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STF mandou criar CPI da Covid, controlou seus atos e agora terá de julgar fatos criminosos

É inegável que sem decisões do Supremo e sem a CPI do Senado as condições seriam ainda piores na pandemia

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Eloísa Machado de Almeida

Professora da FGV Direito SP e advogada do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos CADHu

O Supremo Tribunal Federal garantiu a existência da CPI da Covid e balizou seu funcionamento dentro dos parâmetros constitucionais. Ambas as instâncias têm sido protagonistas no controle dos atos do governo federal em relação à pandemia, mas nenhuma foi capaz de evitar a tragédia de 600 mil mortes, muitas delas evitáveis.

A instalação da CPI da Covid foi requerida após inúmeras e inaceitáveis mortes por sufocamento diante da falta de oxigênio em Manaus. À época, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, considerava inoportuna e inconveniente a criação de uma CPI.

Foi uma decisão do Supremo que permitiu a instalação da CPI, baseada em uma vasta e estável jurisprudência sobre direitos das minorias parlamentares ao controle dos atos do Executivo.

Ou seja, preenchidos os requisitos constitucionais de quórum e objeto, não poderia o presidente do Senado frustrar o direito das minorias parlamentares a fiscalizar os atos do governo.

O relatório final da CPI da Covid do Senado
O relatório final da CPI da Covid do Senado - Pedro Ladeira/Folhapress

Uma vez instalada a CPI, o Supremo voltou a ser provocado para a delimitação dos poderes de investigação da comissão, sobretudo em relação a quebras de sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático.

De forma geral, os ministros circunscreveram as quebras de sigilo ao período de pandemia, permitiram a condução coercitiva de testemunhas e resguardaram aos depoentes o direito a não auto-incriminação, sem com isso obstaculizar a investigação feita pelos senadores.

Em sua maior parte, essas decisões foram tomadas de forma monocrática e poderão, quando e se julgadas colegiadamente, explicitar melhor os contornos dos poderes de investigação das CPIs.

Se, de um lado, há direitos de investigados que são preservados em qualquer cenário (seja no âmbito parlamentar ou policial), por outro há importantes distinções a serem feitas entre um mero inquérito policial e uma comissão parlamentar de inquérito, sobretudo no que se refere ao dever de servidores públicos prestarem contas sobre seus atos.

Com a finalização do trabalho da CPI e leitura e aprovação de seu relatório, o tribunal assumirá um novo papel e se tornará um dos espaços onde se dará a investigação e responsabilização de alguns daqueles indiciados.

No Supremo tramitarão inquéritos e ações penais contra detentores de foro por prerrogativa de função, como o presidente da República e ministros de Estado, relativos a crimes apontados no relatório.

Ainda que o relatório da CPI seja fruto de um inquérito parlamentar, ele não impede –caso necessário– um inquérito judicial prévio à eventual oferecimento de denúncia criminal.

No regime constitucional brasileiro, o filtro político de conveniência e oportunidade à responsabilização penal do presidente da República é feito pela Câmara dos Deputados, e não pela Procuradoria-Geral da República.

Por isso, recai sobre a PGR um dever legal de solicitar formalmente a abertura de inquéritos ao Supremo a partir do relatório da CPI ou fundamentar –também formal e publicamente– que os fatos ali descritos não constituem crime.

Na hipótese de arquivamento, aventa-se a possibilidade de solicitação de abertura de inquérito ou proposição de ações penais diretamente ao Supremo, seja por parte de senadores ou de vítimas dos fatos criminosos ali relatados.

Olhando para todo o percurso, pode-se dizer que o Supremo assumiu, ao mesmo tempo, as funções de garantidor dos poderes da CPI, de controle dos seus atos de investigação, mantendo as regras de devido processo constitucional durante o seu funcionamento.

Assumirá, espera-se, papel de julgamento dos fatos criminosos revelados.

Porém os controles judiciais diretos sobre a investigação parlamentar não totalizam as relações entre Senado e Supremo na pandemia de Covid: ambas as instâncias têm assumido protagonismo no controle dos atos do governo federal em relação à pandemia.

No Senado, este controle se traduziu sobretudo na CPI, mas também envolveu controle de medidas provisórias e sustação de portarias e decretos através projetos de decreto legislativo.

No Supremo, quase uma centena de ações questionaram atos e omissões do governo federal na condução da pandemia e envolveram temas diversos.

Entre eles competência comum de união, estados e municípios para adotar medidas sanitárias preventivas, imposição do dever de criação de um plano de vacinação nacional e de divulgação de dados epidemiológicos e proibição de campanhas de desobediência às medidas de distanciamento social, dentre muitas outras.

A priorização dos temas relativos à Covid pelo tribunal já foi atestada em pesquisa: o Supremo decidiu mais, mais rápido e mais colegiadamente as ações e omissões do governo federal relativas à Covid.

De certa forma, Supremo e Senado se apresentaram como controles complementares aos atos do governo federal na condução da pandemia.

Cada uma das instâncias delas revelou uma parte da história que nos conduziu a uma tragédia humana sem precedentes e ambas deixaram alguns espaços vazios, como o papel de militares e da política econômica na disseminação da pandemia.

É inegável que sem as decisões do Supremo e sem a CPI, as condições seriam ainda piores, porém é preciso reconhecer que os controles foram tardios e recalcitrantes.

O país acumula mais de 600 mil mortes. Destas, estima-se que mais de 400 mil seriam evitáveis com a adoção de medidas não farmacológicas consistentes, aquisição rápida de vacinas e campanhas educativas.

Estes números apontam o fracasso generalizado das instituições brasileiras em colocar freios à barbárie. Agora, resta às instituições registrar os fatos, honrar a memória dos mortos e promover a devida responsabilização de todos que contribuíram para os crimes.

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