Revelações do jornalismo profissional ajudaram a embasar relatório da CPI da Covid

Reportagens apontaram suspeita de propina, negociações com intermediários e pressão atípica pela Covaxin

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Brasília

O trabalho do jornalismo profissional pautou audiências e ajudou a embasar o relatório final da CPI da Covid, apresentado nesta semana pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).

O documento final entregue pelo relator usou reportagens publicadas na Folha e em diversos veículos de comunicação para montar linhas de investigação e chegar até a pedidos de indiciamento.

A imprensa apontou para a comissão a suspeita de pedido de propina de agente público, negociações de compra de vacinas com intermediários, pressão atípica para agilizar a importação da Covaxin, movimentações financeiras atípicas de empresas investigadas e falsificações de contratos.

O caso revelado pela Folha do policial militar Luiz Paulo Dominghetti, que afirmou ter recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em negociação sobre venda de vacinas ao Ministério da Saúde, por exemplo, rendeu um capítulo do documento e ao menos seis sugestões de indiciamento.

Nas 20 páginas dedicadas ao tema, intituladas "Mercado secundário de vacinas e indícios de corrupção no Ministério da Saúde", Renan considerou que conversas disponibilizadas por Dominghetti também revelaram indícios robustos da prática do crime de corrupção ativa.

Por causa disso, ele sugeriu indiciamento do cabo e de mais quatro pessoas por este crime.

Já ao ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, que teria solicitado vantagem indevida para a viabilização do contrato de 400 milhões de doses, foi pedida a punição pelos crimes de corrupção passiva, formação de organização criminosa e improbidade administrativa.

Dias foi exonerado poucas horas após a publicação da reportagem.

A reportagem publicada também na Folha sobre um áudio divulgado pelo médico Walter Correa de Souza Melo, que trabalhou na Prevent Senior, com denúncias de irregularidades na operadora foi usada no capítulo "Ameaças a médicos" do relatório, que deve ser votado na semana que vem pela CPI.

"Em matéria publicada pela Folha de S.Paulo no dia 22 de setembro, o doutor Walter Correa faz afirmações bastante graves. Segundo ele, profissionais de hospitais da Prevent Senior eram obrigados a prescrever medicamentos do kit-covid, sob pena de demissão. Além disso, contou ainda ao jornal paulista que fora obrigado a trabalhar em um plantão, mesmo estando infectado pelo coronavírus", diz o relatório.

No mesmo tema, foi citada uma entrevista de Fernando Parillo, um dos proprietários da Prevent Senior, à Folha, no dia 23 de setembro.

Questionado sobre a razão de um estudo da operadora (sobre uso associado de hidroxicloroquina e azitromicina) ter sido feito sem autorização da Conep (Comissão de Ética em Pesquisa), ele disse que houve uma "confusão interna".

"Está claro que a empresa conduziu estudo com irreparáveis erros éticos e metodológicos", diz o documento, que sugeriu o indiciamento de Parrillo pelos crimes de perigo para a vida ou saúde de outrem, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

Uma entrevista do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, à Folha no dia 14 de março, quando ainda era presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, também foi citada no relatório.

Na ocasião, ele afirmou que o próprio órgão não recomendava o uso da cloroquina nos pacientes, e que ele mesmo não era favorável porque não havia consenso na comunidade científica.

Renan pediu o indiciamento de Queiroga pelos crimes de "epidemia com resultado morte" e prevaricação, ambos previstos no Código Penal.

A ajuda que Jair Renan, filho mais novo do presidente da República, recebeu do lobista da Precisa Marconny Albernaz de Faria para abrir sua empresa, a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, revelada pela Folha, também foi citada no documento.

A Folha também revelou vídeo no qual o servidor Luís Ricardo Miranda aponta a uma promotora de Justiça que recebeu "pressão atípica" para agilizar a importação da vacina indiana Covaxin.

A reportagem trouxe para a CPI indício de corrupção na compra de imunizantes e novos personagens, como o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), que depois revelou ter alertado o presidente da República.

O documento final traz a proposta de indiciamento de Bolsonaro por prevaricação referente a esse caso.

Em abril, a GloboNews mostrou que ex-médicos da Prevent Senior afirmavam que a empresa obrigava a trabalharem com Covid-19 e a receitar medicamentos ineficazes contra a Covid-19, tema que ganhou impulso nas investigações da CPI.

Além disso, outros veículos de comunicação fizeram revelações importantes que constam do relatório.

A CBN, por exemplo, descobriu que documentos enviados pela Precisa Medicamentos ao Ministério da Saúde em nome da fabricante indiana da Covaxin apresentavam inconsistências graves, com suspeitas sobre a autenticidade das certidões.

Já a Revista Crusoé mostrou que um auditor do Tribunal de Contas da União acessou o sistema interno do TCU e incluiu um documento não oficial com informações distorcidas sobre a possibilidade de supernotificação de casos de Covid-19 no Brasil.

O documento foi citado pelo presidente Jair Bolsonaro horas depois a simpatizantes.

O relatório da comissão destaca ainda o trabalho do consórcio de veículos de imprensa formado por G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha e UOL.

O grupo foi criado no dia 8 de junho de 2020 para trabalhar de forma colaborativa em busca de informações necessárias sobre os casos e as mortes pela doença nos 26 estados e no Distrito Federal.

O consórcio, que completou 500 dias ininterruptos de trabalho nesta semana, foi montado em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de Covid-19.

Segundo o relatório, em razão das alterações da forma de divulgação de dados pelo Ministério da Saúde, diminuindo a transparência das informações sobre a pandemia, o consórcio passou a ser o principal difusor de informações consistentes de interesse da população brasileira.

"Se os veículos de comunicação e os jornalistas não tivessem prestado esses relevantes serviços à nação, a situação da saúde pública teria sido ainda mais caótica, tendo como resultado muito mais mortes. Por isso, consideramos muito importante reconhecer que a informação prestada pelos jornalistas brasileiros salvou vidas", diz o documento.

A CPI destacou o esforço do jornalismo em divulgar notícias contra desinformações veiculadas pelo presidente Bolsonaro.

Como exemplo destas ações do presidente, citou as transmissões semanais no Facebook, em que chegou a incentivar seguidores a invadir e a filmar hospitais, a fim de demonstrar que seus leitos estavam supostamente vazios.

"No contexto de omissão proposital do Ministério da Saúde, em prover informações adequadas, cabe-nos dar crédito à imprensa brasileira, que, independentemente das pressões governamentais, agiu para informar adequadamente a população brasileira sobre todos os aspectos concernentes à Covid-19: as rotinas de higienização pessoal –com ênfase no álcool em gel–, a necessidade do uso de máscaras, os dados de casos e óbitos dos acometidos, o incentivo à permanência em casa, entre outros fatores", afirma o relatório.

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