Após pressão de Lira, Pacheco atropela regra e muda texto sobre 2022 aprovado em plenário

Manobra que limita candidaturas eleitorais contou com articulação de cúpulas de Câmara, Senado e Planalto

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Brasília

As cúpulas da Câmara e do Senado patrocinaram uma manobra que resultou na limitação do número de candidatos que cada partido poderá lançar ao Legislativo nas eleições de 2022.

A iniciativa, que atende aos interesses da maioria dos caciques partidários, envolveu a alteração de texto de um projeto aprovado pelo plenário do Senado e que já havia sido enviado à sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.

O Senado mandou o projeto aprovado ao Palácio do Planalto no dia 23 de setembro, mas, sete dias depois, em 30 de setembro, encaminhou mensagem com nova versão do texto, sem aval do plenário, ou seja, diferente da redação que havia sido chancelada pelos senadores.

Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) - Raul Spinassé/Folhapress

Eventuais correções em textos aprovados e enviados ao Planalto podem até ocorrer em caso de erro material, ou seja, quando a redação final dada pelos técnicos do Congresso, após as votações, não reflete de forma fidedigna o aprovado pelos parlamentares —o que não foi o caso.

A canetada dada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), permitiu que Bolsonaro limitasse o número de candidatos nas eleições de 2022, o que não seria possível com base no texto efetivamente aprovado.

A manobra teve origem no projeto de lei do Senado 783/2021, cujo objetivo principal era apertar ainda mais as regras para sufocar as pequenas siglas.

O texto alterava as chamadas sobras, que são as cadeiras residuais do Legislativo que ficam para ser distribuídas após a primeira divisão com base na votação total dos partidos.

Até então, podiam concorrer às sobras mesmo as legendas que não atingissem o quociente eleitoral —que é o resultado da divisão do total dos votos válidos pelo número de cadeiras em disputa.

O projeto definia que as sobras, a partir de 2022, só poderiam ser disputadas por legendas cujos candidatos somassem votos suficientes para, pelo menos, atingir o quociente eleitoral.

Na primeira votação no Senado, em 14 de julho, os congressistas aprovaram uma alteração no número de candidatos que cada partido pode lançar.

Até então, a Lei Eleitoral (9.504/97) estabelecia um teto correspondente a 150% do número de cadeiras em disputa nos grandes estados —em São Paulo, por exemplo, que elege 70 deputados federais, cada partido ou coligação poderia ter até 105 candidatos— e de 200% nos menores.

O Senado reduziu esses percentuais para 100% (mais uma vaga) e 150%, respectivamente.

Já na Câmara, o texto foi alterado, estabelecendo-se um teto único por partido de 100% de candidatos em relação às cadeiras a preencher, mais 1, para todos os estados. Além da determinação específica da revogação dos incisos da Lei Eleitoral que permitiam até 200% de candidatos para os pequenos estados.

Como foi modificado, o projeto voltou para a palavra final do Senado.

A última votação ocorreu em 22 de setembro. Os senadores retomaram o texto original da Casa, estabelecendo o teto de 100% para os grandes estados e 150% para os menores.

O projeto, então, foi enviado para sanção ou veto de Bolsonaro no dia seguinte, 23.

O texto final, porém, desagradou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Aliados do parlamentar afirmam que havia um acordo político com o Senado para manter o limite único de 100%, o que teria sido descumprido.

A partir desse momento, teve início a articulação, que contou com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, do partido de Lira, para que Bolsonaro vetasse os dispositivos aprovados pelo Senado que estabeleciam a exceção de 150% aos estados menores (com até 18 deputados federais).

O problema é que, conforme se constatou, o veto de Bolsonaro manteria em vigor os incisos da Lei Eleitoral que estabeleciam limite maior, de 200%, já que os senadores não aprovaram a revogação explícita desses dispositivos antigos.

Com isso, o Senado enviou uma retificação ao Palácio do Planalto em 30 de setembro, às vésperas do prazo final para que novas regras eleitorais entrem em vigor para valer nas eleições de 2022 (um ano antes). O primeiro turno está marcado para 2 de outubro.

Na mensagem, assinada por Pacheco, passou a constar a revogação expressa dos incisos da Lei eleitoral, o que não foi aprovado pelo Senado, além de transformar os incisos relativos aos 150% em parágrafos.

A justificativa dada foi que tinha ocorrido uma inexatidão no material enviado e que seriam necessários ajustes de técnica legislativa.

Isso permitiu a Bolsonaro vetar os parágrafos, o que aconteceu de fato, e sancionar as revogações dos incisos da Lei Eleitoral, o que, na prática, estabeleceu para 2022 o limite de 100% de candidatos por partido, mais 1, assim como a Câmara queria.

Mesmo que houvesse interesse do Congresso em derrubar o veto presidencial (o que pode ocorrer caso haja o apoio de mais da metade dos deputados e senadores), não haveria efeito prático para a eleição de 2022, por causa do princípio da anterioridade em matéria eleitoral (novas regras têm que estar valendo a pelo menos um anos antes do pleito).

A Folha procurou Lira e Pacheco por meio da assessoria das Presidências da Câmara e do Senado. Além da Casa Civil da Presidência da República.

Foram feitas perguntas específicas sobre as razões da manobra. O Senado respondeu que suas justificativas estão no ofício que formalizou a retificação da mensagem ao Planalto. Câmara e Casa Civil não responderam.

A limitação ao número de candidatos atende aos interesses da maioria dos caciques partidários por vários motivos.

Com ela, haverá menos gastos para as siglas, mais verba pública para distribuição a um número restrito de políticos, além da redução do risco de que alguns congressistas percam suas vagas para pequenos partidos que lancem um grande número de candidatos.

Até 2018, valia a regra de coligações, em que geralmente vários partidos pequenos e médios se uniam nas eleições. Por exemplo, em um estado com dez vagas de deputado federal em disputa, uma coligação de dez partidos poderia lançar até 20 candidatos —em tese, dois por legenda.

Com a proibição das coligações, cada um desses partidos poderia lançar 20 candidatos em 2022, em vez de 2, caso a Lei Eleitoral fosse mantida. A Câmara tentou aprovar a volta das coligações neste ano no pacote eleitoral que acabou fracassando, mas o Senado barrou a medida.

As vagas na Câmara são definidas com base no total de votos dados a todos candidatos lançados pelas legendas. Ou seja, em tese, quanto mais candidatos, mais chances de eleição dos mais bem votados.

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