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Ex-governador Paulo Hartung propõe em livro refundação política do Brasil

Em novo livro, ex-chefe do Executivo do ES diz que modelo de Estado brasileiro chegou a um fim melancólico

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São Paulo

Às vésperas de uma eleição que se desenha como a mais turbulenta desde o fim da ditadura, o ex-governador Paulo Hartung defende em livro dois objetivos nada modestos: uma nova forma de compreender a atividade política e uma refundação política do Brasil.

Nas páginas de "Brasil: Desafios e Propósitos", os dois pontos aparecem intimamente ligados nas reflexões de Hartung, que, entre outros cargos públicos, governou o Espírito Santo por três mandatos (2003-2010 e 2015-2018).

O livro reúne artigos publicados na imprensa —sobretudo em O Estado de S. Paulo, mas também na Folha, no jornal O Globo, Poder 360 e outros veículos— nos últimos dois anos, um curto, mas traumático período em escala global.

No fim do volume, há a transcrição de uma entrevista de Hartung para o podcast Liderança e Arte da Política Econômica, na qual comenta os ajustes fiscais que realizou no Espírito Santo em seus mandatos e o motim da PM no estado, em 2017.

"Quando eclodiu o motim da Polícia Militar, ele eclodiu no curso do ajuste. Pedia-se a correção salarial e nós explicamos que, se a gente concedesse correção salarial, nós estaríamos cometendo um crime contra a Lei de Responsabilidade Fiscal", diz.

"Não descumprimos a lei, trouxemos equipe das Forças Armadas para cobrir o problema de segurança no estado e seguimos em frente", completa.

Nos artigos, Hartung evita citar nomes, compondo um quadro de desolação nacional decorrente não de um partido ou governo específicos, mas da história do Brasil como um todo.

"A baixa mobilidade social e a desigualdade, marcas perversas no presente, remontam a uma sociedade constituída sobre o escravagismo e que passou boa parte do século 20 sem investimentos suficientes numa educação transformadora das suas estruturas", escreve.

Historicamente, diz, o Estado brasileiro é concentrador de rendas e promotor de desigualdades, o que resulta em um modelo de sociedade fincado na oferta precária da educação básica, na constituição de insustentáveis sistemas tributário e previdenciário, na manutenção de inconcebíveis privilégios nas corporações de Estado e nos segmentos empresariais.

Um período de crescimento nos anos 1990 e 2000 parecia indicar algum rompimento nessa maldição histórica, mas tudo degringolou a partir de 2010, com a crise econômica que começava a tomar forma. Daí resultariam nos anos seguintes desemprego crescente e queda da geração da renda.

Nesse turbilhão, o Brasil teve um processo eleitoral em 2018, do qual Jair Bolsonaro saiu vitorioso, "esvaziado do estrito senso político". "Em vez de política genuína, tivemos embates de extremismos com conteúdos desimportantes para a cidadania e o desenvolvimento, dinamizados por fake news, ódio, intolerância", afirma.

Parece o retrato de um pesadelo, mas, como diz o ditado, nada é tão ruim que não possa piorar. Veio 2020, e com ele a pandemia da Covid-19 de que o mundo ainda não se livrou, acentuando desigualdade, ineficiência do Estado e, no caso do Brasil, o descalabro da Presidência.

O vírus também parece ter sido a pá de cal no modelo de Estado brasileiro. "Entendo que chegamos ao término desse ciclo. Estamos num fim melancólico produzido por absoluta crise de sustentabilidade fiscal. Não há recursos públicos suficientes para financiar esse modelo de Estado, caro, injusto e ineficiente", diz Hartung.

Se há algum ponto positivo nesse emaranhado, sugere o livro, é que agora, diante da falência das alternativas, só resta "a impositiva caminhada de reinvenção democrático-republicana", fazer "avançar as reformas estruturantes do Estado".

"É necessário reconstruir nossa máquina governativa, em todos os seus estratos. É preciso mudar a vocação de nosso Estado, fazendo de suas principais potencialidades não a promoção de privilégios e desigualdades, mas a indução de prosperidade para todos", avalia o autor.

A reinvenção depende de uma agenda ampla, que demandaria a participação de sucessivos governos. Resumindo em alguns tópicos: modernização do Estado e dos serviços públicos, mais atenção às demandas reais do cidadão, oferta de educação que garanta a igualdade de oportunidades, valorização do meio ambiente e da economia verde.

Uma reforma tão vasta, contudo, só pode ser levada a cabo com uma nova visão da ação política, que se oponha ao voluntarismo e busque o diálogo amplificado e diversificado com a sociedade, que "recupere aquela dimensão que pode, ou não, promover e sustentar a liberdade como caminho em nossa eterna missão de inventar e reinventar a condição humana".

Não chega a ser surpresa que Hartung identifique uma enorme carência de lideranças no Brasil. "Há décadas o país atravessa um deserto quanto ao surgimento de líderes que inspirem, pautem e ensejem o novo, a inovação e a vanguarda em termos socioeconômicos e político-culturais."

Embora não creia na total substituição dos partidos políticos, Hartung entende que novas lideranças devem florescer sobretudo em grupos de renovação, como o RenovaBR, do qual é conselheiro, o Livres e a Raps.

Após passar por siglas como PSDB, PPS e MDB, o ex-governo está sem partido desde 2018. Foi conselheiro próximo de Luciano Huck quando o apresentador, também apoiador de movimentos como o Renova, chegou a cogitar disputar a Presidência.

Hartung não trata diretamente da eleição do próximo ano, mas parece mandar vários recados ao longo de seu livro.

"Parece impossível vislumbrar novos horizontes sem a formação de uma nova geração de líderes, algo indispensável à superação da aridez que vem assolando a política nacional. O Brasil não merece e não pode ser refém de uma arcaica vida política baseada em visões estreitas e ultrapassadas, quando não incivilizadas, de mundo."

Brasil: Desafios e Propósitos

  • Preço R$ 29,99 (apenas ebook)
  • Autor Paulo Hartung
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