Descrição de chapéu Folhajus STF

Mendonça diz que foi visto como 'padreco' e só estudou direito para agradar aos pais

Indicado ao STF planejava na adolescência se dedicar à religião e se formou em teologia enquanto atuava na AGU

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São Paulo

"Quando eu me formei, o máximo que eu sonhava era ser juiz de direito. Depois de uns anos, nem isso. Fui diminuindo minha expectativa."

Prestes a assumir o mais elevado dos cargos da carreira jurídica do país, André Mendonça, 48, definiu assim, em culto em igreja evangélica, em 2019, o início de sua trajetória profissional.

Indicado para o STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União costuma falar sobre sua história de vida em pregações em igrejas pelo país. Geralmente o faz em um contexto em que tenta atribuir seus êxitos à vontade divina.

Mendonça, que é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, foi escolhido pelo presidente para cumprir promessa feita a igrejas de indicar um nome "terrivelmente evangélico" à corte.

A sabatina no Senado, etapa obrigatória para a nomeação, ocorreu nesta quarta-feira (1º). Ele a seguir foi aprovado para o posto no plenário da Casa legislativa.

Homem gesticula enquanto faz pregação religiosa ao microfone
André Mendonça, indicado ao STF por Bolsonaro, durante culto na Assembleia de Deus - Ministério de Madureira, em São Paulo, em setembro - @AmendoncaAGU no Twitter

Segundo conta em cultos, o indicado ao STF, que é paulista de Santos, só entrou na faculdade de direito por pressão do pai, um funcionário do antigo Banespa. Religioso desde a infância, Mendonça tinha como plano inicial se dedicar em um seminário ao que considerava sua verdadeira vocação.

"Eu não queria nem fazer a faculdade de direito, queria ir para o seminário. Com 16 anos, minha ideia era ir para o seminário. Meu pai, presbiteriano, —minha mãe [é] católica— diz: Primeiro você vai fazer a sua faculdade, para depois ir para o seminário", disse ele em culto no interior de São Paulo em 2020, em um vídeo que viralizou entre evangélicos e apoiadores de Bolsonaro.

O indicado ao Supremo se formou em direito na Instituição Toledo de Ensino, em Bauru (a 329 km de São Paulo), em 1993.

Ao terminar a faculdade, contou ele, novamente tentou tomar o caminho religioso, mas a mãe queria que primeiramente conquistasse "sua independência financeira".

Diz que no início trabalhou em um escritório de advocacia localizado em um porão, em tempos em que "só tinha um terno e um sapato furado".

Passou em 1997 em concurso para advogar na Petrobras, mas considerava o salário baixo e tentou ingressar na Advocacia-Geral da União.

Aprovado, escolheu trabalhar pelo órgão em uma cidade em que houvesse um seminário para que pudesse estudar teologia e futuramente se tornar pastor. Foi com a família para Londrina (PR). Durante anos, estudou paralelamente ao trabalho na AGU.

"Eu dizia que provavelmente não iria crescer [profissionalmente] na instituição. Porque estou focado no seminário. Faço os processos numa cidade do interior, ninguém vê o meu trabalho."

A trajetória começou a mudar quando foi convidado para um período de 60 dias de trabalho em Brasília na corregedoria do órgão, em 2005.

Acabou sendo efetivado na capital federal. Em 2008, foi convidado pelo então advogado-geral Dias Toffoli —hoje ministro no STF— para assumir uma diretoria responsável por patrimônio e probidade.

"Um amigo falou para outro: 'O André? O André não tem expressão. Aquele padreco?'", lembrou Mendonça sobre aquela escolha, também em um culto, neste ano.

Ao longo de sua trajetória no órgão, disse que nunca teve contatos no meio político. Afirmou que, como tinha atuação relacionada ao combate à corrupção —o que incluía a elaboração de acordos de leniência—, era natural que estivesse em posição afastada.

"Eu sempre achei que jamais seria o AGU por um motivo: como é que um presidente vai indicar um AGU cuja história é justamente de combater a corrupção?", disse ele, em 2019.

Hoje, o foco em casos de corrupção tem despertado desconfiança em senadores, que o veem como potencial representante do chamado "lava-jatismo" no Supremo. Sua vida acadêmica também foi voltada a estudar o tema —concluiu doutorado na Universidade de Salamanca, na Espanha, em 2018.

Mendonça tem dito que só chegou à Esplanada dos Ministérios no governo Bolsonaro por indicação técnica, por seu currículo.

Ele havia trabalhado como assessor especial na Controladoria-Geral da União com Wagner Rosário, ministro do órgão no governo de Michel Temer e que Bolsonaro resolveu manter no posto em seu governo.

O indicado de Bolsonaro ao Supremo diz que só conheceu o presidente em novembro de 2018, em entrevista que durou pouco mais de meia hora e que consumou sua indicação para o ministério.

O próprio Bolsonaro disse, em transmissão em redes sociais no ano passado, que nem sequer sabia que seu novo ministro era da mesma região de sua família, o Vale do Ribeira, no interior paulista.

Na AGU e no Ministério da Justiça, Mendonça ficou marcado pela defesa irrestrita de atitudes do presidente. Utilizou, por exemplo, a Lei de Segurança Nacional para intimidar críticos do governo.

Mesmo no período como ministro, o indicado por Bolsonaro manteve sua atuação na igreja. Como pastor, direcionou suas atividades para o trabalho com crianças. "Contar histórias é a forma mais impactante, até dos adultos de gravar alguma coisa", disse ele, em uma pregação neste ano.

Além da Igreja Presbiteriana, Mendonça ao longo do mandato também esteve em celebrações de diversas denominações evangélicas, como a Assembleia de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus, em ocasiões em que falou também sobre seu trabalho no governo e medidas do mandato.

Em uma apresentação em uma igreja em 2019, disse que declarou ao Conselho de Ética da Presidência potencial de conflito de interesse por ser pastor.

"Qualquer causa relacionada à Igreja Presbiteriana ou a suas instituições, eu não me manifesto. Eu já aviso."

Nesta segunda-feira (29), Bolsonaro gravou um vídeo para evangélicos em que aparece ao lado do indicado e afirma que "chegou a hora" da confirmação da nomeação. "Espero, obviamente, que seja aprovado e que tenhamos então um representante de todos nós dentro do Supremo."

ENTENDA TRAMITAÇÃO DAS INDICAÇÕES NO SENADO

  • A avaliação sobre a nomeação é feita pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Para iniciar o processo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deve ler o comunicado da indicação em plenário, o que já foi feito
  • A principal etapa na comissão é a realização de uma sabatina do candidato pelos congressistas. Concluída a sabatina, a CCJ prepara um parecer sobre a nomeação e envia a análise ao plenário
  • A decisão sobre a indicação é feita em uma sessão plenária da Casa. A aprovação do nome só ocorre se for obtida maioria —ao menos 41 dos 81 senadores
  • Depois da aprovação pelo Senado, o presidente pode publicar a nomeação e o escolhido pode tomar posse no tribunal
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