No Roda Viva, Doria erra ao falar sobre transparência, emendas e estudo do Butantan; veja checagem

Governador também negou declaração em rádio que foi compartilhada por sua própria conta do Twitter

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Maurício Moraes Nathália Afonso
Agência Lupa

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, desta segunda-feira (23). Ao ser questionado, ele falou sobre a gestão da pandemia, sua relação com a Assembleia Legislativa e o PSDB.

A Lupa verificou algumas frases ditas pelo governador durante a entrevista. Veja, abaixo, a checagem.

Os dados [sobre repasses de verbas políticas] estavam ali disponíveis. (...) Aliás, foram facultados aos jornalistas da Folha de S.Paulo, como aliás determina a lei

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

Em março de 2021, a Folha requisitou, via pedido pela LAI (Lei de Acesso à Informação), a lista de todas as emendas parlamentares de 2020 e 2021, impositivas ou voluntárias, solicitadas ao governo estadual, assim como o status da solicitação —se a verba foi ou não empenhada ou paga.

Em resposta, o governo estadual somente mandou uma lista de emendas impositivas disponível no site da Casa Civil, sem detalhamentos de pagamento —portanto, respondeu somente a parte do pedido, e de forma incompleta.

Em maio, o jornal voltou a requisitar essas informações, em três pedidos distintos. Foi solicitada “planilha digital e editável dos repasses, com indicação de data, cidade, parlamentar e objeto”, algo fundamental para que se faça uma análise das informações. O governo, desta vez, não enviou os dados.

Em junho, mais três pedidos foram feitos solicitando os dados. Nessa ocasião, o governo não enviou os documentos no formato solicitado, mas permitiu que dois repórteres consultassem esses registros in loco. Eles tiveram que tirar fotos de 5.284 folhas avulsas de papel.

A LAI determina, em seu artigo 8º, que “é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”.

O governo de São Paulo só permitiu acesso aos documentos após sete tentativas e, mesmo assim, em um formato que só poderia ser analisado por pessoas com tempo e recurso disponíveis para tanto. Um cidadão que mora no interior, por exemplo, não teria como acessar essas informações diretamente, ainda que não exista nenhuma restrição técnica que impeça que esses dados sejam publicados diretamente na internet.

Em nota, a assessoria do governador disse que a Lupa “erra” ao classificar a afirmação como falsa, já que as solicitações foram respondidas “dentro do prazo” e que a LAI permite que documentos físicos sejam fornecidos para consulta em lugar e horário específicos, em seu artigo 11.

Aqui nós não estabelecemos privilégio para um [deputado] em detrimento de outro. Tratamos, aliás, com muito respeito, todos os parlamentares, de situação e de oposição

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

Ao contrário do que afirma Doria, o governo atendeu demandas parlamentares de deputados da base de apoio muito mais do que pedidos da oposição. Ao todo, 94% dos deputados que votaram a favor do projeto de lei 529/2020 (45 parlamentares dentre 48), o chamado ajuste fiscal do governo estadual, tiveram demandas orçamentárias atendidas, além das chamadas emendas impositivas. Entre os deputados que votaram contra a proposta, apenas 16% (6 dentre 37) tiveram demandas extras atendidas.

Todos os deputados, de oposição ou situação, têm direito a definir a destinação de uma fatia de R$ 5,12 milhões do orçamento estadual. Essas são as chamadas emendas impositivas, pois o governo é obrigado a pagá-las até o fim do exercício.

A administração estadual pode também atender a demandas acima desse limite. Entre esses pedidos, Doria tende a atender aliados de forma quase exclusiva. Em 2021, o governo destinou R$ 738 milhões a essas demandas. Os dados foram conseguidos pela Folha via LAI.

Em nota, a assessoria do governador diz que a afirmação é “verdadeira”, visto que demandas de deputados de oposição “foram atendidas”. Segundo a assessoria, o atendimento “recebe avaliação técnica de viabilidade para sua liberação ou não, independente de partido”.

Eu nunca disse que a polícia de São Paulo ia atirar para matar. Eu não sei de onde vieram essas aspas, mas não são minhas

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

No dia 1º de outubro de 2018, Doria, então candidato ao governo de São Paulo, afirmou, em entrevista, que as polícias de São Paulo iriam atirar “para matar” em todas as pessoas que resistissem à prisão.

Em entrevista à rádio Bandeirantes, ele disse: “Não façam o enfrentamento da Polícia Militar nem da Polícia Civil, porque, a partir de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão.”

Um dos entrevistadores perguntou, em seguida, o que significa a expressão “vão para o chão”. “É exatamente isso que você entendeu. Se fizer o enfrentamento, é melhor se render, se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E a polícia atira para matar”, completou. O trecho da entrevista pode ser visto no Twitter oficial do governador.

No dia seguinte, o comandante-geral da Polícia Militar disse que a PM visa pela preservação da vida e que os agentes precisam atuar de forma técnica e legal.

Naquele mesmo mês, ele voltou a fazer afirmação semelhante em entrevista à Jovem Pan. Durante a conversa, Doria falou sobre algumas medidas de segurança quando voltou a mencionar o seu posicionamento no início do mês.

Ele disse que muitas pessoas ficaram na dúvida se ele realmente tinha dito a frase, então ele iria reafirmar. “Bandido que tiver a coragem de reagir a Polícia Militar vai atirar para imobilizar, não vai para matar. Mas se continuar a reagir vai atirar para colocar no cemitério”, afirmou.

Em nota, a assessoria do governador disse que a frase foi retirada de contexto e que Doria nunca defendeu que a polícia atirasse de “forma indiscriminada" em criminosos, mas que deve “reagir à altura”.

A única reunião que ele [Bolsonaro] participou com os governadores fui eu que organizei nos primeiros 15 dias de janeiro de 2019

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) teve pelo menos oito reuniões com a participação de governadores de diferentes estados durante o seu governo.

Houve também um encontro geral em 2018, após as eleições. Além disso, a reunião citada por Doria no Roda Viva, que, segundo ele, teria sido a única desse tipo e teria ocorrido nos primeiros 15 dias de janeiro de 2019, jamais aconteceu. Nesse período, Bolsonaro teve um encontro apenas com o governador de São Paulo e outras autoridades, e nenhum outro governador estava presente.

Bolsonaro teve seu primeiro encontro com os governadores eleitos em 14 de novembro de 2018, após vencer o segundo turno das eleições.

Já durante o governo, o presidente esteve em um café da manhã com a participação dos chefes dos Executivos estaduais, além dos presidentes da Câmara e do Senado, em 8 de maio de 2019. Na ocasião, eles discutiram o pacto federativo e a reforma da Previdência. A agenda da Presidência da República mostra ainda um encontro com os governadores de estados da Amazônia Legal em 27 de agosto de 2019, para debater o combate às queimadas na região.

Outros encontros ocorreram de forma virtual durante a pandemia da Covid-19. Bolsonaro fez duas videoconferências, com os governadores do Norte e Nordeste, em 23 de março de 2020; mais dois encontros virtuais com os governadores do Centro-Oeste e Sul, em 24 de março; e outra videoconferência com os mandatários do Sudeste, em 25 de março. Mais uma reunião online, desta vez com todos os governadores, ocorreu em 21 de maio do ano passado.

Além do encontro ocorrido em 10 de janeiro de 2019, Bolsonaro e o governador João Doria também tiveram reuniões naquele ano em 11 de fevereiro, 23 de abril e 11 de junho.

A Lupa questionou a assessoria do governador sobre essa declaração, mas não recebeu resposta.

Primeiro, os dados [sobre eficácia da Coronavac] não são meus nem do Butantan. São da Anvisa. Quem fez o estudo para homologar e validar a Coronavac foi a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Durante meses a Anvisa estudou, avaliou e ela que se pronunciou sobre a eficácia da vacina. Não foi nem o Butantan nem o governador de São Paulo

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

Em 12 de janeiro de 2021, o Instituto Butantan e o governo de São Paulo publicaram relatório informando que a Coronavac tinha 50,38% de eficácia para casos gerais e 78% de eficácia para casos leves de Covid-19.

Os dados foram retirados de estudo realizado pelo próprio instituto, em parceria com a Sinovac, empresa chinesa que desenvolveu o imunizante. O documento contém as marcas do instituto e do governo paulista e não há nenhuma menção ao suposto fato de a Anvisa ter coordenado o estudo —a agência é citada uma única vez, em uma lista de instituições que acompanharam os estudos.

Cinco dias antes, em 7 de janeiro, o instituto divulgou que a eficácia seria de 78% para casos leves da doença. No dia 12, um novo anúncio foi feito, desta vez citando a eficácia geral de 50,38% —o que gerou confusão. Esses dois números não são excludentes. A taxa de eficácia geral considera casos assintomáticos ou muito leves da doença, enquanto o número mencionado inicialmente não leva essas ocorrências em consideração. Em momento algum o instituto afirmou que os dados seriam da Anvisa.

A agência é responsável por autorizar o uso de imunizantes no país. Em seu site, a instituição explica que é responsável por “revisar todos os documentos técnicos e regulatórios e verificar os dados de segurança e eficácia, bem como avaliar a qualidade da vacina”. A realização dos estudos não é de sua responsabilidade.

A Lupa questionou a assessoria do governador sobre essa declaração, mas não recebeu resposta.

São Paulo foi o primeiro estado a decretar a quarentena

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

O estado de São Paulo não foi o primeira a decretar quarentena durante a pandemia da Covid-19, o que ocorreu em 22 de março de 2020, mas uma das últimas —as restrições começaram a vigorar em 24 de março.

Pelo menos 18 estados e o Distrito Federal anteciparam-se a São Paulo na publicação de decretos com medidas restritivas. Na época, casos começavam ser registrados por todo o país e, em 20 de março, o Ministério da Saúde declarou haver transmissão comunitária do novo coronavírus em todo o território nacional. Com isso, a maioria dos governadores decidiu agir para retardar a disseminação da doença.

Decretos com medidas de paralisação de atividades ou limitações de acesso para possibilitar o enfrentamento da doença foram emitidos antes de São Paulo por Santa Catarina (17 de março), Rio Grande do Sul (19 de março), Mato Grosso (16 de março), Rio de Janeiro (19 de março), Espírito Santo (20 de março), Goiás (17 de março), Bahia (16 de março), Alagoas (18 de março), Pernambuco (19 de março), Paraíba (21 de março), Rio Grande do Norte (18 de março), Ceará (19 de março), Piauí (19 de março), Maranhão (21 de março), Amapá (20 de março), Amazonas (21 de março), Rondônia (16 de março), Acre (20 de março) e Distrito Federal (19 de março).

Em nota, a assessoria de imprensa do governador disse que São Paulo foi o primeiro estado a anunciar um plano de prevenção à pandemia. Contudo, a frase dita por Doria no Roda Viva falava especificamente sobre o decreto de quarentena do estado.

Vencemos as eleições de 2016 para a Prefeitura de São Paulo, aliás no primeiro turno, pela primeira vez em 28 anos

João Doria

No programa Roda Viva

VERDADEIRO

Em 2016, Doria foi eleito prefeito de São Paulo no primeiro turno, com 53,29% dos votos. Nenhum de seus antecessores eleitos de acordo com as regras atuais atingiu mais de 50% no primeiro turno nas respectivas eleições.

Venceram, portanto, apenas no segundo turno, Fernando Haddad (PT) em 2012, Gilberto Kassab (DEM) em 2008, José Serra (PSDB) em 2004, Marta Suplicy (PT) em 2000, Celso Pitta (PPB) em 1996, Paulo Maluf (PDS) em 1992 e Luiza Erundina (PT) em 1989.

Antes de Doria, o último prefeito de São Paulo eleito no primeiro turno tinha sido Jânio Quadros (PTB), em 1985. Contudo, a eleição, naquela época, era de turno único. Ele recebeu 39,32% dos votos, e não seria eleito diretamente com as regras atuais.

E vencemos as eleições de 2018, também contrariando expectativas, inclusive de institutos de pesquisa que diziam que eu perderia no segundo turno. E nós vencemos

João Doria

No programa Roda Viva

FALSO

Na véspera do segundo turno das eleições de 2018, os dois principais institutos de pesquisa do país mostravam empate técnico entre Doria e seu adversário, Márcio França (PSB).

O Datafolha apontava liderança numérica de França, com 51% dos votos, mas, segundo o próprio instituto, “nessa situação não é possível afirmar qual candidato será o vencedor”.

Já o Ibope mostrava que ambos tinham 50% das intenções de votos válidos, com ligeira vantagem do candidato do PSB, considerando números anteriores ao arredondamento. Os institutos, portanto, não afirmaram que Doria perderia no segundo turno, mas sim que havia um empate técnico.

Na pesquisa de boca de urna, realizada no dia da votação, o empate técnico se repetiu no Datafolha e no Ibope, mas desta vez como Doria à frente, 52% a 48% em ambos os casos. Doria venceu a eleição com 51,75% dos votos válidos. A diferença entre os dois adversários foi de apenas 741.610 votos, sendo que Doria foi escolhido por 10.990.350 eleitores e França, por 10.248.740.

A assessoria de imprensa do governador diz que a afirmação de Doria está “correta”, já que ele se referiu à “vantagem numérica” do adversário.

A bancada do PSDB de São Paulo, sete deputados federais, os sete votaram contra Bolsonaro [na PEC do voto impresso]

João Doria

No programa Roda Viva

VERDADEIRO, MAS

Nenhum deputado do PSDB de São Paulo votou a favor da PEC (proposta de emenda à Constituição) 135/2019, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que instituia o voto impresso.

Contudo, uma das deputadas, Bruna Furlan, não registrou voto. Os outros seis congressistas tucanos do estado —Carlos Sampaio, Eduardo Cury, Samuel Moreira, Vanderlei Macris, Vitor Lippi e Alexandre Frota— votaram contra a proposta.

Edição: Chico Marés

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