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Sabatina de Aras é lembrete de como funcionam as coisas em Brasília

Procurador-geral é tolerado como advogado do presidente porque matou a Lava Jato

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São Paulo

Em um momento em que parte significativa da classe política segura a respiração para lidar com um presidente em modo descontrole, seria esperada alguma resistência de senadores à indicação de tal mandatário de um aliado para o cargo que mais pode lhe dar dor de cabeça.

Augusto Aras (centro) chega para sua sabatina na CCJ do Senado
Augusto Aras (centro) chega para sua sabatina na CCJ do Senado - Pedro Ladeira/Folhapress

Certo? Não no Brasil, mesmo na anomia política encabeçada por Jair Bolsonaro. O indicado, no caso, é Augusto Aras, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo plenário do Senado para a cadeira de procurador-geral da República por mais dois anos sob protestos uma boa fatia de seus pares.

A bovina mansidão vigente em sua sabatina e a tranquila votação em seu favor na CCJ dizem muito do país que Bolsonaro procura jogar numa confusão inaudita ao convocar protestos governistas para o Dia da Independência.

No cargo, Aras agiu muito como um advogado-geral da União anabolizado, dado que sua caneta é essencial para dar continuidade a quaisquer apurações contra o presidente que avancem para a formulação de uma denúncia.

Seja Aras ou alguma figura como a bolsonarista Lindôra Araújo, especulada para a PGR caso o naufrágio anunciado da candidatura de André Mendonça ao Supremo abra a vaga para o procurador-geral, o cenário está dominado.

Com isso e o grande esquema acertado com o centrão, que no comando da Câmara gere acesso inédito ao cofre de emendas parlamentares e na Casa Civil finge tocar um governo, Bolsonaro buscou o máximo de blindagem "dentro das quatro linhas da Constituição", como gosta de dizer.

Claro, o problema começa quando o próprio presidente anunciou que iria jogar fora das tais linhas, sentindo o bafo da Justiça no seu cangote e no dos filhos. É tudo tão explícito que até o uso de termos mais vulgares parece se impor.

Aí os potentados da República se mexeram. Nas últimas duas semanas, houve uma espécie de queda geral de ficha, para ficar na metáfora dos antigos orelhões, e líderes de diversas alas no Judiciário e no Legislativo insistiram em termos como "trégua", "acalmar a crise", "estancar a sangria".

A mais recente tentativa foi feita pelo Executivo estadual, liderado por alguns dos mais agudos críticos do Planalto. Mesmo que uma reunião ocorresse, a sua chance de sucesso tenderia ao rés do chão.

O motivo é Bolsonaro, claro, e seu modo único de tratar a chutes as instituições que permitiram sua ascensão ao poder. Um dia é voto impresso, outro dia é golpismo associado ao 7 de Setembro, o que importa é manter o coreto agitado e ganhar tempo enquanto o governo fez água em praticamente todas as áreas.

Mas o presidente, com o diligente apoio de seus amigos do centrão que sempre bancaram Aras, não são os únicos a serem responsabilizados.

O procurador-geralr tocou violino para ouvidos no Senado nesta terça (24), lembrando como sua gestão enterrou o modus operandi da Operação Lava Jato e a própria noção de forças-tarefas ou ações policiais exuberantes.

Por óbvio, os abusos da Lava Jato sempre mereceram reparos e correções.

Jogar seu legado integralmente no lixo foi a realização de um sonho da legião de políticos que já esteve sob sua mira —a começar pelo petismo, que quer voltar ao poder com Luiz Inácio Lula da Silva, maior peixe fisgado pela operação e hoje símbolo de sua desmoralização.

A valentia de Renan Calheiros (MDB-AL) em sua cruzada na CPI da Covid para montar um caso sólido contra Bolsonaro tem limites, evidenciados pela música tocada no Senado.

O resto é a ironia conhecida. Bolsonaro elegeu-se surfando uma onda antipolítica que começou a se formar nos protestos de 2013 e ganhou tração com as descobertas da Lava Jato, a partir de 2014.

Some-se a isso a debacle econômica e política de Dilma Rousseff (PT), impedida em 2016. O governo Michel Temer (MDB), povoado de alvos da Lava Jato, não teve força de se reerguer depois de o presidente ter a fatídica conversa com Joesley Batista em 2017.

A terra estava arrasada para um outsider raivoso canalizar o sentimento, empolgando setores como o militar, que era antes de tudo lava-jatista e antipetista. Era, claro, uma farsa, pois de outsider Bolsonaro nada tinha —ele só era periférico e insignificante no sistema.

O resultado se viu em um ano, quando o símbolo cooptado Sergio Moro deixou o governo disposto a derrubar Bolsonaro e talvez se viabilizar para 2022, no que não teve sucesso até aqui.

Adicionando nuances à história, o mesmo Supremo que é atacado diuturnamente por Bolsonaro foi instrumental, ao abandonar o apoio a Curitiba, para que Aras matasse a Lava Jato.

Por fim, o teatro na CCJ. Com votação secreta aberta enquanto a sabatina corria leve, restou uma acusação solta de "engavetador-geral da República" aqui, alguns questionamentos sobre ignorar os ataques de Bolsonaro à Constituição tratados como criminalização da política ali.

Se o comportamento de Bolsonaro lhe garante um isolamento olímpico, a recondução e Aras é um didático lembrete acerca de como são as coisas em Brasília, mesmo com o placar menos elástico no plenário do que na sua primeira indicação.

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