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Processo eletrônico na Justiça tem celeridade afetada por rotinas da época do papel, mostra estudo

Excesso de medidas administrativas só poderia ser superado com alterações legais; falta de comunicação entre sistemas é outro problema do Judiciário

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Mogi das Cruzes (SP)

Embora os processos eletrônicos já representem 90% das novas novas ações no Sistema de Justiça brasileiro, conforme dados de 2019 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), rotinas administrativas herdadas do período em que tudo era papel seguem impactando a celeridade do Judiciário.

A conclusão faz parte de uma pesquisa sobre os efeitos da informatização judicial na eficiência do Judiciário desenvolvida pelo Insper, com o apoio do Instituto Betty e Jacob Lafer.

O estudo incluiu o mapeamento de 20 mil processos eletrônicos, 5.000 de cada um dos quatros tribunais selecionados: TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) e TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região).

Foram analisados processos de janeiro de 2017 a outubro de 2020. No caso do TRF-2, a coleta de dados foi feita a partir de fevereiro de 2018, quando o tribunal implementou seu sistema eletrônico.

Ao verificarem como funciona a tramitação desses processos, os pesquisadores chamaram de rotina o conjunto de três procedimentos praticados ao menos 20 vezes pelo tribunal —algo feito, na maioria das vezes, por servidores.

O maior número de rotinas foi identificado no TRF-2, com 1.562. O TJ fluminense aparece na sequência, com 1.157 rotinas.

Um corredor com vários estantes dos dois lados, carregadas com caixas de arquivo
Arquivo dos processos físicos do Tribunal de Justiça de São Paulo - Isadora Brant - 22.set.2011/Folhapress

Apesar desses procedimentos durarem, em média, menos de um dia, a pesquisa conclui que a exigência do cumprimento de um grande número delas talvez seja “um dos grandes obstáculos à celeridade do processo judicial pós-informatização”.

“O que a gente percebe é que no movimento de transição do processo de papel para o eletrônico, muitas mudanças que poderiam ter acontecido não aconteceram”, afirma a economista Luciana Yeung, coordenadora do estudo.

Em 2006, um estudo sobre cartórios judiciais, coordenado pelo professor da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto Paulo Eduardo Alves da Silva —que integra a equipe da pesquisa feita agora pelo Insper— já associava o volume de rotinas administrativas à morosidade processual.

Silva diz que houve avanços nesses 15 anos, mas que o chamado “tempo morto” dos processos, identificado na pesquisa anterior, persiste por estar atrelado ao modo como estão organizadas as práticas e os registros dos atos do processo.

Carolina Osse, mestranda em direito pela USP e pesquisadora do estudo, afirma que algumas rotinas deixaram de fazer sentido. Como exemplo ela cita as remessas e retornos para publicação no DJe (Diário da Justiça eletrônico).

“São rotinas encontradas com frequência nos registros e que, aparentemente, não têm uma função muito essencial na tramitação, além de registrar que haverá ou houve uma publicação —inclusive porque a publicação no DJe também é feita via eletrônica, remotamente”, diz Silva.

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“O cartorário tem tantas pequenas rotinas para cumprir em tantos processos que fica sobrecarregado com rotinas que poderiam ser automatizadas e acabam gerando morosidade do processo”, completa Osse.

Mudar isso, segundo os pesquisadores, só seria possível por meio de alterações nas legislações.

Em 2015, foi concluída a reforma do Código de Processo Civil, porém esses aspectos ficaram de lado no texto final, apesar de existirem apelos por uma uma simplificação dos procedimentos e debates para reduzir a demanda administrativa.

“[A reforma do CPC] Não considerou como funciona a burocracia judiciária e, junto a isso, desprezou as possibilidades que a informatização dos tribunais trariam —aliás, é um código pensado em torno do processo físico, que já virou exceção."

Um aspecto destacado pelos pesquisadores é que o fluxo do processo deixou de ser linear, com uma etapa sendo realizada após a outra. No processo eletrônico, são vários os procedimentos realizados de forma simultânea pelas diferentes partes envolvidas. Entretanto, as regras continuam de acordo com a estrutura antiga.

“Toda nossa legislação e, mais do que isso, o nosso próprio modelo processual, desde sempre, estruturam-se sobre essa sequência linear, que não existe mais. A mudança, nesse caso, é estrutural, completa. É preciso outra ideia de procedimento e regras processuais correspondentes”, afirma Silva.

Yeung acrescenta que a Justiça do país também pode aprender muito ao observar práticas de coleta de dados e mensuração usadas pelo sistema europeu.

“Uma das conclusões que a gente chega nesse projeto é que a informatização por si só não resolve os problemas. Tem que ser uma informatização bem pensada, planejada e casada com outras medidas. Tem que ser uma informatização inteligente, porque você tem que utilizar a máquina a favor da sociedade.”

Outro capítulo da pesquisa aborda os impactos da falta de unificação dos sistemas eletrônicos no Judiciário.

Só na Justiça estadual, até 2019, havia nove sistemas diferentes em operação, de acordo com dados do CNJ. Em Minas Gerais, por exemplo, há sistemas diferentes para a primeira e segunda instância, enquanto no Amazonas, o sistema usado na capital é diferente daquele usado no interior, diz o professor Silva.

A multiplicidade de sistemas, continua o pesquisador, começou com um problema de gestão, uma vez que o PJe —sistema que o CNJ busca implementar— foi criado somente em 2013 e se transformou em um problema político, já que existe uma queda de braço entre o conselho e os tribunais estaduais sobre qual deve ser o sistema padrão.

As diferenças estruturais e humanas de cada tribunal são alguns dos fatores que dificultam a padronização das cortes, mas para o professor o problema não é existirem múltiplos sistemas, mas a falta de comunicação entre eles.

Por conta disso, exemplifica Osse, servidores precisam gerar arquivos em PDFs de todas as partes do processo para que ele possa ser encaminhado, por vezes, no mesmo tribunal ou para seguir para instâncias superiores.

Do lado dos advogados, Yeung acrescenta que os diferentes sistemas criam ainda um problema de acesso à Justiça.

“Temos diferentes situações em que a maior comunicação entre os tribunais seria muito importante, principalmente quando pensamos em instâncias superiores, quando há necessidade de ter a comunicação entre esses processos”, diz.

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