fazem parte da cultura do Brasil e que viraram expressão popular, como: não basta ser pai, tem que participar."
Nizan Guanaes, publicitário

"Um dia de tristeza e dor pela morte meu amigo Duda Mendonca, sempre presente e solidário nos momentos mais duros e difíceis que passamos juntos. Publicitário genial, criativo, inovador, um dos maiores do nosso Brasil, responsável pela campanha na TV e rádio —que sabia fazer como ninguém— vitoriosa de Lula em 2002, mas principalmente amigo e companheiro. Deixo aqui meu abraço de conforto à sua esposa, Aline Lucas, e demais filhos e filhas."
José Dirceu (PT), ex-ministro

“É uma perda irreparável. Duda foi um divisor de águas no marketing político brasileiro. Para nossa área, teve o mesmo significado de Boni para a TV brasileira: criador de estilo e renovador de linguagens. Todos nós devemos muito a ele.”
João Santana, publicitário

"Duda Mendonça, ou 'Sansão' para os mais íntimos, deixa-nos com lembranças muito intensas, como foi sua vida. Foi um brilhante publicitário com indiscutível talento, especialmente para o marketing politico. De todos nós era o que melhor traduzia para suas campanhas a linguagem de rua, o chamado popular urbano. Ele vivia ali, junto e misturado com o povo e seus hábitos. Tinha amigos em todas as classes, os quais acolhia generoso em sua casa de coração grande. Em todas campanhas que fez, incluía os traços e trejeitos da gente brasileira. Fez escola, rompeu padrões, todos aprendemos com ele. Sinto sua partida."
Fernando Barros, publicitário e sócio e da agência Propeg

"Lamento a morte do baiano Duda Mendonça. Publicitário que teve o seu talento reconhecido no Brasil e no mundo. Meus sentimentos para familiares e amigos."
Rui Costa (PT), governador da Bahia

"A Bahia e o Brasil perdem um ícone da publicidade. Duda Mendonça revolucionou a comunicação no país com muita criatividade e inovação. Que Deus possa confortar a todos os seus familiares e amigos neste momento de profunda tristeza."
ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM

"Expresso meus sentimentos à esposa, filhos, família e amigos de Duda Mendonça, a quem devemos sempre agradecer pela contribuição ao longo de toda história do Partido dos Trabalhadores, em quase todas campanhas eleitorais importantes para o partido até 2004. Agradecemos muito a sua criatividade e disposição de ajudar os nossos objetivos maiores, como eleger Lula pela primeira vez em 2002."
Eduardo Suplicy (PT), vereador da capital paulista

"Duda Mendonça era um gênio do marketing político. Pouco importa para quem trabalhou. Fazia parte de um grupo de baianos supercriativos que revolucionou a comunicação no país. Deus o tenha."
Xico Graziano, um dos fundadores do PSDB e ex-assessor do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB)

"Eu sempre quis ser você. Eu sempre idolatrei sua genialidade sem invejá-la. Sempre quis ser elogiado pelas suas qualidades, como coragem, determinação, capacidade de crescer no aperto… Na verdade, eu sempre quis seu reconhecimento. E o reconhecimento de alguém tão grande não é algo fácil. Em toda sua vida eu fui determinado a isso. A lhe mostrar que sou capaz e assim receber seus aplausos. Isso me motivava a continuar. E agora? [...] Só me resta acreditar que você aí de cima vai olhar por mim e continuar me aplaudindo."
Lucas Mendonça, publicitário e filho de Duda Mendonça

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que afirmava versão anterior desta reportagem, Duda Mendonça atuou na campanha de Deldício do Amaral em Mato Grosso do Sul, e não Mato Grosso. O texto foi corrigido.

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