Ofensiva por megarreforma eleitoral fracassa, e 2022 terá só mudanças pontuais

Ficaram pelo caminho retomada das coligações e exigência da impressão do voto eletrônico

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Brasília

A tentativa do Congresso de emplacar a maior reforma eleitoral e política desde a Constituição de 1988 fracassou e as eleições de 2022 terão apenas mudanças pontuais.

Entre elas estão peso maior para mulheres e negros na distribuição dos fundos partidário e eleitoral e a possibilidade de partidos se unirem em federações —uma sobrevida a legendas menores.

Ficaram pelo caminho algumas das principais medidas aventadas, como a mudança do sistema proporcional para o de voto majoritário, a retomada das coligações e a exigência da impressão do voto eletrônico.

Outras iniciativas travaram no Senado, como o Código Eleitoral, que traz medidas que restringem a divulgação de pesquisas eleitorais, fragilizam a fiscalização de contas partidárias e estipulam quarentena eleitoral para juízes, promotores, policiais e militares.

A ofensiva para alterar parte do arcabouço eleitoral e político do país foi capitaneada pela Câmara, sob o comando do presidente Arthur Lira (PP-AL).

Logo que foi eleito, em fevereiro, o deputado criou o grupo de trabalho responsável por consolidar toda legislação eleitoral e estabelecer um código unificado. A relatoria ficou a cargo de uma aliada, a deputada Margarete Coelho (PP-PI).

A intenção de Lira era que as mudanças propostas fossem aprovadas a tempo de vigorar para a eleição de 2022. Para isso, o código já teria de estar sancionado no início deste mês, pelo princípio da anualidade.

A tramitação na Câmara, no entanto, sofreu atrasos, em meio a críticas de que as alterações não poderiam ser feitas de forma açodada.

O texto foi aprovado pelos deputados somente em meados de setembro, deixando cerca de duas semanas para que os senadores analisassem todos os 898 artigos que saíram da Casa vizinha —o que eles se recusaram a fazer.

O efeito prático do atraso é que, mesmo que o Senado aprove, alterações que dizem respeito ao processo eleitoral não vão entrar em vigor no próximo pleito.

Uma das mudanças contestadas, a proibição de que plataformas banissem ou excluíssem perfis de candidatos, não valeria para 2022, de acordo com Filippe Lizardo, professor de direito eleitoral.

"Como se trata de matéria que pode ter relação com propaganda eleitoral e tendo em vista que o dispositivo fala em conta de 'candidato durante o período eleitoral', tendo a considerar que se trata de matéria afeta ao processo eleitoral. Assim, estaria submetida ao princípio da anualidade", afirma.

"Mas é uma questão que tende a gerar discussão caso passe no Senado antes das eleições do ano que vem", diz Lizardo.

Por outro lado, dispositivos criticados, como o que censura a divulgação das pesquisas eleitorais a partir da antevéspera das eleições e exige taxa de acerto dos institutos, não seriam enquadrados no princípio da anualidade.

O mesmo vale para as modificações envolvendo a prestação de contas partidárias e o uso de recursos públicos, como a autorização para que as legendas usem o fundo partidário para qualquer tipo de despesa.

"A lógica é que a prestação de contas dos partidos não é ligada ao processo eleitoral", explica Roberta Gresta, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

No caso da quarentena eleitoral para militares, juízes, policiais e promotores, o atraso no fim da tramitação tem pouco impacto, pois a mudança só vale para 2026 e a exigência é de que os potenciais candidatos deixem o cargo quatro anos antes do pleito —ou seja, até outubro do próximo ano.

Além do código, Lira também deu aval a outras frentes que, se tivessem sido bem-sucedidas, teriam representado grandes mudanças no sistema eleitoral do país. Em abril, decidiu criar comissão especial para debater a reforma eleitoral.

O debate principal girou em torno da substituição do sistema proporcional, pelo qual são eleitos deputados e vereadores e que privilegia o apoio aos partidos, pelo "distritão", modelo segundo o qual são eleitos os mais votados e que prioriza candidatos em detrimento das legendas.

Por acordo, o texto final da comissão trouxe o distritão, a retomada das coligações partidárias e a possibilidade de o eleitor votar em até cinco candidatos a presidente, governador ou prefeito, em ordem decrescente de preferência, acabando com o segundo turno.

No plenário, os deputados refinaram as propostas e decidiram apenas retomar as coligações. No Senado, até isso foi eliminado.

A PEC (proposta de emenda à Constituição) promulgada acabou apenas mudando as datas de posse do presidente e governadores a partir de 2026 e estabelecendo a contagem dobrada de votos recebidos por mulheres e negros para a Câmara nas eleições de 2022 a 2030 para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral.

Os senadores também retiraram as amarras ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) colocadas pela Câmara, que havia estipulado que as decisões das cortes relativas ao processo eleitoral só teriam validade se publicadas até um ano antes das eleições.

Outra discussão que naufragou foi a adoção do voto impresso, uma das principais bandeiras bolsonaristas. Lira desconsiderou a rejeição da proposta na comissão especial e decidiu que o destino da PEC seria selado em plenário.

O resultado foi o mesmo: foram 229 a favor do texto, 218 contra e uma abstenção. Eram necessários ao menos 308 votos dos 513 deputados (60%) para que a proposta de impressão do voto dado pelo eleitor na urna eletrônica fosse adiante.

Por outro lado, como parte da articulação para destravar a reforma eleitoral, a Câmara enviou para sanção a proposta que permite a partidos políticos se organizarem em uma federação pelo tempo mínimo de quatro anos.

Bolsonaro barrou o texto, mas o Congresso derrubou o veto. A mudança já vai vigorar para 2022, o que representa uma sobrevida às legendas pequenas, que corriam o risco de serem extintas.

O presidente da Câmara ainda inaugurou uma última discussão, sobre a troca do sistema político do presidencialismo para o semipresidencialismo.

Para ele, o modelo semipresidencialista, em que algumas funções que hoje competem ao presidente são delegadas a um primeiro-ministro, ajudaria a estabilizar o país.

O debate deve ganhar força a partir desta semana. Lira defende que a mudança, se aprovada, vigore a partir de 2026.

Para Lizardo, o presidente da Câmara jogou vários balões de ensaio para tentar emplacar mudanças relevantes. "Ele teve sucesso em muita coisa, mas não teve sucesso em outras. O Código Eleitoral foi um exemplo disso."

"Ele saiu derrotado. Das principais tentativas de mudança, ele não conseguiu emplacar nenhuma. O que a gente teve para valer para 2022 foram alterações muito pontuais e que passam muito distante das alterações profundas que ele pretendeu fazer no nosso sistema eleitoral."

Na avaliação do líder da Maioria no Congresso, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), os mesmos erros são repetidos pelo Congresso.

"Nós fazemos muitas reformas pontuais, em cima da hora, por causa de um calendário. Eu sempre defendi que nós fizéssemos uma reforma política estruturante, com uma data mais à frente da produção dos seus efeitos. Ou seja, votar agora e pensando no futuro. E fazer uma reforma que modifique a estrutura do sistema partidário e eleitoral do nosso país", diz. "E isso não é fácil, tanto é que não se fez."


O que vai valer para 2022

  • Votos recebidos por mulheres e negros para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030 contarão em dobro para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e do fundo eleitoral
  • Dois ou mais partidos poderão se unir para cumprir a cláusula de barreira sem precisar se fundir; legendas precisarão ficar unidas durante toda a legislatura, ou seja, no mínimo quatro anos
  • Poderão concorrer às sobras nas eleições para deputados e vereadores apenas candidatos que alcançarem 20% do quociente eleitoral e os partidos que obtiverem um mínimo de 80% desse quociente —número é obtido a partir da divisão da quantidade de votos válidos pelas vagas disponíveis na Casa Legislativa
  • Deputados e vereadores perderão o mandato quando se desligarem do partido, exceto nos casos de justa causa e anuência da sigla

O que não vai valer para 2022

  • Proibição de que plataformas excluam perfis de candidatos a cargos eletivos no período eleitoral
  • Mudança na data de posse de presidente e governadores

O que ficou pelo caminho

  • Volta das coligações nas eleições proporcionais
  • Adoção do distritão —voto majoritário
  • Voto impresso
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