'Já temos 11 crimes de Bolsonaro e vários agravantes', diz Renan sobre relatório final da CPI

Senador chama presidente de facínora e diz que pode pedir indiciamento de filhos de mandatário por ações na pandemia

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Brasília

O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirma que seu texto final terá três personagens centrais: o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello e seu braço-direito, o coronel Élcio Franco.

Em relação ao chefe do Executivo, a quem chama "mercador da morte", afirma que está clara e comprovada a sua participação em crimes e que por isso não há dúvidas de que será responsabilizado.

"Nós já temos a especificação de 11 crimes e vários agravantes", afirma em entrevista à Folha. A previsão é de leitura do relatório no dia 19 de outubro.

Relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) diz que cogita propor o indiciamento dos filhos de Bolsonaro
Relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL) diz que cogita propor o indiciamento dos filhos de Bolsonaro - Pedro Ladeira - 18.mai.21/Folhapress

O senador do MDB também acrescenta que cogita propor o indiciamento de filhos de Bolsonaro por suas ações com a negociação de vacinas contra a Covid-19, pela ligação com o caso Prevent Senior e com o gabinete paralelo.

Além das tipificações que vêm sendo mencionadas para enquadrar os responsáveis —como prevaricação, crime contra a vida, charlatanismo e crimes de responsabilidade—, o relator afirma trabalhar com a hipótese de incluir nas sugestões de indiciamentos homicídio comissivo, quando é cometido por omissão.

De volta aos holofotes com a CPI, após dois anos de ostracismo, o senador nega que esse seja um retorno definitivo para o centro da política. "Não pretendo voltar a ser pauta da política nacional."

Qual o balanço que o sr. faz dos trabalhos da CPI? Eu nunca havia participado de CPI, faço agora porque era preciso investigar profundamente e exemplarmente punir essas pessoas. Era necessário retomar a capacidade do Parlamento de investigar.

Essa CPI teve muitas especificidades, foi sem dúvida a que obteve mais aderência social, teve índices históricos de aprovação e foi a que mais obteve audiência.

O primeiro resultado visível da CPI foi a potencialização da indignação social represada durante meses de pandemia por temor a aglomerações e contágio.

A partir da CPI, as ruas passaram novamente a ser ocupadas por opositores do governo Bolsonaro. E teve outras coisas, como a maneira espontânea e inédita que criou também um gabinete do bem de defesa da vida, da ciência, que envolveu denúncias, checagens, sugestões, linhas de investigações, perguntas onlines. A sociedade verdadeiramente participou do seu dia a dia.

Nós não imaginávamos inicialmente investigar a corrupção.

Mas, a partir das primeiras reuniões, nós começamos a receber denúncias de que, enquanto o governo recusava as ofertas da Pfizer, do Butantan e da OMS, algo em torno de 170 milhões de doses que poderiam ter sido aplicadas ainda no ano que passou, priorizava tratativas com lobistas, atravessadores, indicados por critérios políticos, pelo seu líder na Câmara dos Deputados [Ricardo Barros (PP-PR)].

E depois [chegamos aos] contratos escusos no Ministério da Saúde, depois a disputa de poder dos remanescentes do centrão com os representantes dos militares que foram levados pelo ministro Pazuello.

Olhando para trás, o sr. se arrepende de algo, de ter ouvido algum depoente? Não, quem define os limites da investigação acaba sendo a própria investigação. Chega em um momento que é preciso ouvir todos os que têm culpa no cartório.

Naquela circunstância era necessário ouvir o Luciano Hang, por tudo o que ele fez e deixou de fazer, independentemente do que ele simbolizava ou não para o bolsonarismo.

A CPI, quando vai investigar, não investiga em função de direção A ou B. Ela tem que investigar indistintamente.

Se tivesse que ouvir, eu ouviria novamente o Luciano Hang com as suas mentiras, com as suas imprecisões, suas contas em paraísos fiscais, com a falsificação da certidão de óbito da sua própria mãe, para não desmerecer a eficácia do tratamento da Covid, que era um produto brasileiro que o governo brasileiro queria vender com a Prevent Senior para o exterior.

Em regra geral, os governistas negaram o negacionismo, enrolaram, procuraram ser imprecisos, mentiram veladamente, mas isso não poderia inibir a convocação de ninguém.

Em alguns momentos, a CPI perdeu o foco? Nós apresentamos um plano de trabalho. Nele, nós não iríamos investigar determinados desvios de condutas. Acabamos tendo de investigar, sim, porque é a investigação que define os rumos do trabalho. Então a CPI acertou sempre.

Nós mantivemos esse canal com a sociedade, com os internautas, com redes sociais, com telespectadores, que acompanharam como nunca os trabalhos da comissão.

Procuramos corrigir rumos, ouvir as críticas, redefinir táticas de investigação. Nós tentamos o tempo todo colar o ouvido no Brasil para amenizar os erros. Por isso estamos acabando com essa aprovação popular.

A CPI teve muita audiência, virou trending topic, mas muitas vezes isso se deu por bate-boca, confusões, piadas. Como responde a essa crítica de que a CPI em determinados momentos virou um circo? Da forma que respondemos a todos que procuraram expor a comissão parlamentar de inquérito para atender aos propósitos do negacionismo e do governo Bolsonaro.

A circunstância juntou na comissão parlamentar de inquérito quadros respeitados da vida nacional. O senador Tasso Jereissati, por exemplo, exerceu uma liderança indiscutível do ponto de vista ético, moral e colaborou para colocar equilíbrio. Assim juntamente com o Otto Alencar, com o Eduardo Braga, Alessandro Vieira, colocou equiíbrio todas as vezes que as coisas se exarcebavam.

O próprio presidente Omar [Aziz], com muita precisão, catalisava rapidamente o sentimento majoritário e repelia com firmeza arruaças, insinuações, intimidações.

As senadores também foram veementes, estudiosas, dedicadas, fizeram um papel insubstituível.

A comissão, é claro, em todos os momentos, procurou ouvir, ouvir, ouvir e por isso acertamos muito mais.

Qual será a tônica do relatório do sr.? O aprofundamento da investigação nos levou a caracterizações várias, de procedimentos criminosos, em função disso vamos usar vários tipos penais, desde crime de responsabilidade, passando pelos crimes comuns, chegando aos crimes contra a saúde pública e contra a humanidade. Mais de 40 pessoas serão indiciadas.

O sr. disse que o presidente Jair Bolsonaro será indiciado "com certeza". Quais seriam as tipificações? Detalhadamente, ainda não as temos. E a partir do dia 15 eu vou colher o ponto de vista de cada senador da CPI.

Mas há um consenso de que o Bolsonaro é um mercador da morte. Sua trajetória é autoexplicativa: defendeu matar 30 mil brasileiros, ainda quando deputado federal, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso. Idolatra ditadores carniceiros como Pinochet, Ustra, Stroessner, Médici, tem vínculos inegáveis com a face mais assustadora da morte, as milícias.

Quer dizer, continua defendendo armamento, fala em armar a população, em fuzilar adversários. E foi decisivo para a morte de milhares de brasileiros.

É um facínora, e esse governo criou o gabinete da morte, um ministério paralelo, também responsável pelo extermínio dos brasileiros. Por causa disso tudo, desse impedimento óbvio e majoritário, ele será responsabilizado.

O sr. poderia mencionar alguns crimes ou quantos seriam? Nós já temos a especificação de 11 crimes e vários agravantes. Mas não há ainda uma conclusão, porque antes de qualquer coisa eu vou ouvir os senadores.

Cogita propor o indiciamento de filhos do presidente? Evidentemente que eu não posso dizer o que estou cogitando, não posso antecipar, porque todas dependerão da maioria da CPI e não apenas do relator.

Mas nós estamos estudando todas essas hipóteses, inclusive em relação aos filhos, na negociação de vacinas, de defesa do que aconteceu na Prevent Senior, no gabinete do ódio, nas fake news.

Quem serão os personagens centrais do relatório? Todos cujas condutas foram investigadas serão responsabilizados. Esses encaminhamentos [relativos a pessoas sem foro especial] não serão feitos para a Procuradoria-Geral da República. Serão feitos a instâncias inferiores do Ministério Público Federal.

Mas todos serão responsabilizados, aqueles cujas comprovações a comissão parlamentar de inquérito observou durante os trabalhos.

Existem figuras principais. O general [Eduardo] Pazuello é um, o coronel Élcio Franco, o presidente da República, tiveram participações comprovadas na materialização do que aconteceu no Brasil e no custo que se pagou com vidas. Esses são os principais, mas vamos ter o indiciamento de mais de 40 pessoas.

Há provas suficientes para ligar o caso Prevent Senior ao governo? O caso da Prevent Senior, agora na reta final, e o de Manaus foram os mais aterradores de nossa apuração.

Eles nos remetem a experiências macabras do Terceiro Reich com seres humanos, teste de remédios, resistência física e até mesmo experiências cruéis com gênios de Josef Mengele, com hinos entoando a obediência e lealdade. É algo macabro, desumano, criminoso.

Em Manaus, a delegação da morte, que é a comitiva oficial do Ministério da Saúde, matou pessoas asfixiadas.

Na Prevent Senior, o mais grave é a vinculação direta com o Poder Executivo, com o presidente da República, com os seus filhos e com o gabinete paralelo.

Os experimentos nazistas eram festejados e espalhados pelo presidente. E nós temos provas de tudo isso. Era um instrumento que, segundo o próprio Bolsonaro, iria revolucionar a medicina do mundo.

O sr. pensa em propor indiciamento por homicídio por ações durante a pandemia? Dentre os tipos penais que estão sendo observados, uma hipótese que avança é a hipótese da utilização do homicídio por omissão, o homicídio comissivo.

Por isso que não pode haver a essa altura ainda um detalhamento com relação aos tipos penais que vamos utilizar, mas estamos discutindo, sim, a hipótese do homicídio como um deles.

Teme que o relatório final seja engavetado pelo procurador-geral Augusto Aras? Não tenho nenhuma dúvida de que a investigação isenta, independente e profunda que se fez nesses 165 dias, defendendo a vida, a ciência, colocando luz em lugares que precisariam ser iluminados, trabalhando na adversidade contra a morte, contra o obscurantismo, a crença medieval e as trevas vai ser analisada tecnicamente.

Eu não acredito que o procurador-geral da República substitua tudo isso por um engavetamento de tudo o que se levantou com o apoio da sociedade.

A expectativa que eu tenho é que as coisas andarão na Procuradoria-Geral da República com relação àqueles que têm prerrogativas especiais.

Eu acho que os índices superlativos de apoio que essa CPI teve acenarão definidamente para que essas coisas aconteçam no prazo da lei, que são 30 dias.

Depois da derrota nas eleições para a presidência do Senado, em 2019, o sr. manteve uma atuação mais discreta. A CPI marcou em definitivo sua volta aos holofotes da cena política? Não, eu apenas, com meu trabalho, colaborei com a conexão do Senado com a sociedade, com a investigação de fatos que precisavam vir à luz e, sobretudo, colaborei com a retomada da condição de investigar do Senado Federal, do Parlamento, que tem que fazer investigações coletivas todas as vezes em que fatos graves não estão sendo investigados pelos canais convencionais.

Não pretendo voltar a ser pauta da política nacional. Quero exercer plenamente meu mandato de senador, em nome do povo de Alagoas e, modestamente, colaborar, como devo colaborar.

Renan Calheiros, 66
Nascido em Murici (AL) e formado em direito, iniciou sua carreira política no final dos anos 1970, ao ser eleito deputado estadual em Alagoas. Foi também deputado federal e atua como senador desde 1995, sempre pelo MDB. Foi presidente da Casa por três vezes. É o atual relator da CPI da Covid

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