Doria busca brechas nas regras de prévias do PSDB ante pressão de Eduardo Leite

Questionamentos sobre aplicativo, debate, suplentes e filiações expõem embates no partido

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São Paulo

A praticamente um mês da votação das prévias presidenciais do PSDB e na véspera do primeiro debate entre tucanos, aliados de João Doria questionam regras do partido e buscam brechas para reverter o cenário desfavorável ao governador paulista, que vê seu rival Eduardo Leite ganhar corpo na disputa.

Na última semana, cresceu a pressão do governador gaúcho sobre Doria, que reagiu questionando o aplicativo de votação, o debate e voltando a listar apoios de filiados que não poderão participar das prévias. Há também uma brecha aberta a partir da definição de voto dos suplentes.

Para aliados de Leite, os movimentos do paulista demonstram insegurança na corrida, enquanto o time de Doria afirma ser o favorito para a escolha do candidato do partido para a disputa do Planalto em 2022.

O temor é o de que essa série de arestas dê margem para a judicialização das prévias por parte de aliados de Doria, que vêm sofrendo derrotas a respeito da votação desde a definição de que a eleição seria indireta.

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O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e o de São Paulo, João Doria (PSDB) - Governo do Estado de São Paulo e Felipe Dalla Valle/Palácio Piratini

A eleição interna esquentou a partir da fala de Leite que comparou Doria ao presidente Jair Bolsonaro, no domingo (17). A disputa, neste momento, segue aberta e acirrada. Os dois lados cantam vitória.

O ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio também concorre. A votação está marcada para 21 de novembro, quando filiados e vereadores tucanos votarão por meio de aplicativo, e demais mandatários, por meio de urna eletrônica em Brasília.

Doria deve vencer em São Paulo, estado que concentra tucanos no país. Já Leite coleciona apoios em estados importantes para o PSDB, como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia, além de conquistar parte do eleitorado tucano paulista. ​

Nesta terça-feira (19), em debate promovido pelos jornais O Globo e Valor Econômico, a expectativa entre as equipes de Leite e de Doria é a de um debate educado e propositivo —os paulistas esperam que o gaúcho não volte a evocar o "BolsoDoria". O time de Leite, porém, afirma que pode haver embate sim, mas não no campo pessoal.

Na sexta-feira (15), Doria chegou a anunciar que não mais participaria do debate. Em reunião para tratar de regras, sua equipe demonstrou preocupação com perguntas duras de jornalistas, possibilidade de ataques entre os candidatos e quis diminuir o tempo do debate.

Tudo isso foi lido por aliados de Leite como receio do enfrentamento diante do crescimento da campanha do gaúcho. Nos bastidores, auxiliares de Doria afirmam que ele quis evitar o embate por ser favorito e, ao final, ter que contar com Leite e Arthur em sua eventual campanha ao Planalto.

De modo geral, o questionamento ao partido a respeito de regras comuns de debate e a recusa em participar de um instrumento de democracia interna foram um tiro no pé para Doria, que voltou atrás no fim de semana, alegando ter recebido mensagens de apoiadores pedindo sua participação.

A avaliação entre tucanos é a de que o partido e o processo de prévias como um todo perderia credibilidade sem a participação de Doria, mas, com sua volta atrás, o desgaste ficou apenas na conta do governador paulista.

Entre dirigentes do partido, as regras dos debates —haverá mais dois— estão fora de discussão.

Em outra frente, entre os pontos levantados por aliados de Doria nos últimos dias, o do aplicativo é o que tem maior margem para questionamento. Isso porque, embora dirigentes do partido estejam seguros da confiabilidade da ferramenta, admitem que a tecnologia não é perfeita e necessita de reparos.

A expectativa é fazer todas as correções a tempo —o prazo para inscrição de tucanos no aplicativo é 14 de novembro. Só então o colégio eleitoral da disputa estará definido e será possível estabelecer estimativas de votos para cada lado com maior precisão.

O aplicativo foi desenvolvido pela Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com consultoria da Universidade de São Paulo e auditoria da empresa de segurança cibernética Kryptus.

Para a direção do PSDB, não há hipótese de que o aplicativo não seja usado. Já a equipe de Doria aguarda novos testes de auditoria que, na avaliação deles, podem minar a ferramenta.

A alternativa proposta pelos paulistas é distribuir urnas com cédula de papel pelo país, o que a cúpula do partido descarta por questões de logística, morosidade e possibilidade de fraudes.

​"Nenhum risco é maior que o voto em cédula, é o modelo mais antiquado e inseguro. O aplicativo será doado a todos os partidos eleitorais brasileiros, para que cada um adeque para sua realidade política interna", diz o presidente do PSDB, Bruno Araújo.

Ele acrescenta que o aplicativo foi desenvolvido e testado por entidades de ponta e custou R$ 1,3 milhão aos cofres do partido —sustentado com verba pública.

Detratores do governador paulista dizem que o pleito por cédulas de papel é para promover maior controle sobre os votantes, enquanto o aplicativo torna a adesão mais dispersa. Aliados de Doria, porém, apontam risco de invasão da tecnologia.

Outro debate que está por vir é a questão da votação de suplentes, que pode abrir brechas para manobras. Dirigentes tucanos pregam que tanto titulares licenciados quanto aqueles suplentes no exercício do cargo votem de acordo com o grupo a que pertencem —vereadores, deputados etc.

Isso pode significar votos dobrados nos grupos de parlamentares e ensejar a nomeação ou afastamento de mandatários de forma estratégica. De acordo com o presidente do PSDB, as regras referentes a esse tema serão debatidas com as equipes dos postulantes nos próximos dias.

Entre aliados de Doria, o entendimento é de que só aqueles no exercício do mandato votam como parlamentares, e os eleitos originais votariam apenas como filiados.

O prefeito de Santo André, Paulo Serra, que apoia Leite, afirma que os votos dobrados seriam artificiais e também defende que só o suplente ou só o eleito vote como parlamentar.

Ainda não é possível dizer se o assunto abrirá uma nova frente de discordância ou de manobras de parte a parte —cenário não descartado por quem observa a tensão da disputa de perto.

Por outro lado, tucanos lembram que nomeações exigem justificativas e demandam gastos do poder público, o que pode inibir fraudes. "Prefiro acreditar que há limites para todo e qualquer movimento para viabilizar votos para as prévias", diz Araújo.

"Pode ser mais uma brecha a ser explorada administrativamente ou judicialmente, e o processo pode ser desfigurado. Temos que tomar todos os cuidados. As prévias são inovadoras e não podem deixar qualquer margem em relação à credibilidade", afirma Serra a respeito dos suplentes e outros pontos em discussão.

Em uma demonstração de força, Doria divulgou, no fim de semana, uma carta de apoio assinada por 230 prefeitos e 120 vice-prefeitos tucanos de São Paulo. O estado tem 237 prefeitos e 147 vice-prefeitos tucanos.

A questão é que parte dos mandatários que apoia Doria foi filiada após 31 de maio, data limite estabelecida pelo partido, e, por isso, não poderá votar. O PSDB de São Paulo não esclareceu à reportagem quantos prefeitos e vices estão nessa situação —a conta inclui ao menos 65 filiados em julho.

De acordo com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atualizados até 31 de maio, São Paulo tem 223 prefeitos e 142 vice-prefeitos tucanos aptos a participarem das prévias. São esses dados que o PSDB considerou ao organizar a base de dados do aplicativo e das urnas eletrônicas.

No total, são mil prefeitos e vices tucanos em todo o país filiados até a data limite. Ou seja, São Paulo tem sozinho 36,5% desse grupo, que representará 25% da pontuação dos candidatos nas prévias.

Outros 25% virão do grupo de 68 deputados estaduais e 4.367 vereadores. Há ainda o grupo de filiados comuns, que representa 25% —embora o partido tenha cerca de 1,3 milhão de filiados, a expectativa entre tucanos é a de que a votação já será expressiva se tiver a participação de 60 mil.

O quarto e decisivo grupo é o de governadores, vice-governadores, senadores, deputados federais e ex-presidentes do PSDB, além do atual, Araújo.

Com cerca de 50 nomes, o grupo tem 25% de peso e, pelos votos declarados atualmente, Leite leva vantagem no colegiado, mas há número suficiente de indecisos para que Doria vire o jogo.

Com o crescimento da campanha de Leite e em meio ao embate acirrado, membros do partido ouvidos pela reportagem não descartam que Doria force novas discussões no PSDB a respeito da data limite de filiação ou da adoção do aplicativo.

Como a primeira questão já foi estabelecida em resolução por Araújo, auxiliares do governador paulista afirmam que não voltarão a enfrentar a executiva nacional. Nos bastidores, contudo, já foram avaliadas as interpretações do estatuto da sigla que permitiriam o voto aos recém-filiados.

Questionado sobre os pontos levantados por Doria serem sinal de um momento desfavorável a ele nas prévias, o presidente do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi, disse apenas que os tucanos buscam o melhor.

"É a primeira vez que um partido político se dispõe a fazer prévias nacionais e tem sido um sucesso. É natural o diálogo e a construção conjunta dentro desse processo", completa.

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