Moraes, do STF, suspende quebra de sigilo de Bolsonaro determinada por CPI

Comissão da Covid havia decidido quebrar sigilo telemático do presidente e transferir dados à PGR e ao Supremo

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Brasília

O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta segunda-feira (22) a decisão da CPI da Covid de quebrar o sigilo telemático do presidente Jair Bolsonaro.

A medida foi aprovada pela comissão no fim de outubro após Bolsonaro associar as vacinas contra a Covid-19 à Aids e determinava que os dados relativos às redes de Bolsonaro deveriam ser enviados pelas plataformas à PGR (Procuradoria-Geral da República) e ao Supremo.

O presidente Jair Bolsonaro, que levou o atleta de vôlei Maurício Souza para o cercadinho do Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (22)
O presidente Jair Bolsonaro, que levou o atleta de vôlei Maurício Souza para o cercadinho do Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (22) - Reprodução/Foco do Brasil

Moraes, entretanto, afirmou que o requerimento aprovado pela CPI não "se mostra razoável" e disse que a Procuradoria tem a "via processual adequada" para obter essas informações, caso considere necessário.

O objetivo da CPI era ter acesso a informações sobre as redes do presidente, como dados cadastrais, registros de conexão e cópias de conteúdo armazenado.

A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu ao STF pedindo a anulação da decisão do colegiado, que teve os trabalhos encerrados no Senado no fim de outubro e apurou ações e omissões do governo federal no combate à pandemia.

Moraes concordou com a tese do órgão de defesa do governo federal e afirmou que a decisão "acabou por extrapolar os limites constitucionais investigatórios" de uma comissão de inquérito.

O ministro também derrubou o trecho do requerimento da CPI que pedia o banimento das redes sociais de Bolsonaro "até ulterior determinação".

O magistrado afirmou que a medida não é razoável "pelo simples fato" de que foi aprovada quando a CPI já estava no final de seus trabalhos.

"Não se vê, portanto, utilidade na obtenção pela Comissão Parlamentar das informações e dos dados requisitados para fins de investigação ou instrução probatória já encerrada e que sequer poderão ser acessadas pelos seus membros de seu encerramento simultâneo", afirmou.

Na ação apresentada ao STF, a AGU defendeu que é "vedada qualquer medida cautelar penal em face do presidente da República".

Além disso, disse que a comissão também não poderia "instar órgão jurídico a promover a investigação e responsabilização do presidente da República, o qual, conforme delineado, não pode sequer ser convocado como testemunha no âmbito da CPI".

A afirmação de Bolsonaro que ensejou a atuação da comissão foi feita em sua live semanal nas redes sociais e foi considerada absurda por cientistas.

Ele leu uma notícia segundo a qual "vacinados [contra a Covid] estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]".

A falsa notícia à qual o presidente se referiu foi publicada em pelo menos dois sites, Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva. Os textos afirmam erroneamente que pessoas estão perdendo a capacidade do sistema imunológico ao longo das semanas após completarem a vacinação e, por isso, terão "efetivamente a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids] desenvolvida".

As páginas dizem se apoiar em dados disponibilizados pelo governo britânico. O relatório do portal oficial do Departamento de Saúde Pública do Reino Unido ao qual os portais se referem, porém, não cita a síndrome da imunodeficiência adquirida em nenhum momento.

Além disso, os portais Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva fraudaram a tabela do departamento britânico que analisa os casos de Covid-19 entre vacinados e não vacinados. Ambos inseriram uma coluna que não consta no documento oficial, chamada "reforço ou degradação do sistema imunológico".

A decisão de Moraes a favor de Bolsonaro ocorre depois de o ministro impor diversos reveses ao presidente e seus aliados nos últimos meses.

O magistrado é relator de investigações em curso no STF que miram o chefe do Executivo e seu entorno e já mandou prender líderes bolsonaristas, além de ter decidido incluir Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news.

O presidente, por sua vez, também já disparou diversos ataques ao ministro. Em abril de 2020, por exemplo, quando Moraes vetou a indicação de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, Bolsonaro afirmou que o ministro só estava no Supremo porque era "amigo" do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Neste ano, nas manifestações de raiz golpista do 7 de Setembro, o presidente chamou Moraes de "canalha" e disse que não cumpriria mais decisões do magistrado.

Dois dias após a ameaça, no entanto, o chefe do Executivo divulgou uma carta, preparada junto com Temer, para recuar dos ataques e elogiar o ministro.

Ele afirmou que não teve "nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes" e atribuiu as palavras "contundentes" ao "calor do momento".

"Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar", afirmou.

Na decisão desta segunda, ao suspender a quebra do sigilo do presidente, Moraes afirmou que comissões parlamentares de inquérito precisam ter "absoluto respeito a separação de Poderes". Ele também citou que a CPI não poderá aproveitar os dados sigilosos.

"Evidencia-se desse quadro que, finalizada a CPI com aprovação do relatório final, não há que se cogitar em aproveitamento pela própria Comissão Parlamentar de Inquérito das medidas constritivas mencionadas."

Na ação apresentada ao STF, a AGU havia afirmado que a comissão ultrapassou os limites de seus poderes.

"Note-se que não há poderes de investigação criminal ou para fins de indiciamento, seja da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, em face do presidente da República, no âmbito de CPI’s ou de qualquer outra comissão parlamentar, seja a que título for."

No dia em que a comissão aprovou o requerimento, pouco depois de Bolsonaro associar as vacinas à Aids, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), fez duras críticas ao presidente.

"A Presidência não é cargo de boteco em que você fala o que quer, tomando cerveja e comendo churrasquinho. Presidente da República que se reporta ao povo brasileiro baseado em um estudo que não tem cabimento nenhum e fala uma coisa dessa quando estamos implorando para a população se vacinar?", criticou.

O que Moraes e Bolsonaro já disseram

"Não há dúvidas de que as condutas do presidente da República insinuaram a prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte, utilizando-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário, o Estado de Direito e a democracia"

Alexandre de Moraes, em 4.ago, ao incluir o presidente como investigado no inquérito das fake news

"[Post de Bolsonaro teve intuito de] "Expandir a narrativa fraudulenta que se estabelece contra o processo eleitoral brasileiro, com objetivo de tumultuá-lo, dificultá-lo, frustrá-lo ou impedi-lo, atribuindo-lhe, sem quaisquer provas ou indícios, caráter duvidoso acerca de sua lisura"

Alexandre de Moraes, em 12.ago, ao mandar investigar Bolsonaro por vazamento de inquérito da PF sobre invasão hacker ao TSE

"Como demonstrado, o denunciado tem se comportado, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como um juiz absolutista que concentra poderes de investigação, acusação e julgamento"

Jair Bolsonaro, em 20.ago, em pedido de impeachment contra Moraes

"Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha"

Jair Bolsonaro, em 7.set, em ato de raiz golpista em São Paulo

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