Aliados de Jair Bolsonaro duvidavam dos impactos políticos da CPI da Covid. Quando a investigação começou, em abril, os governistas diziam que o avanço inevitável da vacinação daria um alívio ao país na pandemia e neutralizaria o peso dos fatos que seriam explorados pela comissão.
Para esses operadores do governo, ainda que o presidente tivesse feito uma campanha aberta contra os imunizantes, as doses seriam aplicadas, os recordes de mortes ficariam para trás e a economia voltaria a rodar. Bolsonaro, segundo essa lógica, poderia ser absolvido pelo tribunal da opinião pública.
O fim da CPI deve lançar o presidente no cenário oposto. O Brasil imunizou mais de 110 milhões de pessoas, mas o trabalho da comissão reforçou as marcas do fracasso do governo em múltiplos aspectos da gestão da pandemia e agora encontra um país com todos os sinais de uma economia em crise.
O relatório final da CPI forma uma combinação incômoda para Bolsonaro. O texto da comissão indica a responsabilidade direta do governo pela catástrofe sanitária no momento em que a população aponta o dedo para o presidente pelo sufoco da economia.
O pedido de indiciamento de Bolsonaro por nove crimes tende a dormir nas gavetas de Brasília antes de dar origem a processos contra ele, mas terá um efeito político.
Os depoimentos e fatos apresentados pela CPI, organizados no relatório, devem se tornar pontos vivos do debate público, inclusive no ano eleitoral.
O texto final da comissão desmonta algumas das distorções que Bolsonaro costuma apresentar em busca de proteção —como os argumentos de que o governo comprou milhões de imunizantes, respeitou a autonomia de médicos que receitavam medicamentos ineficazes e foi impedido pelo STF (Supremo Tribunal Federal) de agir durante a crise.
A CPI, porém, apontou que o governo ignorou contatos de fabricantes de vacinas, apoiou ativamente a distribuição de hidroxicloroquina e investiu numa estratégia deliberada de contaminação pelo coronavírus.
Esses tópicos representam um custo adicional para Bolsonaro numa arena política cada vez mais carregada pelos efeitos das dificuldades econômicas.
O avanço da inflação e as incertezas sobre a recuperação do emprego tendem a cobrar um preço do governo até a corrida pela reeleição em 2022.
Atualmente, o Datafolha aponta que 41% dos eleitores veem "muita responsabilidade" da gestão Bolsonaro na alta de preços, e outros 34% enxergam "um pouco de responsabilidade".
O peso duplo recai sobre um presidente que tentou, a todo custo, se livrar dos danos políticos que poderiam ser causados tanto pela má gestão sanitária como pela desaceleração econômica.
Bolsonaro investiu contra medidas de proteção porque acreditava que a interrupção das atividades durante as fases mais dramáticas da pandemia drenaria seu poder.
O presidente até conseguiu segurar os índices de aprovação na primeira onda da crise, quando o país passou dos 100 mil mortos. Ainda expandiu sua popularidade no momento em que o auxílio emergencial de R$ 600 segurou a barra da população de baixa renda.
O que se viu depois, no entanto, sugere que um governante pode até preservar força quando há muitas mortes e muito dinheiro em circulação, mas passa por maus bocados se as vítimas se acumulam e o bolso fica vazio.
A primeira queda significativa de popularidade de Bolsonaro na pandemia ocorreu em janeiro, com a interrupção do pagamento do auxílio. A aprovação ao trabalho do presidente caiu de 37% para 31%.
O segundo baque foi registrado em maio, depois que o valor do benefício foi reduzido e o Brasil enfrentou uma violenta segunda onda da pandemia. A popularidade de Bolsonaro desabou para 24% e, meses depois, foi a 22%.
Desde o início da crise, o presidente agiu com convicção para se livrar dos prejuízos que poderiam ser provocados pela freada na economia e para abrir mão da responsabilidade pela tragédia da doença. Os sinais disponíveis até agora sugerem que um problema pode potencializar o outro.
A situação econômica é um fator-chave dos humores da população. Uma crise com impacto direto no bem-estar do eleitorado costuma levantar dúvidas sobre a permanência dos governantes no poder por mais um mandato.
Tudo o que um presidente não quer, numa hora dessas, é que outros questionamentos se somem à inquietação principal. O resultado trágico do país na pandemia, formatado no relatório da CPI, já se tornou um fator adicional nesse ambiente.
Bolsonaro ainda busca algum resguardo. O consórcio entre o presidente e o núcleo político liderado pelo centrão trabalha por um alívio na pressão econômica com o aumento temporário do Bolsa Família. A medida pode ajudar, mas será insuficiente para cobrir todos os segmentos vulneráveis que receberam o auxílio emergencial.
Mais difícil será se livrar do histórico que o governo construiu no enfrentamento à doença. O próprio Bolsonaro faz questão de reforçar as conclusões da CPI. O presidente mostrou que continuará usando como armas o ataque aos adversários, a desinformação e o desestímulo à vacinação.
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