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Nova Lei de Improbidade freia distorção, mas afrouxa punição por falhas de gestão

Agora será preciso comprovar dolo, o que deve dificultar ações que apontam erros e omissões

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São Paulo

A nova Lei de Improbidade Administrativa, aprovada no Congresso e sancionada na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, é comemorada por prefeitos pelo país por limitar a possibilidade de o Ministério Público ajuizar ações decorrentes de discordância sobre a gestão pública.

Atendendo a uma antiga reivindicação das prefeituras, a legislação foi revista em trecho que estipulava punições por violação a princípios da administração —conceito que os políticos consideram bastante subjetivo e passível de interpretações.

Foi eliminada a possibilidade de sanção por irregularidades "culposas" —agora será preciso a acusação comprovar que houve dolo (quando há intenção ou se assume o risco de cometer o ilícito).

Na prática, isso deve encerrar ou dificultar ações de improbidade nas quais promotores apontavam falhas e omissões de gestão.

Os municípios enxergavam excessos e consideravam que isso afastava da vida pública quadros qualificados que tinham receio de responder a processos, causando um "apagão de canetas". Afirmam que agora haverá mais segurança jurídica.

O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, diz que processos com fundamentação frágil criavam constrangimentos e que a alteração não significa afrouxar punição para casos de corrupção.

A Lei de Improbidade não determina sanções criminais, como prisão, mas sim a perda de função pública, a suspensão de direitos políticos ou o ressarcimento de prejuízos.

"Foi sempre uma lei muito aberta, de propiciar qualquer tipo de interpretação, de arbítrio. Uma enxurrada de bons gestores, pessoas da sociedade que poderiam concorrer, se retiravam da vida pública", diz ele, que foi prefeito de Mariana Pimentel (RS), pelo MDB.

Uma situação que os prefeitos dizem ser comum é a interferência do Ministério Público em políticas públicas e na destinação de recursos, com o consequente ajuizamento de ações de improbidade em casos em que há divergência. Falam em voluntarismo e em punições desproporcionais, equiparadas a casos de corrupção.

"Ele [promotor] acaba interferindo, sem a legimitidade do voto, na administração. Porque ele disciplina aquilo que o prefeito pode ou não fazer. Em cidades pequenas, o prefeito vai à sala do Ministério Público perguntar, por medo de ser acusado depois em ação de improbidade. É péssimo para a democracia", afirma o presidente da Associação Paulista de Municípios, Fred Guidoni.

Ele foi prefeito de Campos do Jordão (a 181 km da capital paulista) de 2013 a 2020 pelo PSDB.

O prefeito de Jacareí (a 84 km de São Paulo), Izaias Santana (PSDB), afirma que as punições previstas na Lei de Improbidade, como a perda de cargo público, atingem direitos fundamentais do cidadão e que, portanto, é preciso ter mais embasamento.

Para ele, a legislação "não pode ser um guarda-chuva escancarado para qualquer coisa que o Ministério Público queira".

"Respondo a uma [ação] por causa disto: não quis fazer termo de ajustamento de conduta, porque entendi que estavam equivocados."

O prefeito afirma que não tinha recursos em caixa para arcar com as recomendações da Promotoria.

Em 2019, foi ajuizada ação de improbidade contra Santana na qual foi acusado de "permitir a poluição ambiental" devido a lançamanto irregular de esgoto sem tratamento.

​Nesse caso, foram citados o "princípio da legalidade" e item da antiga lei que punia o agente público que "deixasse de praticar indevidamente ato de ofício".

A defesa de Santana afirmou à Justiça que faltam razoabilidade e proporcionalidade para esse enquadramento.

A escassez de recursos públicos para cumprir as obrigações, aliás, é citada de maneira recorrente pelos gestores como motivadoras de ações de improbidade.

Homem falando em microfone com foto em slide ao fundo
O prefeito de Jacareí (SP), Izaias Santana, do PSDB - Reprodução Facebook

O prefeito de Manaquiri (AM), Jair Souto (MDB), diz que leis que impõem compromissos aos municípios, como a de Responsabilidade Fiscal, conflitam entre si, criando um ambiente em que é preciso escolher qual delas descumprir e que abre caminho para casos de improbidade.

"Alguns prefeitos têm muita dificuldade com corpo técnico, com assessoria, consultoria. Não têm estrutura", diz ele, que preside a Associação Amazonense dos Municípios.

Os prefeitos também afirmam que as alterações vão barrar punições por uso da "teoria do domínio do fato", conceito importado do direito alemão.

Conhecida no Brasil no julgamento do escândalo do mensalão, essa tese aborda a responsabilidade dos que comandam, embora sem se envolver diretamente na irregularidade.

Para os representantes dos municípios, havia casos na Justiça em que se cobrava "onisciência e onipresença" dos prefeitos em relação a tudo o que ocorria na administração.

"Em uma prefeitura, tenho 5.000 funcionários. Todos praticando atos em meu nome. Como posso ser responsável por aquilo que fazem? Sou responsável, por aquilo que passa na minha mesa, que eu assino", diz Izaias Santana.

Outro benefício da nova lei para os gestores —e que tem provocado reclamações no Judiciário— é a restrição à possibilidade de bloqueio de bens em casos de suspeitas de atos irregulares.

Agora, para bloquear o patrimônio, será preciso demonstrar o "perigo de dano irreparável" ao resultado do processo.

Entidades ligadas ao Ministério Público e ao Judiciário questionam as mudanças e pretendem ir ao Supremo Tribunal Federal contra trechos da nova lei.

O ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Herman Benjamin, por exemplo, diz que a exigência de dolo torna as ações de improbidade até mais restritas do que as da esfera penal, onde há punição para situações que envolvem delito culposo.

Antes da aprovação da lei, a Associação Nacional dos Procuradores da República divulgou nota técnica afirmando que, ao limitar ações de improbidade a atos dolosos, os processos só serão viáveis se "realizado um esforço hercúleo ou desproporcional" do Ministério Público para demonstrar esse tipo de situação.

Outra crítica à nova legislação é a de que o enxugamento dos trechos sobre violação de princípios da administração pública pode barrar condenações por improbidade em práticas como tortura policial, rachadinha de salários e assédio sexual, já que as modalidades de infrações precisam ser especificadas em lei.

O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, Manoel Murrieta, que é promotor no Pará, diz que a parte sobre infração culposa leve deveria ser reelaborada, mas discorda da exclusão da lei da modalidade de culpa grave.

"Se é considerada grave, não há como se retirar do mundo jurídico."

Questionado sobre excessos na lei anterior, diz que mudanças para tornar a lei mais efetiva e mais segura seriam positivas. Mas afirma que a versão sancionada não se preocupou, por exemplo, em incorporar decisões do STJ que consolidaram entendimentos sobre improbidade, o que geraria mais estabilidade às regras.

"Com o texto [aprovado], nós não conseguimos ver essa melhoria na aplicação, muito pelo contrário. Não aperfeiçoou, não consolidou e não trouxe mais segurança. Ela trouxe restrições. E restrição não é melhoria."

O projeto da nova Lei de Improbidade foi patrocinado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ele próprio condenado em ações desse tipo em Alagoas, e uniu diferentes correntes políticas, como bolsonaristas, petistas e tucanos. A tramitação no Congresso foi encerrada no início de outubro, e a sanção pelo presidente Jair Bolsonaro ocorreu no dia 26.

O QUE MUDA NA LEI

Descrição dos atos de improbidade

  • Como está hoje O texto da lei é genérico sobre as situações que podem configurar improbidade, deixando margem para que até decisões e erros administrativos sejam enquadrados na legislação
  • O que muda O projeto de lei traz definições mais precisas sobre as hipóteses de improbidade e prevê que não configura improbidade a ação ou omissão decorrente da divergência interpretativa da lei

Forma culposa de improbidade

  • Como está hoje A lei estabelece que atos culposos, em que houve imprudência, negligência ou imperícia podem ser objeto de punição
  • O que muda Proposta deixa na lei apenas a modalidade dolosa (situações nas quais houve intenção de praticar a conduta prejudicial à administração). Medida deve promover redução significativa nas punições, pois é muito mais difícil apresentar à Justiça provas de que o agente público agiu conscientemente para violar a lei

Titular da ação

  • Como está hoje O Ministério Público e outros órgão públicos, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e as procuradorias municipais podem apresentar as ações de improbidade à Justiça
  • O que muda O Ministério Público terá exclusividade para a propositura das ações segundo a proposta aprovada no Senado
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