Ministros de Bolsonaro levam familiares, pastor e lobistas em voos oficiais

Decreto abre margem à carona; Jair Renan fez ao menos 5 viagens

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Brasília

Ministros do governo Jair Bolsonaro levam de parentes a pastor e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira).

Os dados sobre as viagens feitas desde janeiro de 2019 foram repassados à Folha via Lei de Acesso à Informação por ministérios e outros órgãos que têm direito a solicitar esse tipo de deslocamento.

Já os ministérios da Defesa e da Cidadania e os comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica não quiseram informar quem acompanhou os chefes das respectivas pastas em viagens.

Também omitem esses dados a Câmara dos Deputados, o Senado Federal e o STF (Supremo Tribunal Federal).

O ministro Marcelo Queiroga (Saúde)
O ministro Marcelo Queiroga (Saúde) - Adriano Machado-5.ago.21/Reuters

Filho "04" de Bolsonaro, o influenciador digital Jair Renan pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros.

Ele aproveitou viagens do então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, em outubro de 2019.

Ainda esteve em três voos da Casa Civil, sendo dois na gestão do general Braga Netto e outro ao lado de Ciro Nogueira (PP), atual ministro. Na viagem mais recente, em julho de 2021, o filho de Bolsonaro levou um amigo de Brasília a São Paulo.

Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos. O documento afirmava que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves.

Bolsonaro também mudou o decreto sobre uso das aeronaves oficiais no começo de 2020 para, em tese, endurecer as regras.

Mas o texto deixa margem às caronas, pois afirma que os "critérios de preenchimento das vagas remanescentes na aeronave" são definidos pelas autoridades que pedem os voos.

O ministro Ciro Nogueira levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira. "O voo ocorreu porque foi o momento encontrado na agenda do ministro para uma reunião de trabalho, para que ele fosse atualizado do andamento de ações", disse Meira, em nota.

No mesmo voo da Casa Civil estava Davidson Tolentino, então diretor da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Ciro, Tolentino e Meira foram mencionados em investigação da Lava Jato, mas o advogado não é denunciado ou réu em qualquer caso.

Dados enviados à reportagem mostram ainda que o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA), em maio de 2021.

O MEC não explicou se o líder religioso acompanhou a agenda de fato ou só aproveitou o deslocamento.

Os dados de comitivas dos voos de Bolsonaro e do vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), são protegidos por sigilo. Autoridades fora do Executivo também levam parentes em voos da FAB, segundo os dados obtidos pela reportagem.

Os dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação registram a presença filho do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Augusto Nardes em comitiva que levou o ministro Marcos Pontes, além de Nardes, a Santo Ângelo (RS).

O TCU informou nesta segunda-feira (1) que o filho do ministro da corte não acompanhou o voo.

"O ministro Augusto Nardes informa que seu filho não foi passageiro do citado voo. A informação pode ser confirmada junto aos órgãos competentes, pois a lista de passageiros parece estar desatualizada", disse o órgão em nota. Procurado, o ministério não se manifestou.

Já o deputado federal Bosco da Costa (PL-SE) aproveitou deslocamento para evento do Ministério do Desenvolvimento Regional da capital federal a Aracaju (SE), em julho, para garantir carona ao filho, segundo informou a própria pasta.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM), levou o marido, Caio Dias, em pelo menos oito trajetos desde 2019.

Ela também deu carona para eventos do agronegócio a representantes de diversas instituições que fazem lobby no setor, como Aprosoja, CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), IPA (Instituto Pensar Agro), Abramilho, Abraleite, entre outras.

Como mostrou a Folha, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, levou esposa e seus três filhos, além de parentes de outras autoridades, em pelo menos 20 viagens oficiais.

Segundo os dados dos ministérios, um dos filhos de Queiroga, o estudante Antônio Cristóvão Araújo, pegou carona em voos do ministro do Turismo, Gilson Machado, de Brasília a Porto Velho (RO), em julho, sem a companhia do pai. Saúde e Turismo não quiseram explicar a viagem à reportagem.

A médica Sarita Pessoa acompanhou o marido e ministro do Turismo em pelo menos nove viagens. Ainda esteve em deslocamentos pedidos pela Saúde e pela ministra Damares Alves.

A ministra deu carona a Sarita, parentes da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e Agustin Fernandez, maquiador e amigo da esposa do presidente, em voos de ida e volta de Brasília a São Paulo, como mostrou o jornal O Globo.

Os nomes dos passageiros desse voo, porém, são apresentados de forma genérica, sem sobrenome, nos dados abertos pelo ministério. Também não citam a presença de Fernandez.

O general Braga Netto levou Isabela Ossaé, sua filha, em três voos da Casa Civil. Em outros quatro, foi acompanhado da esposa, Kathya Braga Netto.

Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, esteve com a filha, Paula Drumond Guedes, em viagem do Rio a Brasília em 3 de junho de 2021. A Economia afirma que o ministro havia participado de evento organizado por ela.

Em outra data, Paula viajou ao lado do pai em voo da FAB por "questões de saúde da família", segundo a pasta, que não entrou em detalhes. Uma "funcionária pessoal" de Guedes também acompanhou o ministro neste ano pelo mesmo motivo, ainda de acordo com a Economia.

Apesar de ter prometido endurecer as regras sobre voos da FAB no começo da gestão, Bolsonaro é tolerante. Ele chegou a demitir o advogado Vicente Santini do governo pelo uso de jato da FAB, mas o trouxe de volta meses mais tarde para cargos no governo.

Forças Armadas não divulgam listas de passageiros

Aeronáutica e Marinha disseram que não têm a compilação de passageiros dos voos, em resposta via Lei de Acesso à Informação. Já o Exército afirmou que precisaria de 105 dias úteis para levantar os nomes.

O Ministério da Cidadania afirmou que não seria possível precisar a lista de passageiros, pois há voos compartilhados com outras autoridades. A pasta também não explicou a razão de Roberta Roma, esposa de João Roma, ter acompanhado o ministro em viagem a Salvador.

MEC, Agricultura, MCTI, Casa Civil, a pasta de Damares, Câmara e Senado não responderam à Folha. Os dados dos demais ministérios não mostravam passageiros sem ligação com as agendas dos ministros.

O STF (Supremo Tribunal Federal) também não divulgou a lista dos passageiros. Disse apenas que são, "essencialmente, seguranças e servidores de assessoramento direto" dos ministros.

Em setembro, Hercílio José Binato de Castro, genro de Luiz Fux, acompanhou o ministro em voo oficial. O Supremo afirma que nesse caso, "de maneira excepcional", Castro foi do Rio à capital federal em voo da FAB com o presidente do STF, pois ambos haviam participado do mesmo evento.

O Turismo não explicou o porquê de ao menos sete nomes de passageiros de viagens da pasta não terem identificação mais detalhada. A Defesa disse que há previsão de dar carona a pessoas de fora da comitiva. A Saúde usou brecha de decreto para justificar as viagens.

A Abramilho disse que o presidente da entidade fez duas viagens a convite de Tereza Cristina. A Folha não conseguiu fazer contato com o pastor Arilton Moura e não recebeu resposta da assessoria de Jair Renan.

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