Bolsonaro ataca Deltan em nova iniciativa para minar pré-candidatura de Moro

Presidente afirma que Lava Jato 'escrevia depoimento e chamava o cara para assinar'; ex-procurador rebate

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (PL) fez, em vídeo divulgado neste domingo (12), ataques ao ex-coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol, recém-filiado ao Podemos, o mesmo partido pelo qual o ex-juiz Sergio Moro deve concorrer à Presidência em 2022.

Bolsonaro disse que rejeitou uma audiência com o então procurador em 2019, no momento de discussão sobre indicação a procurador-geral da República, por receio de "sair uma história pronta" do encontro.

"Se eu tivesse audiência com ele, com toda certeza não ia indicar a PGR. Mas iria sair uma história pronta. Como faziam por ocasião de alguns depoimentos por ocasião da Lava Jato", disse Bolsonaro.

"Escrevia o depoimento, chamava o cara para assinar. E ia falar o quê? Que eu teria feito proposta indecorosa para ele. Salvar um amigo, parente", afirmou ainda, em provocação que respinga em Moro e na atuação do ex-magistrado.

Deltan, que deverá ser candidato a deputado federal pelo Paraná, negou, em uma rede social, que tenha feito ou aceitado convite para reunião.

Procurador segura cartaz sobre "200 deputados" contra  a corrupção
Deltan Dallagnol e Sergio Moro na cerimônia de filiação do ex-procurador ao Podemos, na sexta (10) - @SF_Moro no Twitter

Bolsonaro fez referência no vídeo a um episódio relacionado aos diálogos dos procuradores no aplicativo Telegram e que foi revelado neste ano após a defesa do ex-presidente Lula (PT) ter acesso às mensagens.

No diálogo, de 2016, Deltan fala com um colega sobre atitude de uma delegada da PF: "Ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada...".

As acusações do presidente ocorrem dois dias depois de Deltan se filiar ao Podemos, em cerimônia com a presença de Moro, ex-juiz responsável pelos processos da Lava Jato e ex-ministro da Justiça na gestão Bolsonaro.

Bolsonaro e Moro disputam parte do eleitorado da direita na corrida ao Planalto em 2022. O presidente tem ampliado os ataques a seu ex-aliado.

Nas últimas duas semanas, disse que o adversário faz campanha a presidente "na base da mentira", além de fazer "papel de palhaço". Também acusou Moro de ser contra as armas e nem sequer saber torcer por um time de futebol.

Como procurador, Deltan trabalhou na Lava Jato de 2014 a 2020. Em novembro, ele pediu exoneração do Ministério Público Federal dizendo que pretendia continuar trabalhando contra a corrupção de outra forma.

Em vídeo publicado neste domingo para negar um pedido de encontro com Bolsonaro, o ex-procurador fez um discurso político e disse que foi contatado por interlocutores do Palácio do Planalto para uma reunião em 2019.

"Mas eu recusei, do mesmo modo que recusei o convite para ir ao Palácio do Jaburu encontrar o então presidente [Michel] Temer em 2016", afirmou. Segundo ele, as reuniões levantariam questionamentos sobre o trabalho da Lava Jato.

Sobre a acusação de Bolsonaro referente às delações, ele afirmou que "todos os acordos de colaboração foram negociados com as defesas e os fatos e as provas foram trazidos espontaneamente pelos colaboradores".

Deltan declarou ainda que deixou o Ministério Público após o "mundo político" acabar com a Lava Jato e anular as condenações. Por isso, relatou, decidiu entrar na política.

Na filiação do ex-procurador, na sexta-feira (10), Moro fez ataques a Bolsonaro e ao PT. "Nossa turma é que a gente pode se orgulhar. Não somos a turma do mensalão, petrolão, rachadinha", discursou.

Moro pediu demissão do Ministério da Justiça em abril de 2020 e deixou o governo acusando Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal. Ele se filiou ao Podemos em novembro na intenção de disputar o Palácio do Planalto.

No último dia 2, o presidente ainda reclamou que "deu moral" a Moro no momento em que o então ministro foi alvo de críticas por revelações de mensagens privadas que trocou com procuradores. Os diálogos foram obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados por outros veículos de imprensa, como a Folha.

Moro abandonou a magistratura para ser auxiliar de Bolsonaro, com quem acabou se desentendendo.

Neste ano, Moro sofreu uma dura derrota no STF (Supremo Tribunal Federal), que o considerou parcial em ação em que atuou como juiz federal contra Lula. Foram anuladas sentenças dos casos tríplex e sítio de Atibaia.

Diferentes pontos levantados pela defesa de Lula levaram à declaração de parcialidade de Moro, como condução coercitiva sem prévia intimação para oitiva, interceptações telefônicas do ex-presidente, familiares e advogados antes de adotadas outras medidas investigativas e divulgação de grampos.

A posse de Moro como ministro de Bolsonaro também pesou, assim como os diálogos entre integrantes da Lava Jato, que expuseram a proximidade entre Moro e os procuradores da Lava Jato.

Em resumo, no contato com os procuradores, Moro indicou testemunha que poderia colaborar para a apuração sobre Lula, orientou a inclusão de prova contra um réu em denúncia que já havia sido oferecida pelo Ministério Público Federal, sugeriu alterar a ordem de fases da operação Lava Jato e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Moro sempre repetiu que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contêm ilegalidades.

Reportagem da Folha neste fim de semana mostrou que Bolsonaro deu mostras recentes de um comportamento que parecia ter deixado de lado: as reações explosivas.

Irritado, ele falou palavrões publicamente, reclamou da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e subiu o tom contra o STF. Auxiliares do Palácio do Planalto dizem que o mandatário se sente pressionado.

Os arroubos, afirmam eles, refletem incômodo com decisões recentes da corte que atingem o governo, a discussão sobre o passaporte da vacinação contra Covid e o avanço de Moro nas articulações pela campanha presidencial de 2022.

Contudo, os interlocutores ainda não demonstraram preocupação com a possibilidade da volta aos ataques que geraram crise institucional entre os Poderes, com ápice em atos de raiz golpista no feriado de 7 de Setembro.

Eles classificam esses momentos como desabafos do presidente. Dizem que, por mais que Bolsonaro tenha contido explosões nos últimos meses, ele não pode mudar seu jeito.

Dentre os episódios que causaram a fúria do presidente está a ordem de Alexandre de Moraes, ministro do STF, de apurar a conduta do presidente por falsa associação entre a vacinação contra a Covid-19 e o risco de se contrair o vírus da Aids.

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