Luciano Hang dribla CPI, enfrenta senadores e tergiversa sobre Prevent, 'kit Covid' e Bolsonaro

Empresário confirma ter contas no exterior e diz ter ficado surpreso com omissão de Covid em atestado de óbito da mãe

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Brasília

Com um comportamento diferente do adotado nas redes sociais, onde costuma ser radical e negacionista, o empresário bolsonarista Luciano Hang driblou questionamentos e abusou de detalhes semânticos em seu depoimento à CPI da Covid nesta quarta-feira (29).

Hang confirmou que tem contas bancárias no exterior, “duas ou três”, mas negou financiar a disseminação de fake news, em particular em temas ligados à pandemia do novo coronavírus.

O empresário ainda condenou o uso político da morte de sua mãe por Covid-19. No entanto, apegou-se a detalhes linguísticos para justificar informação falsa que teria propagado em vídeo na ocasião, quando defendeu o tratamento preventivo, com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.

O empresário Luciano Hang durante depoimento na CPI da Covid
O empresário Luciano Hang durante depoimento na CPI da Covid - Pedro Ladeira/Folhapress

Hang já é investigado pela CPI por seu envolvimento no chamado gabinete paralelo, estrutura de aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro para temas da pandemia fora da estrutura do Ministério da Saúde. Os senadores querem apurar suspeitas de que o empresário financiou a propagação de fake news.

Ele não recorreu a habeas corpus para evitar responder determinadas perguntas. Antes da sessão, disse a jornalistas que chegou com “amor no coração” e “com a verdade ao seu lado”. No entanto, recusou-se a prestar o juramento de não mentir. Estava acompanhado de uma tropa de choque do governo, que incluiu o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente que há meses não comparecia a sessões da CPI.

O empresário afirmou não ser negacionista e que reconhecia a gravidade da pandemia, tanto que investiu recursos para combatê-la. No entanto, evitou comentar o outro sentido da palavra negacionista, no contexto da pandemia: agentes que se mostram contra práticas de isolamento social, uso de máscaras e adeptos de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19.

Hang negou financiar a propagação de fake news. “Nunca financiei nenhum esquema de fake news e não sou negacionista. Sou apenas um brasileiro que sonha em viver num país melhor, que deu a cara a tapa e que está apanhando por isso."

Ele reconheceu que tem contas bancárias no exterior e que elas seriam declaradas à Receita Federal. “Nós temos contas no exterior, nós temos offshore, no exterior. Devem ser umas duas ou três declaradas na Receita Federal." “Todas as nossas empresas estão declaradas em paraísos fiscais. Nós somos um importador desde 1993”, acrescentou.

O bolsonarista afirmou nunca ter recorrido a empréstimos do BNDES, no que foi rebatido pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Ele disse que o banco encaminhou documento que mostra 57 operações até 2014, que somavam R$ 27 milhões. Hang então ironizou a quantia: "Esses R$ 27 milhões é quanto a Havan fatura em um dia".

Em um dos momentos mais tensos, o dono das lojas Havan afirmou que não aceitaria que a morte da sua mãe, Regina Hang, fosse usada politicamente. Disse que foi aconselhado por amigos a levá-la para um hospital da rede Prevent Senior e que adotou protocolo de tratamento da Covid-19 com o uso de medicamentos.

Logo após a morte de Regina, o empresário divulgou um vídeo no qual afirma que ela poderia estar viva se tivesse recebido tratamento preventivo.

"Eu sempre falo: não podemos mais cuidar de quem morreu, mas podemos cuidar de quem está vivo. Tome a decisão acertada. Eu me cobro hoje que eu poderia ter salvado a minha mãe, de repente, se eu tivesse feito o preventivo, será que nós não poderíamos ter feito isso? E agora eu fico me perguntando, e se eu tivesse feito, será que ela não estaria viva? Reflita. Obrigado", disse Hang no vídeo.

Dados do prontuário médico de Regina, porém, confirmam que ela foi medicada durante a internação com hidroxicloroquina, azitromicina, além de ter recebido ozonioterapia. Questionado sobre o assunto, Hang se apegou a um detalhe semântico para negar que tivesse mentido.

“Eu disse que eu lamentava que eu não tinha feito o tratamento preventivo com a minha mãe. Tratamento preventivo é antes de a pessoa adquirir o vírus. Então, eu faço tratamento preventivo, ainda, e fiz durante toda a pandemia."

“Aqui eu vou desenhar: [Tratamento] Preventivo é uma coisa e inicial é outra. São duas coisas diferentes”, acrescentou.

Hang confirmou que sua mãe recebeu o "kit Covid" desde o início do tratamento da doença, mesmo antes de sua internação, apesar das comorbidades.

“Se eu tivesse a sua condição [financeira], ia levar minha mãe à Lua, não era à Prevent Senior, não”, afirmou Aziz. Na sequência, disparou contra os senadores que compareceram na sessão para defender o bolsonarista.

"O senhor não é mais honesto que ninguém aqui e nem mais trabalhador que os brasileiros. Esse é o patriota, que tem a estátua da liberdade em frente a suas lojas. [Quer] liberdade para denegrir os outros. E os palhaços vieram aqui hoje", disse Aziz.

Hang declarou ser uma "coisa de louco, fantasiosa” a acusação de que tivesse pedido para que fosse omitida a Covid-19 do atestado de óbito de sua mãe. Afirmou ter ficado surpreso ao descobrir que a doença não era citada, atribuiu a um erro do médico plantonista e disse que obteve a informação recentemente por meio da CPI.

O empresário disse que entrou em contato com a Prevent Senior e recebeu um documento elaborado pela comissão de controle de infecção do hospital que confirma a Covid-19 como causa da morte. “No dia seguinte, existe uma comissão de controle de infecção hospitalar. Essa comissão de controle de infecção hospitalar viu o erro do plantonista."

Hang também reconheceu que fez uma campanha junto a empresários de sua cidade, Brusque (SC), para comprar medicamentos do "kit Covid", doados a hospitais.

"Nós fomos para as cidades juntamente com pessoas da minha cidade para ver o que estava sendo feito nessas cidades que deu certo. Brusque, de novo, talvez seja a cidade acima de 100 mil pessoas com a menor letalidade."

Questionado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ele confirmou que fez campanha para arrecadar recursos e doar a hospitais: "Fiz, está na rede social. Fiz e doamos o dinheiro".

Logo no início do depoimento, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) chamou Hang de “bobo da corte”, o que provocou grande reação dos senadores governistas.

Em outro momento, Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou ter sido ofendido pelo advogado do empresário, Beno Brandão, e pediu que ele fosse expulso. O defensor teria falado com o dedo em riste e feito gestos irônicos. Aziz determinou a saída e, após o tumulto que se instalou, suspendeu a sessão.

Hang também provocou reação dos senadores ao mostrar placas com dizeres como “liberdade de expressão”. Na volta, o advogado pediu desculpas, e Aziz reconsiderou sua decisão.

Após a sessão, o empresário afirmou que não descarta ser candidato nas eleições de 2022 e que vai tomar a decisão apenas no ano que vem. Ele é cotado para disputar uma vaga no Senado por Santa Catarina.

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