Reverendo tenta proteger governo Bolsonaro na CPI e diz que conversa 'com quem manda' era 'bravata'

Em depoimento, ele nega influência em ministério, mas reconhece rapidez em pedidos; comissão quebra sigilo de líder do governo e evita confronto com Braga Netto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Em um depoimento com muitas contradições e lacunas, o reverendo Amilton Gomes de Paula afirmou à CPI da Covid, nesta terça-feira (3), que se tratou de uma “bravata” o áudio no qual afirma estar em contato “com quem manda” para tratar da negociação de vacinas contra a Covid-19.

Os membros da CPI dizem acreditar que ele se referia ao presidente Jair Bolsonaro ao usar a expressão "quem manda".

Ao longo de seu depoimento, o reverendo buscou proteger o governo federal e negou que tivesse contatos e influência no Ministério da Saúde e no Palácio do Planalto. Por outro lado, apresentou fatos que evidenciam a rapidez com que suas demandas foram tratadas no âmbito da pasta.

O reverendo Amilton Gomes de Paula em depoimento na CPI da Covid
O reverendo Amilton Gomes de Paula em depoimento na CPI da Covid - Adriano Machado/Reuters

Amilton foi convocado após depoentes da comissão relatarem que ele seria responsável por intermediar o contato entre Ministério da Saúde e vendedores não oficiais de vacina. O reverendo foi o responsável, por exemplo, por levar ao ministério o policial militar Luiz Paulo Dominghetti, representante da empresa Davati e que tentava vender 400 milhões de doses da AstraZeneca.

A Folha mostrou denúncia de Dominghetti, na qual afirma ter ouvido pedido de propina de US$ 1 por dose de vacina do então diretor de logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, que acabou exonerado.

Em seu depoimento na CPI, o reverendo buscou a todo momento negar que tivesse conexões políticas.

O senador Humberto Costa (PT-PE) então questionou o depoente a respeito de um áudio presente no telefone do policial Dominghetti e de posse na CPI. Nesse áudio, o reverendo sugere que a negociação vai decolar pois está em contato com autoridade que detém poder de decisão.

“Agora, no dia seguinte, 16 de março, o senhor mandou uma mensagem para Dominguetti dizendo: ‘Ontem falei com quem manda. Tudo certo. Estão fazendo uma corrida compliance da informação da grande quantidade de vacinas’. A quem é que o senhor se referia quando disse ‘quem manda’?”, questionou o parlamentar.

“É, isso aí foi uma bravata”, respondeu o reverendo, reforçando que nunca esteve com Jair Bolsonaro nem com a primeira-dama Michelle Bolsonaro. No entanto, reconheceu que já tirou uma foto com o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Em outro momento do depoimento, declarou que não se encontrou no dia 15 de março com Bolsonaro porque teve uma crise renal. A declaração foi dada após o senador Rogério Carvalho (PT-SE) lembrar da fala da advogada da entidade do reverendo, chamada de Maria Helena, que confirmou o encontro com o presidente.

"No dia 14 [de março], tivemos uma reunião na diretoria jurídica da senah, onde eu avisei que, havendo possibilidade, eu estaria em um encontro com o presidente Bolsonaro. A nossa equipe estava saindo para Goiânia, então houve esse ruído de comunicação, aonde cada um foi passando a mensagem a Dominghetti e Cristiano [Carvalho, representante da Davati no Brasil] que tanto me importunava para falar com o presidente", afirmou.

"De novo: eu não fui porque no dia 15 eu tive uma crise renal. Eu me dirigi para casa e não fui para essa reunião", completou.

Sobre áudios de Dominghetti, em que o policial sugere que o reverendo teve contato com outras autoridades, como a primeira-dama, Amilton atribuiu a responsabilidade a seu interlocutor e afirma que não teve responsabilidade por essas falas.

Apesar de defender a todo momento que não tinha conexões políticas nem contatos no Ministério da Saúde, o reverendo apresentou uma sequência de emails e fatos que sugerem um bom trânsito na pasta.

Amilton afirmou que escreveu um email ao Ministério da Saúde solicitando uma reunião para tratar de vacinas ao meio-dia de 22 de fevereiro, para que fosse realizada às 16h30 do mesmo dia.

Esse teria sido o primeiro contato a pasta. Mesmo sem ter recebido resposta, decidiu ir para o Ministério e se reuniu com quadros importantes, entre eles o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros. O reverendo ainda disse que o email foi encaminhado para os destinatários errados do ministério.

“O senhor então mandou um email às 12h, apontou o horário de que a reunião teria que ser às 16h30, às 16h30 já foi recebido. Eu queria essa eficiência do serviço público para a Pfizer”, disse o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

“Agora o senhor sai num Uber, num táxi, chega ao ministério e é recebido no ministério? Me desculpe, reverendo, mas não dá para acreditar nisso, não dá para acreditar nisso. É muito furada essa história”, disse o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM).

Questionado sobre o motivo da agilidade em seus pedidos, respondeu apenas que foi recebido possivelmente por causa da "urgência" em adquirir vacinas.

O reverendo chegou a ter uma reunião com o então secretário-executivo do ministério Elcio Franco, braço direito do general Eduardo Pazuello. Amilton disse depois que negociação naufragou porque a empresa não forneceu a documentação necessária. Ele disse que participou da intermediação inicialmente por se tratar de uma “questão humanitária”.

"Fui lá como embaixador mundial da paz", disse o reverendo. “Entendemos que fomos usados de maneira ardilosa para fins espúrios e que desconhecemos”, completou.

O reverendo disse que a Davati prometeu doação para a entidade que fundou, a Senah (Secretaria Nacional de Ajuda Humanitária), em troca do serviço de intermediação. Mas não disse como seria essa doação. “Ele falou de doação, mas não se referiu à quantia”, disse.

“O senhor estava ali de olho é na doação, com todo o respeito. Não era uma questão humanitária”, afirmou o senador Fabiano Contarato (Rede-ES).

Os senadores da CPI também questionaram uma diferença de preço na oferta de vacinas. A Davati teria apresentado uma proposta com o valor de US$ 10 por dose da vacina da AstraZeneca.

Menos de 10 dias depois, o reverendo entregou uma oferta de US$ 11 por dose. Vários parlamentares apontaram que a diferença se referia a uma propina, que voltaria na forma de "doação" para a Senah.

O reverendo negou irregularidades. Disse que se tratou de uma atualização do preço feita pela própria Davati. Ele, no entanto, não encontrou durante a sessão o email da empresa com essa mudança, mas se prontificou a encaminhar futuramente.

Amilton chorou durante o depoimento e pediu desculpas pelos erros que possa ter cometido. Ele se emocionou com a fala do senador Marcos Rogério (DEM-RO), que o defendeu e chamou de "trambiqueiros" os intermediários de vacinas.

"Aí eu peço desculpas ao Brasil, porque o que eu cometi não agradou primeiramente aos olhos de Deus. Esse erro que eu cometi foi um erro que, se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria atrás."

O reverendo afirmou que seu erro foi "abrir as portas" para os intermediários que queriam negociar vacinas. Disse que o fez apenas para "ajudar o Brasil" na busca por vacinas.

Antes do depoimento, os senadores aprovaram 130 requerimentos. Um deles prevê a quebra de sigilos telefônico, telemático, fiscal e bancário do líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

A CPI quer apurar a ligação do deputado com a negociação para a compra da vacina indiana Covaxin, cujo contrato foi cancelado por suspeitas de irregularidades.

Em depoimento à CPI, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que levou as suspeitas a Bolsonaro pessoalmente. O presidente então teria dito que era um "rolo" do líder do governo.

Os senadores também aprovaram uma nova convocação do coronel Elcio Franco. Por outro lado, retiraram da pauta a convocação do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto.

Outro requerimento aprovado é de autoria de Randolfe, que pede à Justiça que secretária da Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, seja afastada do cargo.

O pedido também será feito ao ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. A justificativa é de que ela teria cometido crime contra a vida por prescrever medicação sem eficácia comprovada.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.