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Evangélicos conquistam 'filé-mignon' com André Mendonça no STF

Imersão do segmento na vida política começou na Constituinte e decolou desde então

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São Paulo

A suada aprovação do presbiteriano André Mendonça para o STF (Supremo Tribunal Federal) dificilmente teria acontecido sem a força-tarefa de pastores que lutou até o último minuto para garantir a chegada de um dos seus à mais alta corte do país.

O "salto para os evangélicos", como sintetizou o futuro ministro, é parte de uma imersão política há muito cozinhada pela elite pastoral. Foram três décadas comendo pelas beiradas, sem nunca perder de vista o filé-mignon: ver-se representada no alto escalão dos Três Poderes.

André Mendonca durante sabatina no Senado - Adriano Machado - 1º.dez.21/Reuters

Ainda não tiveram um evangélico na Presidência da República, é verdade. Mas o católico Jair Bolsonaro por ora dá pro gasto, com batalhas ideológicas siamesas às das lideranças que o apoiam.

Em seu governo, a bancada evangélica ganhou inédito protagonismo. Resume bem Samuel Câmara, pastor que liderou um culto no Congresso horas antes de Mendonça ser avalizado pelo Senado: "Nunca fomos tão convidados a vir para Brasília".

Do que adianta, contudo, a influência no Legislativo e no Executivo se o Judiciário represa várias de suas agendas conservadoras? Daí a campanha para que Bolsonaro cumprisse a promessa de colocar um "terrivelmente evangélico" no STF.

Como antecipou o pastor Samuel na manhã de quarta (1º): "Esperamos que hoje à noite possamos sentir exatamente isso, que um grãozinho [nosso] chegou ao Supremo". De grão em grão.

Antes de perguntar aonde os evangélicos querem chegar na política, é preciso primeiro falar como foram parar nela. Por décadas, o segmento se deixou guiar pelo lema "crente não se mete em política". A redemocratização do país trouxe a reboque maior apetite eleitoral do grupo.

Até então, Brasília era tida como playground do diabo, e crente que se prezasse queria mais é distância dela.

Em 1986, Josué Sylvestre, um assessor do Senado que frequentava a Assembleia de Deus, lançou "Irmão Vota em Irmão", que espelhou a mudança de postura das igrejas, agora favoráveis ao embarque das igrejas na vida político-partidária do país.

Como diz trecho do livro, "crente vota em crente, porque, do contrário, não tem condições de afirmar que é mesmo crente".

O Brasil estava prestes a virar a página ditatorial e escrever uma nova Constituição, e evangélicos perceberam a importância de demarcar algumas posições. Ainda que a Bíblia fosse soberana, outro livro definiria como o país passaria a lidar com temas caros ao grupo.

Aborto, por exemplo. Parlamentares à esquerda queriam uma Carta que citasse o direito da mulher à interrupção da gravidez.

A maioria dos religiosos gostaria de incluir nas quatro linhas constitucionais a proteção do feto desde a concepção, o que impediria os casos de aborto legal que temos hoje.

Nenhum dos dois teve o que quis, mas o outro lado também não. Programa de redução de danos.

Em 1987, na reportagem "Os Deputados de Deus", a revista Veja falou sobre os 33 constituintes que tinham como meta de seu "apostolado parlamentar" confeccionar uma Constituição à imagem e semelhança "da carta magna de Deus aos homens, a Bíblia".

À época, o então presidente, José Sarney, diagnosticou que o lobby evangélico era "um dos fatores mais relevantes da atual Constituinte". Nascia ali a primeira bancada evangélica do Congresso brasileiro.

Em 2003, pareados com o primeiro governo Lula, congressistas evangélicos formalizaram o bloco com a Frente Parlamentar Evangélica.

A relação do petista com o segmento é cheia de idas e vindas, mas basta dizer que naquele ano ele estava em bons termos com muitos dos líderes evangélicos que hoje defenestram o PT, como Edir Macedo e Silas Malafaia.

"Acredito que sou pioneiro em dar consciência política aos evangélicos, faço isso há 35 anos", diz Malafaia.

Como televangelista e, agora, pastor influencer nas redes sociais, ele afirma que "o grande despertar" foi na Constituinte. "São nas casas legislativas que se fazem as leis que vão nortear todos os costumes da sociedade, e precisamos fazer valer nossas ideias."

Malafaia diz ser "lorota" a ideia de que evangélicos têm um projeto de poder que prevê emplacar um dos seus no topo dos Poderes. Já o bispo Macedo, esse sim tem um, afirma.

O fundador da Igreja Universal teria compartilhado, num almoço no Rio de Janeiro em meados dos anos 1990, as intenções de eleger um presidente da mesma fé que a sua.

A visão é explicitada em "Plano de Poder". Lançado em 2011 pela Thomas Nelson, um ano após o Censo detectar o avanço dos evangélicos num país outrora monopolizado pelo catolicismo, o livro assinado pelo bispo defende a entrada do segmento na política.

Nada que se daria "por acaso nem por obra do destino", diz Macedo. É preciso correr atrás. "Não é como o princípio de autopolinização da natureza, como o vento, ou o pássaro, ou mesmo um inseto que conduz o pólen de um lugar para o outro, e a vida vai acontecendo naturalmente."

Quando a primeira bancada se formou no Congresso, era tudo mato para evangélicos. Desde então, todas as eleições presidenciais contaram com a paulatina atuação do grupo.

A conquista de um naco do Judiciário é uma escala necessária no itinerário de poder preconizado em 1985 pelo "Mensageiro da Paz", jornal editado por um galho da maior denominação evangélica do país, a Assembleia de Deus.

"A Bíblia deixa subentendido que o cristão não pode eximir-se de suas responsabilidades com o mundo escondendo sua lâmpada debaixo do alqueire", afirmou a publicação.

"Isto significa dizer que precisamos do posicionamento de crentes fiéis em todos os setores da vida secular, incluindo-se aí o segmento político... Ou será que os descrentes são melhores do que os salvos para administrar a coisa pública?"

Deus os livre.

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