PEC para rever atos de PGR pressiona Aras e provoca questionamentos

CPI da Covid do Senado incluiu proposta em relatório; para especialistas, falta definir instância revisora

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Mogi das Cruzes (SP)

Acusado de omissão diante de condutas do presidente Jair Bolsonaro na pandemia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, inspirou uma PEC segundo a qual arquivamentos em ações penais determinados pelo PGR também devem estar sujeitos a revisões.

O texto, proposto pela CPI da Covid do Senado, compõe o relatório final da comissão, apresentado no final de outubro. A justificativa é evitar que pedidos de instauração de inquéritos contra autoridades com foro, entre eles Bolsonaro, sejam ignorados por Aras.

Além da proposta de emenda à Constituição, os senadores sugerem ainda uma modificação na Lei das CPIs, de 1952, para deixar claro que os mesmos prazos estabelecidos pelo Código de Processo Penal para investigações sejam aplicados para a análise do relatório da comissão, o que permitiria caracterizar eventual inércia do PGR.

Vários homens brancos, de máscara, sentados à mesa
O PGR, Augusto Aras, recebe o relatório final da CPI da Covid - Antonio Augusto/Secom/MPF

Aras recebeu o relatório um dia após o término da CPI, elogiou o trabalho dos parlamentares e se comprometeu a dar a "agilidade necessária" ao material, postura que agradou aos senadores.

Porém, na primeira reunião da Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, criada para acompanhar os desdobramentos das investigações, foi levantada a hipótese de convocação do PGR, caso não haja manifestação sobre os indiciamentos propostos dentro do prazo de 30 dias.

Até o momento, Aras determinou apenas a abertura de um procedimento preliminar para análise dos documentos da CPI, a chamada notícia de fato, etapa que antecede o inquérito e na qual não há novas investigações.

Como mostrou a Folha, subprocuradores avaliam que o sinal não é suficiente para mostrar que o PGR está disposto a não se omitir.

As proposições legais feitas pela CPI, na análise de especialistas ouvidos pela reportagem, respondem à conjuntura atual, em que não houve respostas efetivas do chefe do Ministério Público a acusações contra Bolsonaro.

Tal atitude também tem despertado manifestações de integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal).

A PEC sugerida pelos senadores insere na Constituição um dispositivo determinando que, nas ações penais, ao ordenar o arquivamento do inquérito ou de outros elementos de investigação, "o órgão ministerial, inclusive o chefe do Ministério Público, comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância da revisão da instituição, para fins de homologação".

Presidente do movimento Ministério Público Democrático, o procurador de Justiça aposentado Ricardo Prado afirma que a prática de não submeter os arquivamentos sugeridos pelo PGR à revisão é resultado da jurisprudência, diante da lacuna existente na legislação sobre o tema.

Alterar isso seria possível tanto por uma mudança de entendimento por parte do STF quanto por uma alteração na lei orgânica do Ministério Público, que seria mais fácil de ser aprovada do que a PEC, que precisa do aval de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação.

O empecilho no caso de uma alteração na lei complementar é que a proposta teria que ser apresentada ao Legislativo pelo próprio PGR. Logo, a PEC foi o caminho possível para os senadores. Entretanto, Prado aponta que, se o texto for aprovado tal como está, não será possível colocá-lo em prática de forma imediata.

A redação da proposta é criticada por não especificar qual seria a instância de revisão no caso do PGR. A outra crítica é a confusão que pode ser gerada pelo texto, uma vez que já existem instâncias de revisão dentro do Ministério Público.

Em ações penais, o promotor encaminha o pedido de arquivamento ao juiz e, caso o magistrado discorde, ele pode encaminhar ao procurador-geral, que pode fazer a revisão ou determinar outro promotor para o caso, diz Prado.

Luiza Frischeisen, subprocuradora-geral da República e número um na lista tríplice da categoria para sucessão de Aras (ignorada por Bolsonaro), acrescenta que, de acordo com a lei complementar do Ministério Público (75/1993), no Ministério Público Federal essa tarefa cabe às Câmaras de Coordenação e Revisão.

Há ainda previsão para que o PGR seja investigado, caso cometa algum crime, pelo CSMPF (Conselho Superior do Ministério Público Federal), que, na avaliação dos entrevistados, seria a melhor instância de revisão para as decisões de Aras.

Frischeisen afirma que as câmaras têm seus coordenadores indicados pelo próprio PGR, enquanto o Conselho Superior é composto por membros indicados pela categoria e pelos procuradores-gerais, o que indicaria maior independência.

Para o procurador Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), a forma como o tema foi colocado pela PEC não incomoda, desde que a revisão seja feita pelo próprio Ministério Público.

"Desde que a última palavra fique dentro do Ministério Público, que é o titular da ação penal, a gente não vê problema em que os arquivamentos do PGR sejam submetidos a um órgão revisional. E o ideal seria que fosse o Conselho Superior", diz.

O cientista político Fábio Kerche, professor da UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e especialista em Ministério Público, diz que a redação da proposta dá margem para que até mesmo ações penais possam ser arquivadas sem a participação do Judiciário, o que ele aponta como problemático.

"Se o espírito é não vamos deixar que o PGR tenha a última palavra, o que me causa estranheza é que a última palavra continuaria sendo dada pelo próprio Ministério Público. Talvez fizesse mais sentido que outro órgão tivesse esse poder", afirma.

Embora o tema já tenha sido debatido internamente pelo Ministério Público, Frischeisen diz que até a gestão de Raquel Dodge não houve uma proposta no Legislativo questionando o poder do PGR e que essa é uma reação à conduta de Aras. Ao mesmo tempo, ela defende que o órgão resolva a questão, e não o STF.

"Me parece que a PEC cria um caminho de debate. Não adianta dizer que o Supremo vai devolver, porque isso também está errado, porque o STF ficar fazendo investigação e cautelar é contra o sistema acusatório. Isso é outro sintoma da doença. A PEC abre a possibilidade de discutir essa necessidade que surgiu diante desse contexto", diz.

Kerche também não se recorda de propostas de alterações legais nesse sentido, embora o ex-procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, tenha tido postura semelhante na blindagem do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o que lhe rendeu o apelido de "engavetador geral da República".

O que mudou é que desta vez, para além da postura do PGR, são as atitudes do presidente, que motivam a busca de outros remédios institucionais, diz ele, que alerta para o risco de fazer alterações de longo prazo por causa do chefe do Executivo.

"Temos que reconhecer que todo esse debate de reformas institucionais no Ministério Público estão marcados pela conjuntura e, no caso do PGR, por ser o Bolsonaro."

Para os especialistas, outro ponto fundamental seria rever a forma de indicação do PGR, o que diminuiria a influência política sobre o cargo.

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