Ato contra Bolsonaro inclui 'volta Temer' e Che Guevara em mistura 'de sushi com picanha'

Com resistência do PT, faltou mais esquerda nas Diretas Já que o MBL tentou emular na Paulista

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São Paulo

A namorada do universitário Alex Costa, 22, não topou ir com ele à avenida Paulista protestar contra o presidente Jair Bolsonaro num ato invocado por dois movimentos que trabalharam pelo impeachment da petista Dilma Rousseff em 2016, o MBL e o Vem Pra Rua.

“Ela fala que é misturar lasanha, sushi e picanha, que dá indigestão”, disse sobre uma pouco sutil metáfora para a tentativa de criar uma frente ampla que derrube Bolsonaro, mas que para sua companheira vira uma maçaroca ideológica, como os pratos heterodoxos que alguns montam no restaurante a quilo.

Alex pensa diferente. Acha que só a esquerda não convence eleitores arrependidos de Bolsonaro a sair nas ruas para cobrar que ele tenha o mesmo destino que Dilma teve cinco anos atrás. Ele admite, contudo, que achou que teria mais gente “como eu” nas ruas. Tem Che Guevara na camisa. É de esquerda.

A metros dali, João Doria (PSDB), que usou o BolsoDoria como via expressa para o governo de São Paulo e hoje é um dos inimigos prediletos do presidente, faz uma dança à base de pulinhos sobre o trio elétrico, saudado por gritos de “calcinha” —o governador faz tempo incorporou o apelido de “calcinha apertada” que Bolsonaro lhe deu.

Nos bastidores, políticos à esquerda e à direita comungavam da mesma impressão: é preciso dançar conforme a música se quiser tirar Bolsonaro, mas a ausência do PT de Lula na manifestação, que não fez cócegas nos públicos alcançados tanto pelo 7 de setembro bolsonarista quanto pelo maior ato das forças progressistas, desafinou.

A ideia era emular um clima de Diretas Já, apostando num ecumenismo partidário para juntar pessoas que precisam tapar o nariz e dar a mão ao inimigo. Haveria, afinal, um mal maior a ser vencido.

Foi feito um pacto para atrair esquerdistas: deixar de lado o papo de terceira via, bandeiras como “nem Lula, nem Bolsonaro”, e focar no “fora, Bolsonaro”. Assim todo mundo podia marchar junto agora e voltar a brigar depois.

Conseguiram só parcialmente. Primeiro que a frase do “nem um, nem outro” estava, sim, na blusa de vários manifestantes. Harmonizava com um boneco inflável gigante com Lula (vestido de presidiário) e Bolsonaro (com uma camisa de força) abraçados, que contudo não foi levado pelos organizadores.

Num trecho esvaziado da avenida, onde poucas dezenas acompanhavam o vereador Fernando Holiday (Novo) mandar às favas o acordo de preservar o petista, no carro de som do movimento Direita Digital. “É verdade que Bolsonaro nos traiu e é verdade que este governo não nos representa, mas é verdade que jamais vamos querer a volta do PT.”

Primeiramente, volta Temer. Diante do vereador, um grupo de dez manifestantes, que diziam ter vindo de uma comunidade na zona sul paulistana, erguiam faixas pedindo o retorno do ex-presidente Michel Temer (MDB), que tomou o lugar de Dilma em 2016.

Uma mulher carrega um cartaz escrito 'volta Temer' em verde e amarelo
Manifestante carrega cartaz com 'volta Temer' na Avenida Paulista, em São Paulo - Anna Virginia Balloussier/Folhapress

Holiday se divorciou do MBL em janeiro. Seus antigos companheiros, neste domingo (12), estavam empenhados em pausar as pauladas que costumam dar na esquerda. “Vi muita gente dizendo que está com nojinho de se juntar com quem pensa diferente”, disse no trio principal o deputado estadual Arthur do Val (Patriota), o Mamãe Falei, que em outras ocasiões ridicularizou quem tem “mais de dois neurônios" e ainda dá seu voto de confiança a uma das duas maiores forças políticas de 2022, Lula e Bolsonaro.

Coordenador do MBL, Renan Santos fez uma proposta aos milhares que enchiam, sem superlotar, três quarteirões da Paulista. “Em 2013, a gente pedia ‘quem não pula é fascista. Em 2016, ‘quem não pula é petista. Vamos voltar ao fascista?”

O quórum de ex-bolsonaristas não decepcionou. Reverenciado pela multidão com gritos de “uh, é Amoêdo”, o ex-presidenciável João Amoêdo (Novo) pedia “as nossas cores de volta, o verde e amarelo”.

Lá estavam o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM), na série B dos potenciais candidatos da terceira via para o ano que vem, e a deputada Joice Hasselmann (PSL), que em 2018 se apresentou à Folha, com orgulho, como a “Bolsonaro de saias”. Queimou esse figurino em 2019.

“Tudo comunista traidor”, uma amiga brincou com Joice na parte de trás do trio, sobre o rótulo que bolsonaristas impingem sobre toda e qualquer pessoa que desembarque de seu pelotão.

Comunista? Opa, tinha sim. O deputado Orlando Silva, do PC do B, era um dos poucos nomes com maior expressão de partidos progressistas. “Só a esquerda isolada não derruba Bolsonaro”, vaticinou. Apostou num "degelo" para que se crie um "ambiente mais confortável" para o PT se unir à causa.

É normal que a adesão não venha de imediato, afirmou. “Acham que a Diretas Já foram só flores, mas quem viveu sabe que houve muitas contradições.”

A deputada estadual Isa Penna, exceção do PSOL ali, contou que um colega até ameaçou pedir uma sanção contra ela no partido. Só porque foi. E olha que, se tinha alguém com boas razões para querer distância do MBL, era ela.

Penna lembrou que, anos atrás, foi alvo do movimento mais de uma vez. Chegaram a vazar seu celular, o dela e o da deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL). “Acordei com mais de 6.000 mensagens.” Nenhuma delas lhe desejando bom dia.

“Hoje considero que eles estão no campo democrático, até porque apanharam muito. Sei que não são mais aquele grupo que flerta com o fascismo.”

Enquanto Penna recomendava “furar todas as bolhas e construir uma superbolha, a bolha do impeachment”, havia gente menos diplomática com a decisão do PT em ignorar o protesto.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) maldisse os que “se acham os donos da bola”. Falava de Lula. “Os chamados para a união de verdade sempre esbarram no personalismo."

O pré-candidato à Presidência Ciro Gomes, do PDT representado na plateia por uma bandeira do trabalhista Leonel Brizola (1922-2004), era citado como exemplo da esquerda que aceita conversar, logo ele que tenta se vender como palatável para uma direita que já não quer ver Bolsonaro pintado a ouro. Antes de discursar no palco, discursou no chão: “Haverá tempo para o PT amadurecer”.

Já com o ato encaminhado para o fim, a Folha reencontra Alex, o universitário que pretende votar em Lula no ano que vem e que não persuadiu a namorada a deixar de ver Netflix para ir às ruas.

Contou que foi bem tratado, que ninguém se incomodou com sua camisa vermelha e que, a certa altura, até pediram para tirar uma foto com ele. “Como se eu fosse uma figura exótica, sabe? ‘Ganha um brinde quem encontrar um esquerdinha’.”

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