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Bolsonaro cumpre missão de manter base eletrizada com estratégia de risco

Presidente acelera no palavreado golpista para fidelizar apoiadores com vistas a 2022

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São Paulo

Em discursos em Brasília e São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pronunciou algumas de suas frases de maior teor golpista desde que assumiu o mandato, há dois anos e meio.

Chamar um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) de “canalha” e prometer desrespeitar decisão judicial, o que é uma evidente ruptura do jogo, não são palavras triviais e exigem repulsa firme.

O presidente Jair Bolsonaro durante discurso a apoiadores na avenida Paulista, em São Paulo - Paulo Lopes/AFP

Mesmo assim, a sensação que fica do 7 de Setembro bolsonarista é de que a montanha pariu um rato. A senha clara para o golpe não veio, e mesmo que viesse, nada leva a crer que o público nas duas cidades teria a mínima condição de executar a ordem.

Na capital federal, a mancha dos manifestantes vista do alto não foi tão impressionante, dada a imensidão da Esplanada dos Ministérios. Em São Paulo, os 125 mil presentes são expressivos, mas equivalem a 25% da maior manifestação medida nos atos pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016.

Também não houve presença visível de uma massa de policiais, ou cenas de selvageria comparáveis a protestos passados. Vidraças de bancos e estações de metrô parecem ter sobrevivido intactas —ao menos era esta a situação até o fim da tarde.

Isso significa que Bolsonaro sai derrotado? Paradoxalmente, não. Pode-se dizer o contrário, que ele atingiu seus objetivos imediatos, ainda que de uma forma que embute riscos nada desprezíveis.

No curto prazo, o presidente buscou dar uma demonstração de força que arrefeça a ameaça de impeachment, embora partidos tenham usado o gancho para renovar os esforços pelo seu afastamento.

Nada indica, no entanto, que essa ação tenha chance concreta de prosperar num primeiro momento, dada a blindagem oferecida pelo centrão e o prazo exíguo antes do pleito de 2022. Mas o cenário é fluido, para dizer o mínimo.

Olhando num horizonte maior, o presidente pode ficar ainda mais satisfeito.

Bolsonarismo é movimento. É manter-se em constante processo de mobilização de apoiadores, como um ciclista que não para de pedalar.

Os arroubos contra o STF são mais um pedaço de uma estratégia que já teve inúmeros estágios: defesa das armas, denúncia do esquerdismo nas universidades, ataques a Sergio Moro, propaganda da cloroquina e, mais recentemente, o voto impresso.

Cada palavra de ordem serviu seu propósito, o de manter a base de apoiadores eletrizada, mesmo que o presidente e seus auxiliares sempre soubessem que a chance de sucesso destas bandeiras é pífia. Mas não importa: o que vale não é o ponto de chegada, e sim o caminho.

Nesse sentido, missão cumprida. Bolsonaristas saem do feriado da Independência firmes no propósito de defender seu capitão. Tias do zap, líderes evangélicos, produtores rurais e “patriotas” das mais variadas estirpes estão ultraengajados na campanha de 2022.

A isso se soma um discurso vitimista, que também ajuda muito na mobilização de massas. Resumidamente, diz que o presidente não tem culpa pelas falhas em seu governo. A inflação sobe por ser um fenômeno mundial. As mudanças de que o país precisa não saem por sabotagem dos outros Poderes e da imprensa. A economia cresce pouco por culpa dos que defenderam o isolamento na pandemia.

Entender o processo que leva ao bolsonarismo, obviamente, não significa complacência. Já está claro que o presidente tem viés autoritário, e que seus arroubos ficam no declaratório apenas devido à vigilância e contenção permanentes de uma gama de atores, dos demais Poderes a empresários, imprensa e sociedade civil.

Não está descartado que as declarações golpistas do 7 de Setembro sejam o início de um processo de ataque às instituições que chegue às vias de fato. Não é essa a impressão que fica dos atos deste feriado, no entanto, que, descontada a verborragia excessiva do chefe de Estado, transcorreram de maneira bem menos tensa do que se temia.

No período de 13 meses daqui até a eleição o presidente precisará manter a bicicleta rodando, seja reafirmando as ameaças atuais ou inventando novas causas para animar seu público. Mas nisso, Bolsonaro é criativo.

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