Presidenciáveis defendem impeachment de Bolsonaro, e partidos tentam superar 2022 para engrossar frente

Forças negam cálculo eleitoral ao estimular a remoção do presidente, mas, nos bastidores, cenários são discutidos

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São Paulo

A defesa do impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) foi renovada a partir das falas golpistas do presidente no 7 de Setembro, com a adesão de novos partidos e presidenciáveis.

Enquanto o desafio para os recém-chegados, como João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB), que deram declarações favoráveis à saída de Bolsonaro nesta terça (7), ainda é unificar as bancadas do partido nesse sentido, o PT de Lula e o PDT de Ciro, que buscam o impeachment há mais tempo, querem ampliar o isolamento de Bolsonaro.

Em comum, os partidos e seus líderes negam cálculo eleitoral ao estimular a remoção de Bolsonaro, mas, nos bastidores, há conversas sobre qual seria o melhor cenário para 2022 e resistência em formar uma frente ampla, da esquerda à direita, para elevar a pressão pelo impeachment.

Políticos defensores do impeachment planejam engrossar a mobilização apesar da fragmentação da oposição e apesar da sinalização do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), nesta quarta (8), de que não levará o assunto ao plenário.

O recuo ensaiado por Bolsonaro nesta quinta-feira (9), com uma nota em que pregou pacificação com outros Poderes, por ora não tem potencial de mudar as discussões sobre impeachment, segundo líderes partidários ouvidos pela Folha.

À esquerda e à direita, há ceticismo sobre uma mudança efetiva de comportamento. A avaliação é a de que o presidente é pouco confiável. Legendas que iniciaram debates internos sobre impeachment, mas ainda estão indecisas sobre apoio ao afastamento, dizem que continuarão analisando o quadro nos próximos dias.

À Folha, por meio de uma nota, o ex-presidente Lula afirmou que “nunca na história do Brasil um presidente teve tantas razões para ser ‘impichado’ como Bolsonaro”.

“Seja pelos ataques às instituições e à democracia, seja pelo envolvimento com as rachadinhas e as milícias, seja pelo gabinete do ódio e das fake news, seja pelas sabotagens que promoveu no combate ao coronavírus”, afirmou em nota enviada à reportagem nesta quarta.

“Já existem mais de 100 pedidos e nenhum foi votado porque pararam na presidência da Câmara. Os partidos políticos devem cobrar a abertura do processo de impeachment. O povo brasileiro não merece e não pode seguir sofrendo neste governo de destruição”, completa Lula.

O ex-presidente vem defendendo o impeachment em entrevistas desde 2020. Com base nisso, o PT rebate a tese de que, para Lula, o ideal é deixar Bolsonaro no poder até 2022, já que as pesquisas indicam vitória folgada do petista sobre o presidente.

“Há quem diga que seria mais fácil bater Bolsonaro na eleição. Mas não estamos vinculando impeachment à questão eleitoral”, diz o deputado federal Rui Falcão (PT-SP).

Seguindo a retórica de Lula em sua fala para o Dia da Independência, de que “o brasileiro está sentindo na pele a destruição do país”, Falcão diz que o PT defende o impeachment não só porque Bolsonaro atenta contra a democracia, mas porque sua política “é nefasta para o povo” –com desemprego, crise hídrica, pandemia, inflação e devastação da Amazônia.

Para setores do PT, no entanto, o impeachment de Bolsonaro pode significar um ganho duplo em relação à eleição de 2022.

Há, nos bastidores, a expectativa de que partidos que se somem à luta pelo impeachment, mesmo os de direita, se sintam constrangidos, num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, a declarar apoio ao presidente –como aconteceu em 2018.

Ou seja, se Bolsonaro sofrer o impeachment, Lula veria eliminado da disputa seu principal rival –haveria o risco de derrota para outro nome, mas petistas se fiam nas pesquisas que, hoje, mostram o ex-presidente vencedor em qualquer disputa.

Porém, caso o impeachment não ocorra, uma coalizão ampla em sua defesa representaria, no futuro, o isolamento de Bolsonaro na eleição.

Nesse sentido, siglas de esquerda comemoraram a adesão de novos partidos ao impeachment. Após os atos bolsonaristas, além de PSDB, PSD e MDB abriram discussões internas sobre crimes de responsabilidade do presidente. Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, se posicionou a favor do impeachment.

Como mostrou a Folha, cresceu a pressão por atos de rua unificados, da esquerda e da direita, em resposta a Bolsonaro. Até o momento, a iniciativa mais ampla pelo impeachment foi o superpedido apresentado em junho por partidos de esquerda, entidades da sociedade civil, MBL (Movimento Brasil Livre) e alguns deputados de direita.

Agora, há discussão sobre convocar um protesto de forma conjunta, enquanto o protesto “fora, Bolsonaro” do MBL e do VPR (Vem Pra Rua), marcado para domingo (12), ganha adesões da esquerda –em meio à resistência dos petistas e da identificação da terceira via com a convocação.

Para definir os próximos passos para o impedimento, o grupo de partidos que já vêm tratando do tema de forma unificada (PT, PDT, PSB, PSOL, PC do B, PV, Rede e Cidadania), inclusive apresentando pedidos de impeachment, se reuniu nesta quarta para construir um ato nacional único.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que foram convidados outros partidos ao centro, “especialmente os que têm origem na luta pela redemocratização”, mas só teve adesão do Solidariedade. PSD, DEM e MDB alegaram que o tema ainda está sendo discutido internamente e nas bancadas federais.

Em um sinal da dificuldade de separar a questão eleitoral, Gleisi descartou adesão ao ato da direita. “Não se trata de aderir a atos já marcados, mas de construirmos juntos o caminho”, escreveu no Twitter. Mas, após a reunião, publicou: "Incentivamos todos os atos que forem realizados em defesa do impeachment".

A posição da presidente do PT é a de que o partido não impedirá a eventual presença de filiados (embora haja grande resistência entre petistas à participação), mas também não vai se juntar à convocação nem declarar apoio formal à iniciativa capitaneada por MBL e VPR.

As siglas que já se declaravam de oposição cogitam entrar com um novo pedido de impeachment, baseado nos fatos e declarações do 7 de Setembro. A questão ainda é debatida no fórum, que também aguarda uma resposta mais firme de siglas ao centro e à direita sobre apoio à causa.

"A adesão de novos setores sociais e partidários ao impechment é necessária", diz o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros. "A esquerda e a centro-esquerda não têm votos suficientes para aprovar um processo. Vamos dialogar com aqueles que estiverem abertos a pensarem saídas comuns para o fim do governo."

O PSDB declarou nesta quarta ser oposição a Bolsonaro, após votação unânime da executiva nacional neste sentido, e conclamou “as forças do centro democrático a formar uma frente de oposição” –deixando o PT de lado.

A nota da direção tucana afirma que “o modelo político e econômico petista [é] também responsável pela profunda crise que enfrentamos”.

No PSDB, que terá prévias presidenciais entre Doria e Leite, a adesão ao impeachment será discutida e aprofundada entre as bancadas e os líderes tucanos. Há duas considerações eleitorais conflitantes.

Por um lado, a remoção de Bolsonaro abre caminho para que a terceira via chegue ao segundo turno contra Lula. Mas a defesa do impeachment pode fazer com que os candidatos percam votos de bolsonaristas e antipetistas que pretendem conquistar nesse eventual segundo turno.

Como mostrou a Folha em julho, presidenciáveis da chamada terceira via mantinham o pé no freio do impeachment apesar de a maioria de seus eleitores defendê-lo, segundo dados do Datafolha. O cenário mudou no Dia da Independência.

“Eu até hoje nunca havia feito nenhuma manifestação pró-impeachment, me mantive na neutralidade, entendendo que até aqui os fatos deveriam ser avaliados e julgados pelo Congresso Nacional, mas, depois do que assisti e ouvi hoje, [...] Bolsonaro claramente afronta a Constituição, ele desafia a democracia e empareda a Suprema Corte brasileira”, disse Doria.

“Foi um erro colocar Bolsonaro no poder. Está cada vez mais claro que é um erro mantê-lo lá”, declarou Leite.

Presidente do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi nega haver oportunismo ou cálculo eleitoral na adesão de Doria ao impeachment. "Não tem a ver com 2022, mas com a crescente afronta à democracia." O tucano afirmou que avalia comparecer ao ato do dia 12.

"Na reunião da executiva nacional do PSDB, fizemos uma distinção clara de que o PT não será caminho de diálogo”, completa.

Vinholi afirmou ainda que a bancada paulista defende o impeachment de forma unânime, mas que decisões nesse sentido cabem ao presidente da sigla, Bruno Araújo.

Parte dos parlamentares do PSDB aderiu ao governo Bolsonaro –mesma questão enfrentada no PSD, MDB, DEM e PSL, partidos que dividem a terceira via com os tucanos. Nesse campo, as discussões sobre o impeachment atropelam outro entendimento que ainda não existe, o de qual nome será candidato e agregará mais aliados.

O adesismo de deputados preocupados com emendas e sobrevivência eleitoral é algo que impede o impeachment na prática, afirma o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), também presidenciável.

“Bolsonaro tem vários crimes. O de terça é mais um. Ele tem que sair, está fazendo mal para o Brasil. Mas o comando dos partidos muitas vezes não tem os votos dos seus deputados. O governo tem uma negociação forte”, diz.

O presidenciável Ciro Gomes (PDT), que há tempos defende o impeachment, reforçou após os atos do 7 de Setembro a necessidade de uma ação conjunta a fim de garantir a estabilidade democrática e a realização das eleições de 2022. O PDT endossa formalmente pedidos de afastamento do mandatário.

Ciro, que rivaliza com Bolsonaro e com Lula, teria virtualmente uma vantagem eleitoral com a eliminação do primeiro adversário, embora haja dúvidas sobre sua capacidade de colher votos na direita e em outros setores refratários à esquerda, com a qual o ex-ministro é identificado.

Nesta quinta, Ciro anunciou que irá ao ato do MBL e Vem Pra Rua no dia 12 e disse que a questão está acima de partidos e posicionamentos ideológicos. "Seja qual for o sacrifício e risco que isso represente, há algo maior que tudo: o futuro do Brasil e da nossa democracia", escreveu.

"É absolutamente indesculpável que a gente não avalie isso [impeachment]", disse em entrevista ao portal UOL nesta quarta. Ciro afirmou que "Bolsonaro está fazendo uma aposta macabra", chamou-o de "presidente criminoso e irresponsável" e disse que ele já sabe que sairá derrotado.

A respeito do recuo de Bolsonaro perante o STF, Ciro afirmou que não se pode confiar no que vem de Bolsonaro e que "um insensato deste calibre não pode continuar presidente, pois é um risco permanente para o país".

A legenda de Ciro reiterou nesta quarta esforços pelo andamento de um processo contra Bolsonaro na Câmara dos Deputados, buscando uma aproximação entre forças da esquerda à direita em nome do afastamento. O partido endossa ainda manifestações de rua pela derrubada do mandatário.

Também lançados na terceira via, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Simone Tebet (MDB-MS) já deram declarações nas redes sociais favoráveis à abertura do processo de impeachment.

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que também constrói sua candidatura, se mantém neutro. Seu principal fiador, Gilberto Kassab (PSD), deu passos em direção ao impeachment ao criar uma comissão sobre o tema no partido.

PSL e DEM divulgaram nota de repúdio às falas de Bolsonaro contra as intituições, mas sem mencionar impeachment, embora deputados dessas siglas, como Junior Bozzella (PSL-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP), sejam favoráveis ao impedimento.

Nesta quarta, o Podemos declarou ser contra a remoção de Bolsonaro. Já Cidadania e Novo haviam deliberado apoio ao impeachment antes dos protestos de 7 de Setembro.

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