Descrição de chapéu Folhajus eleição na oab-sp

Disputa na OAB-SP tem embate sobre racismo e cobrança por diversidade

Em meio à primeira disputa com cotas raciais, atual presidente é alvo de críticas e candidatos entram em contradição

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São Paulo e Mogi das Cruzes (SP)

Na primeira eleição da OAB com cotas raciais e de gênero, a pauta da diversidade se tornou um dos temas de destaque entre os que disputam o pleito em São Paulo, onde está a maior seccional do país. Neste pleito, as chapas devem ter 50% de mulheres e pelo menos 30% de pessoas negras.

Apesar de nenhum dos candidatos à seccional paulista se posicionar abertamente contra as cotas, há discursos ambíguos e questionamentos quanto ao real compromisso com a pauta. A atual gestão da OAB-SP é alvo de uma série de críticas.

Os candidatos à Presidência da OAB-SP. Da esquerda para direita: Alfredo Scaff, Caio Augusto Silva dos Santos, Dora Cavalcanti, Mário de Oliveira Filho e Patrícia Vanzolini. Santos é presidente da seccional e tenta a reeleição
Os candidatos à presidência da OAB-SP; da esquerda para direita: Alfredo Scaff, Caio Augusto Silva dos Santos, Dora Cavalcanti, Mário de Oliveira Filho e Patricia Vanzolini - Marlene Bergamo e Zanone Fraissat/Folhapress e Divulgação

Eleito em 2018 com um discurso de defesa da diversidade, o atual presidente da seccional, Caio Augusto Silva do Santos, concorre à reeleição em meio às críticas de dissidentes de sua gestão, em especial da advocacia negra, que o acusam de não ter promovido uma inclusão concreta.

Parte deles integra a candidatura de Dora Cavalcanti —cinco disputam um novo mandato, em eleição marcada para esta quinta-feira (25).

Para a conselheira Diva Gonçalves Zitto de Oliveira, que presidia a Comissão da Verdade da Escravidão Negra e renunciou para concorrer pela chapa da Dora, a inclusão da advocacia negra não era efetiva.

"Ficou evidenciado que a nossa participação seria. Aqui estamos, mas a nossa voz só será ouvida se estivermos anuindo com aquilo que é proposto por aqueles que estão no comando", diz.

Em entrevista neste mês à Folha, Caio Santos atribuiu as baixas de membros de sua gestão a questões eleitorais.

"As pessoas que saíram do nosso mandato nele estiveram durante dois terços e meio e só resolveram dele sair no ano eleitoral", diz. "O que dá a demonstração de que a intenção não é outra senão a intenção apenas eleitoral."

Lazara Carvalho, que foi vice-presidente da Comissão de Igualdade Racial na gestão de Santos, é vice na chapa de Dora Cavalcanti. Outro exemplo é Claudia Luna, que foi presidente da Comissão da Mulher Advogada, e agora também está na oposição.

Apesar de parte da dissidência estar concorrendo em outras chapas, esta não é a regra geral.

Um dos principais exemplos é a advogada e presidente do Instituto Geledés, Maria Sylvia de Oliveira, que não está em nenhuma chapa e, em junho, deixou a presidência da Comissão da Igualdade Racial da OAB-SP.

Mais tarde, ela também renunciou à vaga de conselheira estadual citando a falta de compromisso real da gestão com a pauta.

"A minha questão não é eleitoral e, ao contrário do que ele faz, também não é eleitoreira. Eu não uso a questão racial como marketing eleitoral. Ou a pessoa e a instituição é realmente comprometida com a luta antirracista ou não é", disse Sylvia à Folha, rebatendo Caio Santos, atual presidente da OAB-SP.

Em maio, Sylvia e outras colegas foram alvo de críticas após uma nota de repúdio à chacina do Jacarezinho ser publicada pela comissão então presidida por ela.

Segundo relatos, o clima na seccional teria ficado tensionado, pois muitos integrantes consideraram o posicionamento como inadequado e como uma defesa de criminosos.

Naquele mesmo mês, a advogada e outras dez conselheiras estaduais apresentaram um ofício pedindo providências à presidência da OAB-SP em relação a ofensas feitas por uma presidente de subseção a conselheiras negras em um grupo de WhatsApp com mais de 150 advogadas.

Seis meses depois, o documento ainda está na Secretaria-Geral da seccional, sem ter ganhado um relator. Para as conselheiras, a presidência foi omissa no episódio.

Caio Santos diz que o órgão "aguarda manifestações de ambas as partes" e que o próximo passo será a nomeação de um relator, que levará o caso ao conselho.

À Folha Sylvia diz não ter sido notificada e critica a tramitação. Segundo ela, a designação do relator deveria ter sido a primeira providência.

Já Lazara Carvalho diz que, além do ofício, também registrou boletim de ocorrência. "Nós queremos que essas pessoas sejam criminalmente processadas."

A advogada Luciana Gerbovic ainda integra a gestão, mas se posiciona como dissidência. Ela foi uma das conselheiras que assinou o ofício. "Nunca tivemos uma resposta. Completamente ignoradas. Como mulher branca, eu me coloco ali como aliada", diz.

"Foram minando a energia dessas mulheres, foram minando o trabalho delas", adiciona. "É o que faz o racismo nesse país desde sempre. Ao ponto de a pessoa chegar e [dizer]: "Então, é isso, não aguento mais, estou fora".

Gerbovic não integra nenhuma chapa na disputa atual e diz que vai cumprir seu mandato como conselheira até o final.

Apenas depois de as críticas à condução da temática racial por Caio Santos se tornarem públicas e da saída de Sylvia da presidência é que foi pautada a recondução da Comissão de Igualdade Racial ao status de comissão permanente, uma promessa assumida por ele na eleição de 2018.

Caio Santos diz que tal medida não foi tomada antes porque demandava uma proposta de alteração do regimento, o que teria ocorrido apenas em setembro pelas mãos do novo presidente, que substituiu Sylvia. Críticos, porém, apontam que o presidente já poderia ter encaminhado a pauta anteriormente.

Se a presença de mulheres e da advocacia negra na chapa era destacado como um diferencial em 2018, em que todos os candidatos à presidência da OAB-SP eram homens, agora Santos tem como oponentes duas mulheres que também levantam a bandeira da diversidade em suas campanhas.

O quadro reflete o aumento das mulheres como cabeças de candidaturas pelo país, no primeiro pleito da OAB sob a regra da paridade de gênero nas chapas, incluindo diretorias e outros cargos de comando.

Como mostrou a Folha, ao todo, 22 mulheres concorreram às presidências das seccionais, frente a apenas oito candidaturas no último pleito. Apesar disso, nos estados em que as votações já ocorreram até o momento, nenhuma foi eleita.

Já no caso das cotas raciais, os entraves começam nas próprias regras. Inicialmente válida para cargos da diretoria, a cota de 30% para negros acabou restrita à composição geral da chapa, após decisão do Conselho Federal.

Ainda como pré-candidata, Dora criticou o fato de as mulheres só ocuparem o posto de vice e nunca o de presidentes de seccionais.

Em entrevista à Folha, ela disse considerar o fato de não ter um candidato negro liderando uma chapa em São Paulo um sinal de que ainda é preciso avançar e destacou ser a única chapa em que há uma mulher negra como vice. No entanto a vice de Santos também é uma mulher negra.

Patricia Vanzolini, apesar de criticar o abrandamento da regra, ao ser questionada sobre composição de sua chapa, afirmou que não atingiu os 30% entre os cargos de diretoria. De cinco cargos, há uma pessoa negra. Segundo ela, foram priorizados aqueles já envolvidos no projeto da campanha.

Já os outros dois candidatos, apesar de dizerem favoráveis às cotas, adotam um discurso ambíguo.

Citando a esposa já falecida e um irmão, ambos negros, o advogado Mário de Oliveira Filho afirmou que, por coerência, não poderia ser contra as contas. Ao mesmo tempo, defendeu que o requisito básico para assumir cargos de comando não deve ser a cor da pele ou o gênero.

Já Alfredo Scaff diz que a reserva para negros é necessária, mas ao mesmo tempo diz que é contra a forma como foram estabelecidas, por terem sido impostas, e que seria preciso conhecer o percentual de pessoas negras na advocacia.

O censo da advocacia paulista, outra promessa de campanha de Santos, teve o formulário aberto no final de 2020, mas os dados ainda não foram divulgados.

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