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Luciana Gross Cunha e Maria Tereza Aina Sadek

Restringir as Defensorias Públicas revela desprezo aos direitos humanos

Aras vai ao STF para limitar Defensorias e pode afetar acesso dos mais pobres ao Judiciário

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Luciana Gross Cunha

Professora da FGV Direito SP

Maria Tereza Aina Sadek

Professora do Departamento de Ciência Política da USP

O modelo institucional de assistência jurídica adotado pela Constituição Federal de 1988 é muito claro: cabe ao poder público, por meio das Defensorias Públicas Estaduais, da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Defensoria Pública da União, a defesa judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos da população vulnerável.

Para o bom exercício dessa função, a Defensoria Pública conta, entre outros dispositivos, com a prerrogativa de requisição de informações e documentos a órgãos públicos.

Isso é garantido pela lei complementar número 80, de 1994, que definiu as normas gerais de organização das Defensorias Públicas na União, Estados e no Distrito Federal, e que foi seguida pelas legislações estaduais que estruturam as Defensorias Públicas em cada uma das unidades da federação.

Tal prerrogativa, que capacita as Defensorias Públicas para atuar dentro e fora dos processos judiciais de acordo com os interesses das populações em situação de vulnerabilidade, vem sendo alvo de diversas Ações de Declaração de Inconstitucionalidade propostas pela PGR (Procuradoria Geral da República) no STF (Supremo Tribunal Federal).

Tais ADIs foram pautadas para discussão pelo plenário do STF —o julgamento estava marcado para começar nesta sexta-feira (12), mas o ministro Alexandre de Moraes pediu mais tempo para analisar o caso.

Diante desse quadro, cabe perguntar: quem tem medo da Defensoria Pública? Ou ainda, por que a atuação da Defensoria Pública incomoda tanto, a ponto de ter as suas possibilidades de atuação restringidas e questionadas junto ao STF?

É certo que a atuação da Defensoria Pública nas mais diferentes áreas do direito, dentro e fora dos tribunais, assim como nas instâncias internacionais de Direitos Humanos, tem sido cada vez mais intensa e exitosa.

O relatório de Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, que integra o Global Access to Justice Project, publicado em 2021, demonstra que os números de atendimento realizados pela Defensoria Pública entre 2003 e 2019 cresceram 450,3%.

Em 2020, apesar das medidas de distanciamento social adotadas no combate da pandemia, de acordo com esse documento, a Defensoria Pública foi responsável por mais de 13 milhões de atendimentos jurídicos-assistenciais à população vulnerável.

Quanto ao número de acordos extrajudiciais celebrados pela Defensoria Pública, entre 2006 e 2019, houve um aumento de 162,5%, chegando em 2019 ao quantitativo de 216.943. Nas instâncias internacionais de direitos humanos, a Defensoria Pública atuou, nos últimos anos, em 54 casos.

Esses números demonstram o desempenho da instituição garantindo direitos e influenciando na definição de políticas públicas que atingem primordialmente direitos individuais e coletivos da sua clientela.

Ademais, indicadores socioeconômicos recentes têm revelado um enorme crescimento da população em situação de vulnerabilidade, inclusive de indivíduos "invisíveis", sem registro civil, especialmente afetados pelo desemprego e pela alta da inflação.

Esse conjunto de fatores tem o potencial de multiplicar as demandas que chegam até a instituição e indicam a imperiosa necessidade de sua atuação na busca da inclusão social, assegurando direitos.

Nesse cenário, a prerrogativa de requisição de informações e de documentos aos órgãos públicos é, sem dúvida nenhuma, um instrumento fundamental para que a Defensoria Pública possa exercer suas atividades em conformidade com a afirmação do Estado Democrático de Direito e com reverência à primazia da dignidade da pessoa humana.

O caso do massacre de Janaúba, em Minas Gerais, é um dos milhares exemplos do uso do poder de requisição pela Defensoria Pública de Minas Gerais, quando um incêndio criminoso atingiu uma creche municipal resultando na morte de 14 pessoas, sendo 10 crianças.

Por meio da prerrogativa de requisição de informações foi possível o reconhecimento do direito de indenização para as famílias atingidas.

A participação da Defensoria Pública do Ceará, requisitando informações à Prefeitura de Fortaleza, com o objetivo de verificar a situação de crianças e jovens em entidades de acolhimento a fim de garantir o recebimento do Benefício de Prestação Continuada é outro exemplo.

Casos como esses se multiplicam pelo país, evidenciando a importância da requisição de informações junto aos órgãos públicos, além de demonstrarem que esse instrumento em nada viola os princípios da isonomia, do contraditório e do devido processo legal, como argumenta a PGR nas ações que questionam tal prerrogativa por parte da Defensoria Pública.

Já em São Paulo, a requisição foi utilizada com frequência para obter informações sobre o fornecimento de medicamentos e insumos pelo poder público a cidadãos carentes.

Para além de ser diligência necessária em casos envolvendo o direito à saúde, essa prerrogativa permitiu à Defensoria avançar na formulação e participação na parceria Acessa SUS, que garante acesso ágil a informações do sistema público de saúde, otimizando o atendimento das pessoas pobres e evitando a judicialização desnecessária de casos —um ganho para toda a sociedade.

Ou seja, o que se vê é que a prerrogativa de requisição às Defensorias Públicas equilibram a balança da Justiça, e não o contrário.

Restringir os poderes da Defensoria Pública somente pode interessar àqueles que se incomodam não somente com a atuação dessa instituição, que deve se guiar pela defesa dos direitos dos mais vulneráveis, como também revela pouco apreço aos princípios que sustentam o Estado Democrático de Direito e baixo comprometimento na promoção dos direitos humanos.

Nesse sentido, é fundamental que o Supremo decida pela improcedência das 22 ações apresentadas pela PGR contra os dispositivos das leis estaduais que organizam as Defensorias Públicas nos Estados e no Distrito Federal, além da ação contra a lei que há quase 30 anos vem garantindo que as Defensorias Públicas possam efetivamente compor a função jurisdicional do Estado.

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