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Instituições precisam acionar os freios na ladeira abaixo do governo Bolsonaro

STF tem sido alvo de protestos e ataques por parte do presidente e de seus apoiadores desde início do mandato

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Eloísa Machado de Almeida

Professora da FGV Direito SP e advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos CADHu

O Supremo Tribunal Federal tem sido alvo de protestos e ataques por parte do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores desde o início de seu mandato, em 1º de janeiro de 2019.

Ainda nos primeiros meses de governo, o presidente Jair Bolsonaro publicou texto culpando Congresso Nacional e o tribunal por não conseguir governar; atos e manifestações se insuflaram pedindo o fechamento do tribunal, algumas manifestações enforcaram bonecos como se ministros fossem.

Desde então —e lá se vão dois ano e meio—, a intensidade de ataques contra o tribunal e seus ministros apenas aumentou, e as tentativas de diálogo foram todas em vão.

Ainda que Bolsonaro procure culpar o Supremo pelo seu sofrível desempenho, é incorreto e inverídico afirmar que o Supremo inviabilizou a agenda do governo.

Já em 2019, primeiro ano de mandato presidencial, vários atos do governo Bolsonaro foram contestados perante o Supremo, sobretudo por partidos políticos de oposição.

Sucessivos decretos de ampliação de porte de armas, medidas de desmonte de políticas públicas indígenas, de gênero, raciais e ambientais, ataques às universidades públicas, foram alguns dos temas levados ao tribunal durante aquele primeiro ano de mandato de Bolsonaro, sem que houvesse muitas decisões (liminares ou definitivas) suspendendo atos do governo.

Mesmo assim, o governo seguia culpando o Supremo por não poder governar.

Em 2020, o Supremo passou a controlar mais efetivamente os atos do governo Bolsonaro através de decisões judiciais, sobretudo no âmbito de ações que contestaram as omissões e os atos do governo na condução da pandemia de Covid-19 no país.

As mais relevantes delas reafirmaram competências das instâncias subnacionais na adoção de medidas de controle sanitário, já previstas na Constituição e nas leis específicas sobre emergência sanitária, e determinaram prazos para a criação, publicação e execução de um plano nacional de imunização, obrigação também prevista em lei.

Além de seguir culpando o Supremo, o presidente Bolsonaro passou a desvirtuar o conteúdo das decisões.

Este ano de 2021 segue marcado por decisões relativas à pandemia de Covid-19 e seus efeitos em outras políticas de renda, educação e segurança.

Já é possível constatar uma explosão de litigiosidade contra atos do governo Bolsonaro, explicada sobretudo pela intensidade e amplitude dos ataques à Constituição e às instituições, e um aumento do controle exercido pelo Supremo.

Porém, seja pela natureza dos atos questionados (em sua maior parte infralegais, o que criaria entraves à avaliação pelo Supremo), seja pela quantidade, a maior parte das ações propostas contra atos do governo Bolsonaro segue sem decisões, com exceção às ações sobre Covid-19.

Há outra frente de atuação do Supremo em relação a interesses de Bolsonaro, que não se refere a atos de governo, mas sim a investigações criminais.

Há dois inquéritos em curso: um investiga a disseminação massiva e estruturada de fake news, inclusive contra a integridade das eleições, e outro investiga atos antidemocráticos.

Nestes inquéritos, apoiadores do governo Bolsonaro têm sido alvo de medidas cautelares por atentarem contra a ordem democrática e o Estado de Direito, crime inafiançável e imprescritível nos termos da Constituição.

Aqui, as críticas à condução do inquérito geraram uma resposta do tribunal e adequação de seus termos: o atual cenário institucional, a imperiosidade de controle dos atos do governo e as balizas jurídicas estabelecidas em plenário foram suficientes para superar eventuais vícios.

Afinal, já não restam dúvidas de que estamos diante de um governo anticonstitucional.

Pode-se afirmar que a degradação democrática, com essa amplitude e profundidade, não ocorreria sem que outras instituições colaborassem, com suas omissões, alinhamentos e renitências.

Se há uma crítica que pode ser feita ao Supremo, ela se dá nesta perspectiva: os ataques à Constituição feitos por Bolsonaro mereceriam mais e contundentes respostas.

Analisando em perspectiva, a agenda de moralização da política dos últimos anos desgastou o tribunal para o tamanho do desafio que viria encontrar em 2019.

A resistência em admitir a gravidade do cenário fez com que algumas respostas não viessem, ou viessem tardiamente, talvez na tentativa de conciliar a imagem de um tribunal independente em um governo autocrático.

Porém nenhuma crítica afasta a importância do Supremo.

Estaríamos em muito pior cenário sem as decisões que bloquearam medidas de espionagem contra professores e opositores políticos, que permitiram debates em universidades, que impediram o acesso do governo aos dados pessoais, bem como as que exigiram medidas de proteção aos povos indígenas, aquisição de vacinas, suspensão de propaganda a favor da pandemia, dentre muitas outras, de hoje e de ontem.

Além destes e de outros temas que persistem na agenda do tribunal, o desafio que se impõe agora ao Supremo é a continuidade de um projeto democrático, solidário e justo de país designado pela Constituição de 1988.

Na ladeira abaixo que o governo Bolsonaro colocou o país, as instituições incumbidas de controle precisam acionar os freios.

Isso significa bloquear rapidamente medidas inconstitucionais, investigar e punir aqueles que atentam contra o Estado de Direito e as instituições democráticas. Há saídas institucionais para o governo inconstitucional, e o Supremo é imprescindível em todas elas.

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