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Lira fixa base de Bolsonaro, mas trava em reformas e na 'pauta da vingança'

Em 1º ano no comando da Câmara, deputado recorre a manobras e abre caminho para se reeleger em 2023

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Brasília

Em seu primeiro ano à frente da Presidência da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), 52, destravou projetos importantes para o governo, usou a distribuição de emendas para consolidar a base de apoio de Jair Bolsonaro (PL) e recorreu a manobras para obter vitórias.

Lira, porém, viu barrada em parte sua ofensiva para aprovar reformas estruturantes e uma "pauta da vingança" contra a Operação Lava Jato.

Líder do centrão, o grupo de partidos que dá sustentação a Bolsonaro e que deve formar a sua chapa à reeleição, Lira é hoje o principal aliado de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) - Pedro Ladeira-19.nov.2021/Folhapress

Lira foi eleito em fevereiro com o apoio do governo, derrotando o grupo político do antecessor, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), visto pelo Palácio do Planalto como opositor.

De estilo centralizador e muito mais afeito às negociações de bastidor do que aos holofotes, Lira já assumiu o posto tirando da gaveta temas de interesse do governo e do mercado, de quem procurou se aproximar.

Um deles foi a aprovação do projeto que deu autonomia ao Banco Central. A privatização da Eletrobras, que também estava paralisada, foi aprovada e passou a vigorar em julho.

Em agosto, os deputados deram aval para a quebra do monopólio dos Correios. No mês seguinte, aprovaram mudanças nas regras do Imposto de Renda, outra das bandeiras da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia).

Esses dois pontos, porém, foram engavetados pelo Senado e compõem, ao lado das reformas tributária e administrativa, o conjunto de temas que Lira não conseguiu avançar, na parte econômica.

Em uma tentativa de facilitar a aprovação da tributária, o deputado pressionou pelo fatiamento das mudanças em impostos.

Inicialmente, ficou decidido que a prioridade seria a fusão de PIS e Cofins na CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), com a tramitação de projeto enviado pelo governo em setembro de 2020.

No entanto, diante das dificuldades na negociação do texto, ele decidiu se concentrar na proposta que alterava as regras do Imposto de Renda e estabelecia a tributação de dividendos, em mudança criticada pelo empresariado.

Para aprovar o projeto, Lira precisou do apoio da oposição. A pauta, porém, está parada no Senado até hoje, e a perspectiva de votação é próxima de zero.

A reforma administrativa teve resultado parecido.

Mesmo com a defesa pública de Lira, sob argumento de que não mexia em direitos adquiridos e que não afetava atuais servidores, a proposta só conseguiu passar na comissão especial que analisou o mérito na Câmara após uma manobra feita pelos partidos da base —que trocaram integrantes do colegiado para assegurar a aprovação do texto, no final de setembro.

Lira já cobrou empenho do governo para tentar aprovar a reforma, mas dificilmente a pauta, impopular, sairá do papel.

Como a perspectiva é a de que nenhuma delas avançará em 2022, o presidente da Câmara deve ficar sem uma marca forte em sua gestão —a título de comparação, Maia conseguiu aprovar a também impopular Reforma da Previdência.

Para além da economia, Lira tentou emplacar um conjunto de medidas visto por opositores como uma "pauta da vingança" contra a operação Lava Jato, da qual foi um dos alvos.

O deputado tentou acelerar a tramitação de uma proposta de emenda à Constituição que ampliava a blindagem a deputados, mas não obteve apoio suficiente.

Mais recentemente, a PEC que aumentava a influência do Congresso no Conselho Nacional do Ministério Público foi derrotada por falta de 11 votos. Lira também tentou incluir na reforma eleitoral uma quarentena a juízes e procuradores, mas o texto foi abrandado e, hoje, está sob análise do Senado.

Por outro lado, o presidente da Câmara obteve sucesso em aprovar projeto que flexibilizou a Lei de Improbidade, prevendo punição só em casos em que seja provado dolo no dano ao erário.

Apesar do alinhamento ao Planalto, o primeiro ano da gestão Lira registrou alguns (poucos) embates com o Executivo de Jair Bolsonaro.

Um dos momentos de tensão ocorreu no auge da defesa, por grupos bolsonaristas, da aprovação de um projeto de impressão do comprovante do voto do eleitor.

Sob o argumento de que o assunto deveria ter um desfecho, Lira levou a PEC para votação em plenário, mesmo ela tendo sido derrotada em comissão especial criada para analisar seu mérito.

O resultado não mudou: a proposta acabou igualmente rejeitada, por falta de 70 votos para que se chegasse ao apoio mínimo necessário (308).

Em sua presidência, Lira manteve traços que já marcavam sua atuação parlamentar. Críticos e aliados sempre destacam que o atual presidente da Câmara tem como uma de suas principais características a de cumprir acordos firmados.

Se antes o deputado usava como trunfo a influência do centrão junto ao governo da vez, agora, como presidente, passou a contar com as persuasivas e bilionárias emendas federais de livre destinação, as chamadas emendas de relator.

Na divisão com o Senado, coube a Lira o controle sobre emendas no valor de R$ 11 bilhões, o que foi fundamental para aprovação de projetos do governo e de seu interesse, além da manutenção de apoio em torno de seu nome.

Tanto é que o presidente da Câmara é candidato à reeleição em 2023, seja quem vença a disputa à Presidência da República, como ele próprio reconheceu em entrevista à Folha.

"A oposição foi bem atendida por ele, nos acordos que fizeram, e as pautas todas foram andando. O RP-9 [emenda de relator] foi um fator que permitiu a ele ter apoio. Quem inventou foi o Maia [antecessor]. Ele [Lira] sabe usar, tem habilidade, mas não tem fato novo, sempre existiu", disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).

Ele é direto ao responder à pergunta sobre se considera Lira candidato à reeleição, ganhe quem ganhar a presidência da República em 2022: "Cem por cento."

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente, também avalia de forma positiva o trabalho de Lira.

"Ele continua cumprindo com o que ele prometeu na campanha para a Presidência, que é colocar em pauta os projetos de interesse nacional. Obviamente tem a oposição [a ele], é natural da democracia, mas com certeza é positiva a avaliação do Lira, dá de mil a zero no anterior, o Rodrigo Maia, porque antigamente o Rodrigo Maia era o sabotador da República."

Sobre as emendas, Eduardo Bolsonaro foi lacônico, dizendo que esse é um assunto mais de governo e que Lira é conhecido por ser um bom articulador. "Ele fala com todo mundo, certamente ele conduz da melhor maneira possível."

Além do estilo centralizador e afeito aos bastidores, Lira também não tem demonstrado pudor em aprovar alterações de regras da Casa a depender dos interesses imediatos.

Em um dos exemplos mais notáveis, voltou atrás em uma decisão e permitiu o voto de deputados que estavam fora de Brasília, em viagem em missão oficial, para tentar elevar a chance da aprovação da PEC dos Precatórios.

A PEC foi aprovada por uma margem estreita de votos, apenas 4, o mesmo número de votos favoráveis dados por meio da manobra de Lira.

Como a Folha mostrou, ao menos um desses votos foi dado de forma irregular, pelo deputado Zé Silva (Solidariedade-MG), que estava fora de Brasília não em missão oficial, mas participando de um compromisso em Minas ao lado do governador Romeu Zema (Novo).

Na parte eleitoral, tentou emplacar a maior reforma desde a Constituição de 1988, também encurtando prazos de tramitação, mas as medidas aprovadas para 2022 se resumiram a poucos pontos específicos.

"Ele acabou completamente com o regimento, não existe mais processo legislativo. A maneira como ele atropela e tensiona o debate —em vez de buscar um consenso, ele quer jogar a pauta dele goela abaixo, e te retaliar se você não votar— só gerou desgaste e diminui a chance de ele alcançar a pretensão à reeleição da Câmara", afirma o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP).

Procurado, Lira não se manifestou sobre pontos específicos ou quis fazer um balanço geral de sua gestão até agora.

O que conseguiu

  • Aprovação da autonomia do Banco Central
  • Aprovação de privatização da Eletrobras e da quebra do monopólio dos Correios --que está parada no Senado
  • Conseguiu aprovar o projeto que muda as regras do Imposto de Renda
  • Mudou o regimento interno da Câmara dos Deputados, diminuindo os instrumentos usados pela oposição e por minorias para tentar retardar a tramitação de projetos
  • Obteve fidelidade a projetos não pelo mérito, mas por oferta de verbas do Orçamento federal cuja distribuição controla
  • Revogação da Lei de Segurança Nacional, um dos últimos resquícios da ditadura militar
  • Aprovou temas de interesse do agronegócio, como regularização fundiária e licenciamento ambiental, em projetos criticados por ambientalistas

Percalços

  • Por falta de 11 votos, viu derrotada uma das propostas pela qual mais se empenhou, a PEC que ampliava a influência do Congresso no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público)
  • Assim como o antecessor, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), não se manifestou sobre os vários pedidos de impeachment que pesam contra o presidente Jair Bolsonaro, seu aliado
  • Viu vários projetos de seu interesse e do governo barrados pelo Senado, entre eles a reforma do Imposto de Renda, a permissão para privatização dos Correios e projetos de flexibilização na área ambiental
  • Fracassou, ao lado do governo, na tentativa de votar as reformas administrativa e tributária
  • Tentou emplacar a maior reforma política e eleitoral desde a Constituição de 1988, mas apenas alguns poucos pontos específicos foram alterados
  • Patrocinou manobra para ampliar as chances de aprovação da PEC dos Precatórios, o que incluiu pelo menos um voto irregular
  • Engavetou até o momento o desenrolar da punição aprovada pelo Conselho de Ética contra Daniel Silveira (PSL-RJ), assim como o envio ao Conselho do caso de Wilson Santiago, que havia sido afastado do mandato pelo STF em 2020 (mas voltou ao cargo por decisão da Câmara) sob acusação de desviar verbas de obras contra a seca no sertão da Paraíba.
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